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REFIS III

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10º - Dos créditos podres, de como liquidá-los contra débitos reais

            O programa REFIS I introduziu uma prática por demais salutar. Como toda e qualquer idéia pioneira, fê-lo porém com muitas ressalvas e timidez. Foi o caso de aproveitar os saldos de prejuízos fiscais (IRPJ e CSL), um crédito das empresas, para quitar débitos fiscais. Explico: as empresas do REFIS I (só as do REFIS I), puderam aproveitar 15% dos prejuízos fiscais de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, e 8% das bases negativas da CSL para abater contra os saldos do REFIS.

            O prejuízo poderia ser próprio ou de terceiros. Funcionou, sim, ainda que precariamente. Em suma, créditos podres (dívidas da empresa) versus débitos verdadeiros, os saldos acumulados das contas de prejuízo fiscal do IRPJ e da CSL, que mais dia menos dia, haveriam de abater lucros, fosse pela recuperação, fosse pelas fusões e planejamentos tributários.

            O problema é que a idéia recebeu infindas castrações mentais. Inicialmente, só podia compensar contra as multas. Depois, ampliada aos juros, mas jamais aceita ao principal. Não dá para entender porque o débito inteiro não podia ser abatido contra a conta integral dos prejuízos fiscais.

            Em segundo lugar, muito lamentável, deu-se a tentativa de tungar o contribuinte, pois todo mundo sabe que o IRPJ não é de apenas 15%, mas de 15% + 10% de adicional-IRPJ sobre todos os valores que excederem a R$ 20.000 mensais. Sabe-se também que a CSL não tem sido de 8% todo o tempo, mas variável de ano para ano e de setor para setor. Por que não fazer uma conta honesta?

            Em terceiro lugar, os prejuízos dados como compensáveis foram os de 1999 para trás, embora a lei do REFIS I não traga nenhuma rigidez nesse sentido. A piorar o quadro, a Resolução CG REFIS nº 21/2001, no site da SRF, é dada como vigente, mas ninguém consegue, na prática, fazer compensação alguma, a pretexto de que o prazo ter-se-ia encerrado quando da declaração Refis, em 2001. Um absurdo, evidentemente, posto que a lei não fixou prazo algum para compensar, tanto assim que os formulários da compensação estão até hoje ao dispor do contribuinte na page da SRF, vigentes, mas de impossível utilização, assim a orientação da SRF. Solução: bater às portas da Justiça.

            Surge, pois, agora uma excelente oportunidade de o Congresso Nacional mandar fazer uma limpeza nessa sinistra conta de prejuízos acumulados sem nenhum ônus para o Estado. É trocar um débito real, a ser fatalmente descontado no futuro, com créditos podres, jamais recebíveis. Sim, o princípio da eficiência de que nos dá conta o Estado Gerencial, vide EC 19/1998, atual art. 37 da CF.

            Quem sabe, não seria a hora encaixar o ameaçante Crédito Prêmio do IPI numa negociação possível contra os débitos das empresas, inclusos os Bancos oficiais, BNB e BASA (debêntures da SUDENE e SUDAM), e o BNDES?


11º - Da apropriação indébita, na maioria dos casos, pura falácia

            Quando vejo alguém a falar de tributos descontados e apropriados indebitamente, vem-me, com todo o respeito, aquela certeza de que o interlocutor não sabe o que é o dia a dia de uma empresa em dificuldades. Existem quebras fraudulentas, empresários decididamente refratários a qualquer tributos, mas a regra geral não é esta.

            Tomemos para a análise a palavra «descontar». Com certeza, uma variante do verbo «contar». Isto mesmo, o empresário conta 100 unidades monetárias e, com uma mão as entrega ao funcionário. Com a outra, ao mesmo tempo em que vai entregando aquelas 100 unidades, desconta 9 unidades em favor do INSS. Aliás, desconta também 27,5 unidades em favor do Imposto de Renda.

            Feito o desconto, o empresário, desonesto, não recolhe os valores retidos ao INSS e à Receita Federal. O problema é que a coisa não é bem assim. O empresário em dificuldades não dispõe daquelas 100 unidades para «contar» e, depois de «contados» pagar salários e «descontar» tributos. Pelo contrário, paga-os aos pedaços, aos trancos, no vale, no "abono".

            Voltemos ao verbete «descontar». Ele pressupõe um outro, repita-se, o verbete «contar». Isto mesmo, se o empresário não possui aquelas 100 unidades teóricas para «contar», como, pois, falar em «descontar»? O emprego de outro sinônimo, digamos, «reter», também pressupõe o «ter». Em suma, isto de apropriação indébita, em 99% dos casos, inexiste.

            Se o Fisco quiser mesmo acabar de uma vez por todas com o problema, basta implantar este modelo de transparência fiscal:

            - Pagar todos os salários via banco. Não há localidades sem banco, ainda que uma agência lotérica ou dos correios a suprir a mínima atividade bancária;

            - Quaisquer pagamentos, em favor do funcionário, seria bi-partido, no banco, em duas titularidades: uma, do funcionário; outra, do tributo;

            - Com isto, ainda que a empresa não disponha do salário integral, se vier a pagá-lo parcialmente, sobre a parte que pagar, o INSS e o IRFonte terão o seu quinhão. Também o FGTS. E mais encargos que houver, inclusos os bancos dos empréstimos consignados;

            - Acabar-se-á a farsa de dizer que o empregado paga 9% de INSS e 27,5% de Imposto de Renda na Fonte. Quem, a rigor, paga-os é a empresa, fazendo-os recair, quando possível, em seus custos. [Disse «quando possível», matéria de outro ensaio, porque no regime de livre mercado, nem sempre é possível descarregar todos os custos nos produtos vendidos. Muitas vezes a empresa obriga-se a vender com prejuízo ou lucro nenhum]

            - Será o fim da apropriação indébita e do não recolhimento das contribuições sociais, pois todos os valores serão repassados pelo banco;

            - Tanto dinheiro haverá em poder do INSS que as alíquotas terão de ser reduzidas, àquela máxima de "onde todos pagam, todos pagam menos".

            - Com isto, o senhor Presidente não necessitará vetar o aumento de 16% dos aposentados, nem o FGTS das empregadas domésticas.

            O sistema, facilmente implantável, por MP mesmo, eficientíssimo, tanto para empresa, como para os empregados e o Fisco, tem um defeito terrível: desnuda o rei! De fato, no momento em que Sua Excelência, o empregado (e eleitor!) perceber que o seu salário real não é de apenas 100, mas de quase 200, a proporcionar o desconto de 27,5% do IR-fonte, mais outro de 30 e não sei quantos por cento à Previdência Social, mais 8,4% do FGTS, mais x% Sindicato... etc, etc.

            Como é o nome mesmo?

            Dizem que o nome verdadeiro é Cidadania, isto é, a participação do povo no destino da pólis, sabendo o quanto paga para saber de que tanto pode cobrar do príncipe. Desde que o senhor príncipe assim o aceite. Aceitará? Uma questão de civilização, com certeza. A depender da doutrina, da jurisprudência, do grito do cidadão. Mais dia, menos dia, quem viver, verá.

            Ou, pelo contrário, melhor manter essa falácia de empresário sonegador, quando os meios de acabar com o problema inteiro estão ao dispor do Estado, mas ao preço de desnudar a volúpia arrecadatória. E esbanjadora. Mas, por favor, não se diga que o sistema de antecipar nas fontes não seria possível, porque é, vide Constituição Federal:

            Art. 150

            VI

            § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de impostos ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

            Existe, como se vê, previsão constitucional para transferir para outrem a obrigação de recolher. No caso, ao empregado, via conta bancária, ter-se-á o recolhimento integral de todos os tributos incidentes sobre os salários. Uma Medida Provisória, de imediato, sem maiores delongas, é mais que suficiente. Isto será tão educativo quanto colocar no rosto da nota fiscal o valor dos tributos pagos em cada compra. Sim, um e outro, ambos.

            De fato, depois que o Fisco passou a exigir a antecipação dos tributos nos pagamentos às empresas de serviços, simplesmente acabou aquele golpe de fundar empresas destinadas a não pagar e sumir. Pode até sumir, agora, mas o tributo terá sido recolhido no sistema da antecipação tributária.

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12º - Conclusão: o que fazer de imediato?

            Para a empresa em débito, por enquanto, nada. Mas sobretudo contatar com o vereador, deputado estadual, federal, senador e governador, a lhes exigir um REFIS que realmente não se revista de malandragens e enganações. Nem contra o contribuinte, muito menos contra o Estado. O termo médio, dentro do possível e do conveniente, como di-lo Aristóteles no último parágrafo de sua Política.

            Se a empresa tem débitos em fase de execução, requeria ao Juiz que a suspenda, pois em seu favor a MP que lhe garante parcelar até o dia 15.9.2006. Isto é fundamental, por favor: até o dia 15.9.2006. Daqui até lá, atenção total. Não perca o prazo, nem opte antes do tempo.

            Trate de mandar levantar os débitos de sua empresa. Todos. Inclusive aqueles não apurados, cujo risco deve ser eliminado.

            Exercite também todos os seus direitos sobre créditos não aproveitados. Os atos normativos, na parte de incentivos, são quase sempre mais reais que o rei. Cite-se como exemplo a IN SRF 23/1997 que nega, contra a lei, o direito ao crédito presumido do PIS/ COFINS sobre os produtos adquiridos do produtor rural. Vale este registro de S. Exª, a Ministra Eliana Calmon, do STJ, no REsp 586.392-RN, unânime, com trânsito em julgado:

            Advirto que a tese jurídica em discussão ainda não foi examinada por esta Corte. Daí a minha preocupação em bem examinar a querela. Confesso ter ficado impressionada com o entendimento que, na esfera administrativa, vem sendo dado à Instrução Normativa SRF 23/ 97, como demonstrou com competência, nos memoriais ofertados, o senhor advogado da empresa, ora recorrida. [Grifos nossos]

            Toda atenção, por conseguinte, ao REFIS III. A MP 303 foi publicada em 30.6.2006. Terá, ainda que o Congresso a rejeite, um prazo de validade de 60 dias, mais outros 60, da prorrogação. Em suma, só perderá seus efeitos depois de 28.10.2006, exceto na hipótese ultra-remota de a Câmara Federal, sob Aldo Rabelo (governista), rejeitá-la antes.

            Muita atenção daqui para lá. Darei notícias nesta página. Defenda sua empresa (e o emprego dos seus colaboradores) com unhas e dentes. Fale com o deputado. Pressione. Abra a página da Câmara. Faça carta pessoal para cada um deles. Visite-os. Diga que (não) votará! Seu voto é um instrumento de pressão legítimo.


13º - das empresas do sistema Simples e EPP

            Em tempo: estava a esquecer que o REFIS III contempla as empresas do Simples, um alívio a essa sofrida classe empresarial. Se sua empresa está excluída, tenha calma, que as instruções para optar ainda não saíram. Se tem alguma execução fiscal, requeira a suspensão, pois o direito de parcelar já existe. Se o desespero for por conta uma Certidão, assim que os formulários de opção estiverem disponíveis, opte, pague a primeira quota, que a CPDEN deve sair.

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Sobre o autor
Francisco José Soares Feitosa

advogado em Fortaleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FEITOSA, Francisco José Soares. REFIS III. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1106, 12 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8640. Acesso em: 20 abr. 2024.

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