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Eutanásia no cinema

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4. Amor (França)

O filme Amor (Amour, 2003, França) se passa na França, e se inicia com os bombeiros invadindo uma casa vazia e se deparando com um corpo rodeado por flores já em estado de decomposição.

A cena seguinte é um concerto de música, onde após o encerramento do espetáculo, o músico é cumprimentado por um casal de idosos, que são os protagonistas do filme.

O primeiro diálogo deles ocorre ao chegar em casa e trata de uma possível invasão no prédio e como ambos reagiriam. O casal vive sozinho e recluso, ao longo das cenas, é possível perceber que já não gostam de interações sociais e não reagem bem as visitas, preferindo o isolamento.

A rotina aparentemente simples começa a passar por mudanças, a começar por uma perda de consciência repentina da mulher, Anne, durante um café da manhã, ao perceber que a mulher estava distante, Georges a chama e não percebe qualquer reação, a molha com uma toalha, mas ainda assim ela permanece inerte. Então, ele sai da mesa e ao retornar, Anne age normalmente, porém não consegue lembrar do ocorrido e pensa tratar-se de alguma brincadeira, deixando o marido irritado, percebendo que a algo de errado com a esposa, Georges decide ligar para o médico, no entanto ela diz não ser necessário.

A filha deles, Eva, os visita e avisa que irá viajar, durante o seu diálogo com Georges, descobrimos que Anne fez uma cirurgia que acabou falhando e o seu problema está pior.

Anne, volta para casa após a cirurgia e está com o lado direito do corpo paralisado, então passa a depender do marido para realizar quase todas as tarefas, ela demonstra desconforto com a situação e pede que o marido a sente na poltrona da sala, ao ficar de frente com Georges, pede que a prometa que nunca mais a levará para o Hospital, ele fica confuso com o pedido e ela diz não ser nada. Ao irem dormir, ela diz que pode dar conta de tudo e que não é necessário que o companheiro abra mão das suas tarefas.

Um amigo deles morre, e ao retornar do enterro, Georges encontra a esposa no chão, ao levantá-la, Anne pergunta do enterro e recebe uma narrativa detalhada de todos os acontecimentos, então, ela diz não saber até onde a sua doença irá os afligir, o marido pergunta se não havia previsto que aquilo também poderia ter acontecido com ele, ao que ela responde “minha imaginação está muito distante da minha realidade.”, também diz que está cheia e precisa deitar.

Eles recebem a visita do músico do concerto, um ex-aluno deles, e Anne pede que ele toque a música bagatela, que foi a primeira que lhe ensinou.

A filha avisa que está voltando e Anne diz que não quer ouvir diálogos sobre seu estado e nem receber olhares.

O músico os manda o seu CD novo e um cartão no qual diz que o dia da visita foi alegre e triste, Anne reage mal a frase e decide não ouvir o disco.

A degradação de Anne, vai acontecendo de forma rápida e a certeza de que a degradação será constante a faz ficar ansiosa e triste, o momento em que recebe a cadeira de rodas elétrica é o único que a faz sorrir, ao acordar molhada pela urina, ela chora, Georges a ajuda a sentar na cadeira e ela sai chorando desesperadamente.

Na cena seguinte, podemos ver o quanto o estado de Anne piorou, já não consegue mais levantar da cama e tem dificuldades para formular frases em uma tentativa de diálogo com a filha, pois seu raciocínio está bastante comprometido. Georges explica a filha que sua mulher teve um segundo AVC e que não há mais soluções médicas possíveis para seu estado, ao passo que o médico o aconselhou a mantê-la em casa, pois as clínicas não oferecem tratamento adequado, a doente passa a ser cuidada por uma enfermeira e demonstra estar profundamente triste.

Seu estado piora ainda mais, e já não há quase nenhum liame entre a sua consciência e a realidade, ela começa ter crises repentinas de choros, alegrias e gritos, a nova enfermeira a penteia e a tenta fazer se olhar no espelho, mas ela rejeita.

Ao perceber que a nova enfermeira estava tratando mal a paciente, Georges a demite e ela o chama de “velho cruel”.

Anne começa a rejeitar alimentos e água, e em uma das tentativas de saciá-la, ela cospe a água, e Georges lhe dá um tapa no rosto, do qual se arrepende imediatamente.

A filha faz uma nova visita, e ele a proíbe de ver Anne, dizendo que a situação dos dois era triste e humilhante, que sua esposa odiaria ser vista no estado em que se encontrava e que sua rotina se resumia a cuidar da esposa, e não havia mérito algum nisso, Eva vai ver a mãe e pergunta se pode fazer algo, mas não recebe qualquer reação devido ao estado avançado da doença, ela sai do quarto e chora, Georges diz que não há mais nada a ser feito, que o estado de Anne só irá piorar até o dia em que acabar.

Um dia Georges é surpreendido pelos gemidos da mulher e decide consolá-la com uma história sobre a sua infância, ao terminar, Anne já estava calma e descansando, nesse momento, ele olha para ela, pega um travesseiro e a sufoca até a morte, em seguida compra flores.

Na penúltima cena, ele escreve uma carta, da qual não é possível saber o conteúdo exceto pela parte em que fala do pombo que pegou na cena anterior. Na cena seguinte, vemos Georges se levantar da cama e encontrar Anne na cozinha lavando a louça, ambos saem de casa. Na última cena, Eva entra na casa e a encontra vazia.

4.1. A Legislação Francesa sobre eutanásia

A eutanásia é expressamente proibida na França, e embora não constitua crime específico, o artigo R4127-38 do Código de Saúde Pública, proíbe que se provoque deliberadamente a morte de alguém:

O médico deve acompanhar a pessoa que está morrendo até seus últimos momentos, para garantir os cuidados adequados e medir a qualidade da vida que termina, salvaguardar a dignidade do paciente e confortar seus acompanhantes. Ele não tem o direito de causar deliberadamente a sua morte4 (CODE DE LA SANTÉ PUBLIQUE, 2016).

Quem pratica a conduta descrita está sujeito as penas previstas nos artigos 221-1 e 221-5, do Código Penal francês de 1994, que trata do homicídio e envenenamento:

Artigo 221-1 - Causar voluntariamente a morte a outros é assassinato. Punido com trinta anos de prisão criminal.221-5 Atacar a vida de outras pessoas pelo uso ou administração de substâncias que podem resultar em morte constitui envenenamento.

O envenenamento é punível com trinta anos de prisão criminal.

Ele é punido com prisão perpétua se for cometido em uma das circunstâncias estabelecidas nas seções 221-2, 221-3 e 221-4.

Os dois primeiros parágrafos da seção 132-23, relativos ao período de segurança, são aplicáveis ​​à infração prevista nesta seção5 (CODE PÉNAL, 1994).

A eutanásia passiva é prevista no artigo 223-6 do Código Penal Francês, como omissão de socorro:

Art.223-6: Qualquer pessoa que possa impedir por sua ação imediata, sem risco para ele ou para terceiros, um crime ou um crime contra a integridade corporal da pessoa e que se abstém voluntariamente de fazê-lo, é punida com cinco anos de prisão e 75.000 euros de multa.

Serão punidas nas mesmas penalidades que qualquer pessoa que voluntariamente se abstenha de levar a uma pessoa em perigo a assistência que, sem risco para ela ou para terceiros, possa lhe prestar por sua ação pessoal ou lhe causar um alívio.6 (CODE PÉNAL, 1994).

Conforme prevê o artigo anterior, o médico também pode ser punido se intencionalmente der fim à vida do seu paciente para evitar o prolongamento de um tratamento tido como “inútil” ou se o fizer para atender um pedido deste ou de sua família, pois a lei francesa pune mesmo quando há o consentimento do paciente. No entanto, ao longo do tempo a legislação francesa concedeu maior autonomia aos pacientes em estado terminal.

4.1.1. Evolução legislativa da Eutanásia no direito francês

A Circular Larouque, foi o primeiro documento a tratar sobre direito à morte digna na França, em 1986, definiu os cuidados paliativos e oficializou a criação de unidades preparadas para isso.

Em 2000, o Comité Consultatif National d’Etique se manifestou a favor da autonomia do paciente no avis nº63, chamando-a de “une exception d´ euthanasie”, que deveria ser aplicada em alguns casos de modo a evitar a clandestinidade da prática.

Em 2002 foi promulgada a lei Kouchner que incluiu um capítulo sobre a dignidade da pessoa humana no Código Quatro ao médico, desobrigando-o a continuar tratamentos desproporcionais.

Por fim, em 2016, a lei 2016-87 foi aprovada e trouxe a possibilidade de sedação profunda aos pacientes terminais, seguida pela cessação de tratamentos, nutrição e hidratação.

4.1.2. Lei Kouchner

Aprovada em 2002, a lei nº 2002-303, conhecida como Lei Kouchner, alterou o Código de Saúde Pública e incluiu um capítulo sobre direitos humanos, a referida lei visava tratar sobre os direitos do paciente e sobre a qualidade do sistema de saúde francês.

Com o advento desta lei, foram incluídos no Código de Saúde Pública, direitos como: o acesso ao sistema de saúde, garantindo-se que a pessoa recebesse os cuidados devidos de acordo com o seu estado de saúde; direito ao paciente de não ter informações sobre o seu estado divulgadas e previsão do direito de optar por não ser submetido a tratamentos degradantes e desproporcionais em relação aos resultados esperados.

Um dos principais direitos assegurados pela Lei Kouchner foi o de dar autonomia ao paciente através do direito à informação sobre seu estado de saúde, podendo este optar por saber ou não sobre seu estado, bem como, escolher qual a melhor forma de continuar o seu tratamento.

O art.11 da Lei Kouchner, também alterou a redação do art. L.1111-4 do Código de Saúde Pública e introduziu o direito ao consentimento, não sendo mais permitido ao médico fazer qualquer intervenção clínica no paciente sem a manifestação livre e inequívoca deste, devendo sua vontade ser respeitada, ainda que a ausência ou continuidade do tratamento coloque a sua vida em risco.

Para os casos em que o paciente não puder exprimir a vontade, a Lei Kouchner trouxe a possibilidade de pessoas maiores transferirem a tarefa de decidir sobre seu estado de saúde a algum parente ou pessoa de confiança.

4.1.3. Caso Vincent Lambert

O caso Vincent Lambert7 foi o primeiro de grande repercussão no âmbito do direito francês. Lambert era um jovem bombeiro voluntário, que sofreu um acidente de moto em 24 de setembro de 2000 e ficou em coma por 9 meses.

Ao acordar do coma, Vincent estava tetraplégico, surdo e mudo, e só conseguia movimentar o polegar direito, quando aprendeu a se comunicar ele passou a solicitar a morte digna através da eutanásia.

Em uma carta enviada ao Presidente Francês Jacques Chirac, Lambert pediu que fosse concedida a quem lhe praticasse a eutanásia, a isenção da culpa, já que só o presidente poderia conceder indulto a prática do crime. No entanto, o presidente negou seu pedido, afirmando que embora lhe comovesse a situação do requerente, não poderia atender seu pedido apenas por ser presidente.

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Com a negativa do presidente, Vincent passou a recorrer a sua equipe médica e a sua mãe, implorando-lhes que lhe concedesse a morte digna e assim o tirassem daquele sofrimento.

No livro “Peço o Direito de Morrer”, escrito com a ajuda de uma jornalista, Vincent explica a decisão de pôr fim à própria vida, o livro foi lançado um dia antes da sua pretensa morte, em 24 de setembro de 2003, a responsável por realizar o pedido foi a sua mãe Marie Lambert, através da aplicação de pentoarbital sódico em sua sonda gástrica. No entanto, Vincent não morreu, e três horas após o acontecido, o Dr. Frederic Chaussoy foi chamado para socorrê-lo, após isso, ele ficou em coma por três dias, ao verificar o estado clínico do paciente, e também, considerando seu incontestável desejo de morrer, em 27 de setembro de 2003, o Dr. Chaussoy desligou o seu aparelho respiratório e em seguida aplicou uma dose letal de cloreto de potássio, fazendo com que Vincent morresse rapidamente.

Marie e Frederic foram processados e acusados pelo crime de administração de substância tóxica previsto no artigo 222-15 do Código Penal, porém, o Tribunal julgou o caso improcedente considerando que ambos agiram sob “coação moral”.

4.1.4. Lei Leonetti

A repercussão do caso Vincent Lambert fez insurgir a opinião pública, que reclamava a criação de uma lei que evitasse situações como a ocorrida com ele.

Nesse contexto, em 2004, Jean Leonetti8 apresentou o projeto de Lei nº 1882 que tratava sobre o direito dos doentes e o fim da vida. O relatório da comissão especial encarregada de analisar o projeto, concluiu que não havia como descriminalizar a eutanásia, mas também que não havia como continuar com a legislação vigente à época.

Assim, em abril de 2005, se tornou vigente a lei nº 2005-370, também conhecida como Lei Leonetti, que acrescentou ao artigo 1110-5 do Código de saúde pública, a autonomia do médico para deixar de realizar ou continuar tratamentos desproporcionais que visem unicamente o prolongamento artificial da vida, retirando assim, a distanásia do rol de condutas criminosas.

O artigo 2º acrescentado ao artigo 1110-5, introduziu a eutanásia passiva no direito francês, trazendo a possibilidade do paciente em estado terminal, optar por não realizar tratamentos que encurtassem a sua vida.

A expressão “um tratamento” prevista na Lei Kouchner foi alterada para “qualquer tratamento” (art.3º da Lei Leonetti), possibilitando a suspensão da continuação ou início de um tratamento, além da possibilidade de supressão de alimentos, que também pode ser considerada um tratamento, no entanto, a hidratação deveria ser mantida em razão do sofrimento que a sua ausência causaria ao paciente.

A Lei Leonetti, manteve o direito do paciente portador de doença incurável em estado grave ou terminal, após saber o seu estado de saúde, se negar a fazer um tratamento, bem como, acrescentou a possibilidade do médico que concedeu o diagnóstico consultar um segundo médico e após a retificação por ele, quando houver reiterado pedido do paciente, garantir a qualidade do fim de sua vida através de cuidados paliativos, registrando o desejo do paciente em seu prontuário, conforme previsto no art.4º da referida lei.

Aos pacientes terminais, foi mantido o direito de não ser submetido a tratamento, devendo os médicos respeitarem sua vontade, mas alertá-los das consequências advindas da escolha, assim como, garantir o acesso deles aos cuidados paliativos necessários ao fim digno de suas vidas, previsão do art.6º da Lei Leonetti.

Para as pessoas incapazes de expressar a vontade, a lei Leonetti, previu em seu artigo 5º, a possibilidade de interrupção ou inexecução do tratamento, mas somente após a análise do caso por um colegiado de médicos ou pessoas de confiança ou da família do paciente, podendo em tais casos ser consideradas as diretivas antecipadas da vontade, previstas no art.7º da mesma lei, que são válidas quando tiverem sido redigidas em até três anos antes do estado de inconsciência.

Nos casos em que a pessoa portadora de uma doença grave e incurável em estado terminal estiver incapacitada, o médico pode consultar as pessoas citadas no art. 5º e interromper o tratamento inútil ou desproporcional que se limita a prolongar a vida do paciente, devendo recorrer as diretrizes antecipadas da vontade, e fazer com que esta prevaleça, exceto em casos de urgência ou impossibilidade, conforme prevê o art.8º da lei.

4.1.5. Caso Chantal Sebiré

Um outro caso reacendeu o debate sobre a legalização da eutanásia na França, o de Chantal Sebiré9 , uma professora de 52 anos que sofria de um tipo raro de câncer chamado estesioneuroblastoma, que lhe causou uma deformidade extrema no rosto, perda do paladar, olfato e parte da visão, além de dores constantes e insuportáveis.

Ao se dar conta de que a doença a mataria lenta e dolorosamente, Chantal decidiu acionar o poder judiciário e reivindicar a morte digna por meio da eutanásia ativa.

O pedido foi negado pelo Tribunal de Grande Instância de Dijon sob o fundamento da Lei Leonetti apenas permitir a realização da eutanásia passiva. Chantal se suicidou dois dias após a decisão por ingestão de barbitúricos.

A eutanásia é apoiada pela grande maioria da população francesa e os casos de Vincent e Chantal despertaram a opinião pública a cobrar uma nova legislação sobre o tema.

Para atender aos anseios populares, o primeiro Ministro François Fillon, ordenou a criação de uma comissão, presidida por Jean Leonetti para analisar a lei Leonetti e apontar as mudanças cabíveis. A comissão concluiu que a lei carecia de melhor interpretação e conhecimento, quanto a legalização da eutanásia ativa, concluiu que ainda não era possível.

4.1.6. Lei nº 2016-87 (Lei Clayes-Leonetti) e Caso Bonnemaison

Em 2012, houve mais um debate sobre a legalização da eutanásia, depois que o médico Nicolas Bonnemaison foi processado pelo crime de envenenamento a sete idosos em estado terminal, no Hospital em que trabalhava, o médico foi absolvido em primeira instância e a decisão foi comemorada por quem assistia10 .

No entanto, o Ministério Público impetrou recurso, e em 2015 o médico foi submetido a um novo julgamento, onde foi condenado a dois anos de prisão, com direito a sursis, pela Corte de Apelações Angers, por ter causado a morte de uma paciente de 89 anos, a Corte o absolveu da acusação de outras seis mortes.

Em processo administrativo na Ordem dos médicos, o médico foi condenado a exclusão da Ordem dos Médicos pela infração prevista no art.38 do Código de Ética Médica, sendo-lhe aberta a possibilidade de retornar ao quadro de inscritos após três anos da exclusão.

Embora o médico tenha descumprido a lei Leonetti e o Código de Ética Médica, ele recebeu tratamento diferenciado da promotoria e do júri, que não o consideravam criminoso, entendendo que o delito praticado não continha dolo, elemento exigido pelo art.221-5 do Código Penal francês.

Como o caso causou grande repercussão e a população francesa ansiava por uma lei que legalizasse a eutanásia, em 21 de Janeiro de 2015, Alain Clayes e Jean Leonetti, apresentaram um novo projeto de lei à Assembleia Nacional Francesa, o projeto foi aprovado e se tornou a lei nº 2016-87, também conhecida como lei Clayes-Leonetti, que trouxe uma nova reforma para o Código de Saúde Pública no tocante à terminalidade da vida.

A lei foi promulgada em 02 de fevereiro de 2016, e decepcionou a população francesa, pois não legalizou a eutanásia e nem o suicídio assistido.

A nova lei previu no art. L.1110-5 e seguintes do Código de Saúde Pública, a sedação profunda de forma continuada para pacientes terminais, seguida da interrupção de todos os tratamentos, inclusive nutrição e hidratação, vedando o médico de se opor a esse pedido. Além dessas mudanças, a lei Clayes-Leonetti, também previu maior efetividade às Diretrizes Antecipadas de Vontade, conforme o art. 1111-11 do Código de Saúde Pública.

4.2. Conduta praticada no filme Amour: Eutanásia ou homicídio?

Em um primeiro momento não é possível determinar se a conduta de Georges poderia ser considerada eutanásia ativa ou homicídio. Alguns elementos para considerar que houve eutanásia estão presentes, quais sejam: a morte iminente, a doença incurável e o sofrimento físico e psíquico, porém não existe a inequívoca manifestação de vontade da doente, exceto alguns gestos como recusar água e comida, quando ainda tinha algum domínio da própria vontade.

No entanto, seriam esses elementos suficientes para determinar que houve uma eutanásia e não um homicídio? Para determinar isso é preciso analisar detalhadamente a forma como Georges agiu desde o início da doença de Anne, acompanhando sua decadência e recusa a permanecer naquela situação, ele demonstrava piedade pela esposa, vê-la definhar a cada dia o trouxe um sentimento de tristeza profunda, sentimento esse dividido por ambos, ao longo das cenas de Anne, é possível perceber que ela não está confortável com a sua nova realidade através das constantes crises de angústia que tem.

Georges sente piedade, mas também é racional, sabe que não será possível cuidar da esposa por muito tempo em razão da sua idade avançada, o que causaria ainda mais sofrimento para ambos, sua atitude é criminosa, mas motivada pelo sentimento de caridade e misericórdia diante da dor e sofrimento da esposa acometida de uma doença que a matava pouco a pouco.

Assim, é possível concluir que Georges seria responsabilizado penalmente por homicídio nos termos do art. 221-1 do Código Penal, mas considerando que os tribunais franceses têm adotado decisões clementes e compreensivas em relação a essa matéria, possivelmente o pedido seria improcedente, como ocorreu no caso Vincent Lambert, em que o Tribunal considerou que o médico que provocou a morte agiu sob “coação moral”, de forma analógica, o entendimento poderia se aplicar ao caso em questão, tendo em vista, que Anne através de pequenos gestos deixou clara a insatisfação com a sua situação e que Georges agiu movido pelo sentimento de piedade para acabar com o sofrimento da esposa.

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Sobre a autora
Maria Thamyres de Souza Almeida

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Maria Thamyres Souza. Eutanásia no cinema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6348, 17 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86404. Acesso em: 21 nov. 2024.

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