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Controle de constitucionalidade e de legalidade no âmbito dos Tribunais de Contas

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01/11/2020 às 20:49

Resumo:


  • O Tribunal de Contas pode apreciar a constitucionalidade de leis e atos normativos de forma incidental em processos de contas, mas não possui competência para declarar a inconstitucionalidade diretamente.

  • A sustação de atos normativos pelo Tribunal de Contas, em controle de legalidade, exige prazo prévio para que o órgão ou entidade corrija a ilegalidade, e a sustação direta é competência do Poder Legislativo.

  • Em controle de legalidade, o Tribunal de Contas pode suspender os efeitos de atos normativos secundários que exorbitem ou sejam incompatíveis com a norma primária que os originou.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

III - Do controle de legalidade

Como sabido, os Decretos Regulamentares ou de Execução têm como pressuposto a existência de uma lei (ato primário e geral), que muitas das vezes precisa de uma norma regulamentadora para lhe dar execução (ato secundário e concreto). Como lecionam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

Os decretos de execução, uma vez que necessitam sempre de uma lei prévia a ser regulamentada, são atos normativos ditos secundários (o ato primário é a lei, pois deflui diretamente da Constituição); situam-se hierarquicamente abaixo da lei, a qual não podem contrariar, sob pena de serem declarados ilegais.” (PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. Rio de Janeiro: Forense, 2018, pág. 286) (grifo nosso)

Nessa senda, conforme jurisprudência assentada no STF[12], se o decreto regulamentar/executivo vai além do conteúdo da lei, ou se afasta dos limites que esta lhe traça, é eivado de ilegalidade e não de inconstitucionalidade, pelo que não se sujeita à jurisdição constitucional, seja por meio de controle concentrado ou de controle difuso. O choque, in casu, não é com a constituição, mas sim de uma lei infraconstitucional com um ato normativo que dela deriva.

Assim, no exercício do controle de legalidade, que é afeto a qualquer juiz ou tribunal, do qual não se dispensa o Tribunal de Contas[13], é possível afastar do plano jurídico os efeitos de uma norma secundária (ex: um decreto) que sobeja a órbita regulamentar ou que seja incompatível com a norma de origem.

Vemos, nesse passo, que a invalidação de norma de conteúdo secundário não está sujeita à mesma rigidez de uma norma de conteúdo primário, nem poderia estar, pois, de acordo com o art. 5º, II da CF[14], somente normas primárias (leis em sentido estrito) podem criar direitos e obrigações, motivo pelo qual só se afasta lei mediante os instrumentos de controle de constitucionalidade.

Cumpre frisar: o discrimen entre norma primária e norma secundária não é a forma como ela foi externalizada no mundo jurídico, mas sim o seu conteúdo. Ou seja, se verificado que um Decreto tem, na verdade, conteúdo de norma primária (geral), a forma de expurgar seus efeitos deve ser via controle de constitucionalidade.

No plano jurisprudencial, citamos a decisão do egrégio Tribunal de Contas Do Tocantins (TCE-TO):

RESOLUÇÃO TCE/TO Nº 6/2017 ––Pleno

EMENTA:      RATIFICAÇÃO.   DESPACHO   CAUTELAR.   ATUALIZAÇÃO   IPTU. VIOLAÇÃO   PRINCÍPIO   DA   RESERVA   LEGAL.   VIOLAÇÃO   PRINCÍPIO   DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO TRIBUTÁRIO E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. ILEGALIDADE. (...)

Considerando o disposto no art. 71, IX e X, §§ 1º e 2º da Constituição Federal de 1988 c/c art. 33, VIII e IX da Constituição do Estado do Tocantins;

Considerando as competências desta Corte de Contas previstas no art. 1º, XII e XIII, da Lei nº 1.284/2001;

Considerando o resultado da votação descrito no extrato de decisão da Sessão Plenária ocorrida no dia 01 de fevereiro de 2017; RESOLVEM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins, reunidos em Sessão Plenária, em conformidade com os art. 71 e 75 da CF/88, bem como nos arts. 1º e 110 da Lei Orgânica nº 1.284/2001, c/c art. 90, I, “a” do Regimento Interno -TCE/TO, em:

I -RATIFICAR a medida cautelar determinada pelo Despacho nº 01/2017  por  meio  do  qual  foi  determinado A  SUSPENSÃO TOTAL  do  Decreto  nº  1.321,  de  31  de  dezembro  de  2016, publicado no Diário Oficial do Município nº 1661, o qual atualiza monetariamente a Planta de Valores Genéricos, instituída pela Lei  n°  2.018/2013,  no  índice  de  25%  (vinte  e  cinco  por  cento) referente aos exercícios de 2014,2015 e 2016;

(...)

III –DETERMINAR à Secretaria do Pleno –SEPLE:a)  que  proceda  a  publicação  da  presente  Decisão  no  Boletim Oficial desta Corte de Contas, em cotejo com o inc. VI, do art. 205 do RITCE/TO;b) que proceda a comunicação do teor da presente Decisão ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, Ministério Público Estadual, e a Ordem dos Advogados do Estado do Tocantins –OAB/TO   para   conhecimento   e   providências   que   julgarem necessárias; (Fonte:https://www.tce.to.gov.br/sitetce/images/Resolu%C3%A7%C3%A3o_PLENO.pdf)(grifo nosso)

Vale mencionar que, posteriormente, essa decisão do TCE/TO foi confirmada pelo próprio Tribunal de Justiça do Tocantins[15], conforme exposto abaixo:

Da análise aos autos, verifica-se que assiste razão nos pedidos apresentados pelo Estado do Tocantins, haja vista ser público e notório a cobrança com o aumento vetado conforme a decisão que manteve os efeitos legais da Resolução 06/2017 do TCE/TO (evento 02 –DEC1).

Desse   modo,   imperioso determinar ao   Município   de Palmas  o  estrito cumprimento da Resolução  nº  06/2017 –Pleno  TCE/TO,  a qual  deliberou  a SUSPENSÃO  TOTAL do  Decreto  nº de  nº  1.321,  de  31  de dezembro  de  2016,  o  qual atualizava  monetariamente  a  Planta  de  Valores Genéricos,  no  índice  de  25%(vinte  e  cinco  por  cento)  fundamentado  na impossibilidade  de  atualização conforme  índices  cumulados  dos  exercícios base  de  2014,  2015  e  2016. Infere-se, portanto  que  está  vetado  qualquer aumento na cobrança do IPTU referente ao exercício financeiro de 2016. (TJTO, MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0002908-13.2017.827.0000, Rel. Desembargador MOURA FILHO, in 14/03/2017) (grifo nosso)

No mesmo caminho, trazemos a decisão do Tribunal de Contas do Paraná, que, em sede de cautelar, determinou a suspensão dos efeitos de um Decreto do Executivo, decisão esta homologada posteriormente em sessão plenária[16]:

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), por meio de medida cautelar emitida pelo conselheiro Artagão de Mattos Leão, suspendeu os efeitos do Decreto nº 77/2019, editado pelo prefeito de Uraí, Carlos Roberto Tamura (gestão 2017-2020). O texto criou o sistema compensatório de banco de horas no âmbito da administração pública desse município do Norte Pioneiro. (...)

O despacho foi homologado na sessão do Tribunal Pleno do TCE-PR desta quarta-feira (10 de outubro). Com a decisão, foi aberto prazo de 15 dias para apresentação de defesa por parte do Município de Uraí. Os efeitos da medida perduram até que o Tribunal decida sobre o mérito do processo. (https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/cautelar-do-tce-pr-suspende-decreto-da-prefeitura-de-urai-que-criou-banco-de-horas/7359/N )(grifo nosso)

Ademais, é preciso tracejar algumas considerações a fim de evitar equívocos interpretativos. A Constituição da República assim prevê como competências dos Tribunais de Contas:

 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

(...)

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;(grifo nosso)

De outro lado, a Constituição da República adota como competência do Congresso Nacional:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(...)

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

 

Art. 71 (...)

(...)

§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. (grifo nosso)

Nesse cotejo, a interpretação, conforme a Constituição Federal, que o STF tem dado a esses dispositivos é que não pode o Tribunal de Contas sustar diretamente atos, sejam eles administrativos ou normativos, nem contratos do Poder Executivo. Para que se suste um ato ou contrato é preciso que o Tribunal de Contas, primeiramente, assine prazo para que órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade, e caso não cumpridas as providências, aí sim poderá sustar o ato ou contrato.

Essa é a interpretação que se aufere do julgamento pelo Supremo, do MS 26.000/SC, de Relatoria do Min. Dias Toffoli, in verbis:

EMENTA Mandado de segurança. Ato do Tribunal de Contas da União. Competência prevista no art. 71, IX, da Constituição Federal. Termo de sub-rogação e rerratificação derivado de contrato de concessão anulado. Nulidade. Não configuração de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Segurança denegada. 1. De acordo com a jurisprudência do STF, "o Tribunal de Contas da União, embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos, tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou" (MS 23.550, redator do acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ de 31/10/01). Assim, perfeitamente legal a atuação da Corte de Contas ao assinar prazo ao Ministério dos Transportes para garantir o exato cumprimento da lei. 2. Contrato de concessão anulado em decorrência de vícios insanáveis praticados no procedimento licitatório. Atos que não podem ser convalidados pela Administração Federal. Não pode subsistir sub-rogação se o contrato do qual derivou é inexistente. 3. Não ocorrência de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. A teor do art. 250, V, do RITCU, participaram do processo tanto a entidade solicitante do exame de legalidade, neste caso a ANTT, órgão competente para tanto, como a empresa interessada, a impetrante (Ecovale S.A.). 4. Segurança denegada. (MS 26000, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/10/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-224 DIVULG 13-11-2012 PUBLIC 14-11-2012) (grifo nosso)

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A conclusão é muito bem explicada no voto do Relator, cujos trechos mais importantes estão destacados abaixo:

Especificamente no que se refere ao caso dos autos, o inciso IX do art. 71 da Carta Maior fornece o núcleo das prerrogativas do TCU no exame de atos e negócios administrativos. Suas atribuições abrangem a fixação de prazo ao órgão ou à entidade a fim de que adote providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade.

De acordo com a jurisprudência do STF em torno desse inciso, "o Tribunal de Contas da União, embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos, tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou" (MS 23.550, redator do acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 4/4/02, Plenário, DJ de 31/10/01.) (grifo nosso)

Posteriormente, o Ministro Toffoli lembrou os termos do que foi consignado pela eminente Ministra Ellen Gracie, quando do julgamento do MS nº 23.550:

Sr. Presidente, parece-me, na hipótese, estarmos diante de um desses casos em que se aplica a regra geral na qual o administrador é quem deve corrigir eventuais falhas cometidas no exercício da sua atividade. Realizada a licitação, ela, ao que parece, se encontra viciada de problemas que afetariam a lisura da concorrência, porque violado o princípio da isonomia entre os contratantes. Não obstante, o certame foi levado a cabo e firmado o contrato. Portanto, o administrador nem durante o processo licitatório verificou essa irregularidade, nem posteriormente a corrigiu. Constatada a irregularidade pelo Tribunal de Contas, sua decisão é exatamente essa de deferir quinze dias para que o administrador corrija o erro em que incorreu, anulando, portanto, a concorrência e o contrato eivados de sérios vícios.

Creio, com a vênia do eminente Ministro-Relator, estarmos diante da hipótese em que o Tribunal de Contas recomenda ao administrador a correção do ato (CF, art. 71, IX). Se ele não se curvar a essa determinação, então, retorna a iniciativa ao próprio Tribunal de Contas (CF, art. 71, X). No caso de contrato, de acordo com a norma do § 2º do art. 71, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional. (grifo nosso)

Isto posto, não obstante essa jurisprudência tratar especificamente de “sustação de contratos”, a tese, por analogia, amolda-se perfeitamente ao caso de “sustação de atos”, pois, tomando em conta a literalidade da Constituição Federal, a sustação de um contrato só pode ser feita diretamente pela Poder Legislativo (art. 71, §1º), de sorte que a sustação de atos (administrativos ou normativos) possui o mesmo regramento (art. 49, V).

 

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Sobre o autor
Carlos Gondim Neves Braga

Advogado, Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Pará. Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade de Anhanguera – UNIDERP/LFG. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Anhanguera – UNIDERP/LFG. Pós-graduando em Auditoria Governamental pela Universidade Estácio de Sá.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Carlos Gondim Neves. Controle de constitucionalidade e de legalidade no âmbito dos Tribunais de Contas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6332, 1 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86451. Acesso em: 18 dez. 2024.

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