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O uso abusivo da propriedade imóvel

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Comparação entre o uso anormal da propriedade no Brasil e o uso abusivo da propriedade na Argentina, visando resolver conflitos imobiliários.

Resumo: Este estudo pretende investigar a intrigante questão do uso abusivo da propriedade imóvel, e as prováveis formas de resolução dos conflitos daí advindos. O intuito é comprovar, mediante comparação sincrônica, como tais pendências são resolvidas pelo ordenamento jurídico do Brasil e da Argentina, considerando que os códigos civis dessas nações tratam o instituto com nomen­clatura diversa, ou seja, no Brasil com o nome de uso anormal da propriedade e, na Argentina, com a rubrica uso abusivo da propriedade.

Palavras-chave: Direito de Vizinhança. Propriedade Imóvel. Domínio. Uso Abusivo.

Sumário: 1. Introdução. 2. Histórico. 3. Conceito de Propriedade Imóvel. 4. Conceito de Domínio. 5. Direito de Vizinhança. 6. Uso Abusivo da Propriedade Imóvel. 7. Formas Compositivas dos Conflitos de Vizinhança. 8. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

Desde os primórdios dos tempos, o homem sempre conviveu com a ideia de propriedade, embora no início não tivesse a noção precisa do quê efetivamente significava essa palavra. Se é certo que sequer havia a noção do significado desse vocábulo, ipso facto, também não havia a noção do direito de propriedade.

Os primeiros agrupamentos humanos eram nômades. O homem não tinha apego à terra, ou seja, não fixava moradia permanente em determinado local. Portanto, não era proprietário de nada, nem possuía concepção disso, apesar de as primitivas formas de apreensão de bens já se manifestarem em sua consciência.

Em determinado momento de sua existência, o homem passou a estabelecer a efetiva relação de propriedade com bens móveis, como o vestuário, os utensílios domésticos e os instrumentos de caça, de pesca e de guerra, os quais levava consigo sempre que migrava para outro lugar.

Num estágio posterior, o direito de propriedade imóvel surgiu quando o homem percebeu que o fruto das árvores o alimentava. Desde então, passou a se apropriar das frutas e a plantar a semente para colheita de novos frutos que o alimentariam. Essa conduta foi responsável pela expansão de seus domínios, inclusive para o campo imobiliário.

Mas o homem não estava sozinho nessa conquista1. Outros indivíduos, igualmente humanos, também estavam empenhados em se fixar na terra e ampliar seus domínios sobre ela. Surgiu, assim, junto com o direito de propriedade, o denominado direito de vizinhança, obrigando os proprietários lindeiros a estabelecerem relações civis que assegurassem a cada um deles o direito de usar, gozar e dispor da coisa livremente, mediante o respeito de regras de convivência e evitando o uso abusivo da propriedade imóvel, sob pena da prática de ato ilícito e sujeição às sanções que a lei impõe.

Com efeito, a noção do meu e do teu; do próprio e do alheio fez com que os homens isolassem os terrenos de suas propriedades dos que se lhes avizinhavam, levantando cercas entre si e impondo, inicialmente, regras consuetudinárias e, depois, legislativas que estabeleciam onde começavam e acabavam os direitos e obrigações dos confinantes.

É sabido que, atualmente, muitos vizinhos nem se conhecem. Agem, na maioria das vezes, com indiferença, principalmente quando fazem parte de classes sociais diferentes. Mas a indiferença e a frieza nas relações humanas não é privilégio apenas de vizinhos que se odeiam ou que se toleram. As relações negociais, que podem aproximar ou afastar os homens, também são problemas da vida moderna, porque ocorre que, atualmente, pela via da internet, uma compra e venda, ou outro tipo de negócio, pode ser celebrado sem que as partes envolvidas se encontrem, se conheçam ou troquem um aperto de mão.

A informática com suas inúmeras e surpreendentes ferramentas pode facilitar a resolução de pendências envolvendo o direito de propriedade, por meio de câmera de vigilância, de sistema GPS, etc., propiciando ao julgador a decisão sobre a quem pertence o domínio e a propriedade do bem imóvel, assim como o uso nocivo dele.

Destarte, é sobre a intrigante questão do uso abusivo da propriedade imóvel, e as prováveis formas de resolução dos conflitos daí advindo, que este trabalho se ocupará. O intuito é comprovar, mediante comparação sincrônica, como tais pendências são resolvidas pelo ordenamento jurídico do Brasil e da Argentina, considerando que os códigos civis dessas nações tratam o instituto com nomenclatura diversa, ou seja, no Brasil com o nome de uso anormal da propriedade e, na Argentina, com a rubrica uso abusivo da propriedade.

Independentemente disso, é imperioso reconhecer que, em nossos dias, o processo judicial, pela sua relevante função pública, é o principal instrumento de pacificação social, porque elimina os litígios que afligem as partes e intranquilizam a comunidade de maneira geral. É que, atualmente, os institutos da conciliação e da mediação têm sido bastante utilizados pelos órgãos jurisdicionais com o intuito de compor o conflito existente entre as partes. Portanto, a sentença do magistrado é aplicada como ultima ratio, ou seja, quando não existe a mínima possibilidade dos litigantes acordarem sobre o objeto da pretensão deduzida em juízo.

É inegável que, sobre o direito de vizinhança, já existem inúmeras manifestações de renomados juristas pátrios e estrangeiros, assim como julgados de respeitáveis tribunais brasileiros e argentinos. Contudo, nosso propósito primordial é investigar, numa perspectiva comparativa diacrônica, as múltiplas facetas que envolvem o instituto da propriedade imóvel, para chegarmos a um nível de melhor compreensão do tema, mediante a revelação do que existe de novidadeiro a respeito da proteção ao exercício do direito de uso, fruição e gozo do patrimônio privado, ainda que de forma abusiva – abusus non tollitur usus.


2. HISTÓRICO

A ideia sobre propriedade imobiliária, segundo as religiões cristãs, está na própria origem do mundo, eis que, de forma geral, Deus, após a criação de todas as coisas, fez o homem à sua imagem e semelhança, outorgando-lhe o domínio “sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra.”2

Essa é a versão bíblica original, ditada por Deus antes de criar o primeiro homem (Adão) e de expulsá-lo do paraíso com a sua companheira (Eva), ocasião em que passaram a viver errantes pelo mundo e a cultivarem eternamente a terra para o seu sustento. Contudo, a história nos apresenta outras vertentes que estariam ligadas à noção de posse, de propriedade e de domínio. Mas como encontrar tais atributos no comportamento das mais antigas formas de sociedades humanas, se elas, na sua totalidade, se orientavam pela religião?

Para encontrarmos explicação ao que estamos investigando precisamos, antes de tudo, entender que o homem primitivo era movido por interesses coletivos ligados à segurança e à sobrevivência dos membros da família, da tribo ou do clã. Interesses tais, muitas vezes, resultantes de crenças e de lendas cujas raízes estão fincadas em passado longínquo. Por isso mesmo, não se fixava demoradamente em determinado lugar, vale dizer, tinha uma vida nômade, baseada na prática de cerimônias religiosas, de ritos funerais ou na busca de incessante de alimentos para suprir suas necessidades, migrando, de acordo com a atividade a ser cumprida, para lugares e regiões variados, até se estabelecer definitivamente em cidades.

Paralelamente à noção divina, podemos apontar também como corolário do direito de propriedade imóvel o fato de que o homem, a certa altura de sua evolução mental, percebeu que não precisava ir tão longe para se alimentar, pois bastava plantar a semente do fruto das árvores para saciar a fome posteriormente. Desde então, passou a se apropriar das frutas e a plantar, repita-se, a semente para colheita de novos frutos que o alimentariam. Essa conduta foi responsável pela expansão de seus domínios, inclusive para o campo imobiliário, tornando-se, por conseqüência, proprietário da terra, pois aí passou a fixar moradia.

A propriedade da terra, além de suprir o hábito alimentar do homem, lhe garantia a continuidade de sua vida pastoril e a utilização de seus instrumentos de caça contra os peixes, contra as aves e contra os animais silvestres. Essa apropriação das coisas deu ao homem a noção do que é próprio, de propriedade, em síntese.

Essa opinião também é compartilhada pelo mestre argentino Gregório Dillon3 et alli:

Desde los tiempos más remotos el hombre se ha apropriado de las cosas que la naturaleza le ofreció para su subsistencia y satisfacción de sus necesidades (caza, pesca, cría del ganado, etc.), y también, en una etapa posterior, ocupó la tierra para asentarse en ella y extraer sus frutos utilizando la madera y los bueyes para rotularla.

De esta forma se generó una relación directa e inmediata de cada hombre con la cosa que poseía, relación ésta de la cual estaban excluidos los demás hombres. Esa situación de hecho, admitida y respetada por todos, dio nacimiento a la idea de “propriedad”, de “lo proprio”.

En resumen, los factores que le dieron origen fueron primero la ocupación, luego el trabajo y finalmente la sanción de la ley.

Outro argumento aceito para a fixação do homem à terra e, a partir disso, do surgimento das cidades é o jus sepulcri. O túmulo monumental ou o chamado jazigo perpétuo, assim como uma simples cova sem adornos, onde se depositam os restos mortais do ser humano é como sua própria casa. Por isso representa uma forte expressão jurídica de propriedade e de domínio do espaço fúnebre pelo homem, considerando que sua morte não lhe retira o status de pessoa, porque continua sendo venerado pelo culto dos seus familiares.

É sabido que, desde as eras primevas, o homem tem por costume cultuar os mortos. Muitas vezes, o lugar onde o corpo era sepultado ficava distante de onde os parentes se encontravam. Destarte, de tempos em tempos, havia peregrinação de volta ao local4 onde os restos mortais estavam inumados para veneração.

Para evitar as constantes romarias, os parentes do de cujus resolveram construir suas casas próximas aos sepulcros. Com essas construções, foram surgindo, pouco a pouco, as primeiras comunidades e, em seguida, as cidades, balizando-se, ainda que informalmente o direito de propriedade pela noção de domínio, de sorte que o proprietário ou posseiro viu-se na contingência de demarcar o território por ele ocupado para evitar a sua ocupação pelo vizinho ou por algum estranho5.

Entre nós, o grande sociólogo brasileiro Gilberto Freire6 também credita ao jus sepulcri uma demonstração de ocupação ou de domínio do espaço territorial pelo homem, conforme se constata do seu irreprochável vaticínio:

O túmulo monumental ou o jazigo chamado perpétuo ou a simples cova marcada com uma cruz de madeira – prolongamento das casas-grandes, depois dos sobrados, das casas térreas, dos mucambos, hoje das últimas mansões ou casas puramente burguesas e do numeroso casario pequeno-burguês, camponês, pastoril e proletário – é, como a própria casa, uma expressão ecológica de ocupação ou domínio do espaço pelo homem. O homem morto ainda é, de certo modo, homem social. E, no caso de jazigo ou de monumento, o morto se torna expressão ou ostentação de poder, de prestígio, de riqueza dos sobreviventes, dos descendentes, dos parentes, dos filhos, da família. O túmulo patriarcal, o jazigo chamado perpétuo, ou de família, o que mais exprime é o esforço, às vezes pungente, de vencer o indivíduo a própria dissolução integrando-se na família, que se presume eterna através de filhos, netos, descendentes, pessoas do mesmo nome. E sob esse ponto de vista, o túmulo patriarcal é, de todas as formas de ocupação humana do espaço, a que representa maior esforço no sentido de permanência ou sobrevivência da família: aquela forma de ocupação de espaço cuja arquitetura, cuja escultura, cuja simbologia, continua e até aperfeiçoa a das casas-grandes e dos sobrados dos vivos, requintando-se, dentro de espaços imensamente menores que os ocupados por essas casas senhoriais, em desafios ao tempo.

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O culto a essa crença primitiva, assim como a fixação do homem nas cercanias da necrópole foi muito bem explicado pelo historiador francês Fustel de Coulanges7. Ouçamo-lo:

A idéia de propriedade privada estava na própria religião. Cada família tinha o seu lar e os seus antepassados. Esses deuses só podiam ser adorados pela família, só á família protegiam; eram propriedade sua.

Como o lar, a família ocupará sempre este lugar. O lugar pertence-lhe: é sua propriedade, propriedade não de um só homem, mas de uma família, cujos diferentes membros devem vir, um após outros, nascer e morrer ali.

Os gregos diziam que o lar tinha levado o homem a construir casas. Efetivamente, o homem, quando a sua religião o fixava num lugar a que ele se julgava para sempre ligado, bem cedo devia pensar em levantar nesse sítio uma construção sólida.

A família tinha, pois, túmulo comum onde os seus membros repousariam um após outro. Para esse túmulo a regra era idêntica à que observava para o lar; do mesmo modo que não se permitia a união de duas famílias na mesma casa, também não se permitia que se juntassem duas famílias num só túmulo. Era impiedade igual enterrar o morto fora do túmulo de sua família, ou colocar no túmulo o corpo de algum estranho. A religião doméstica, quer na vida, quer depois da morte, separava cada família de todas as outras famílias, assim afastando severamente toda a aparência de comunidade. Assim como as casas não deviam estar contíguas, os túmulos não deviam tocar-se; cada túmulo tinha, como a casa, uma espécie de vedação isoladora.

Consoante com este costume, logo se compreende que a idéia de propriedade facilmente se tenha estendido do pequeno outeiro onde repousavam os mortos ao campo que cercava a esse outeiro. Pode ler-se em um livro do velho Catão certa oração na qual o lavrador itálico pede aos manes que olhem pelo seu campo, o guardem dos ladrões e o obriguem a produzir boa colheita. Destarte, as almas dos mortos estendiam a sua ação tutelar, e, com esta, o seu direito de propriedade, até os limites do domínio. Para os manes, a família era senhora única desse campo. A sepultura estabelecia vínculo indissolúvel da família com a terra, isto é, a propriedade.

Para o renomado historiador francês, não foram as leis, “mas a religião, aquilo que primeiramente garantiu o direito de propriedade”8. E finaliza o insigne escritor aduzindo, ipsis litteris:

Entre a maior parte das sociedades primitivas só pela religião se estabelecia este direito de propriedade. Na Bíblia, o Senhor fala a Abraão, dizendo: “Eu sou o Eterno que te fez sair de UR dos Caldeus, a fim de te dar esta terra”, e a Moisés: “Eu vos farei entrar na terra que jurei dar a Abraão e dar-vo-lo-ei em herança”. Assim, Deus, proprietário primitivo por direito de criação, delega ao homem a sua propriedade sobre parte do solo.9

Como visto, o solo onde repousam os mortos converte-se em propriedade inalienável e imprescritível. O direito sagrado à sepultura, fonte geradora do direito à propriedade, também retratado magistralmente por Sófocles, na peça “Antígona”, teve origem na religião. Na legislação romana, segundo Cícero, referido por Coulanges10, exige-se “que, quando alguma família vender o campo onde está o seu túmulo, continue proprietária do túmulo e mantenha o direito de sempre poder atravessar o terreno11, a fim de cumprir as cerimônias do culto”. Infere-se dessa assertiva que o jus sepulcri, primitivamente encarado como um fato social, deu origem à propriedade imóvel, a qual passou a ser vista como um direito.

O direito de propriedade baseado no jus sepulcri, como dissemos alhures, deu origem às cidades, pois o bem imóvel, onde se encontrava inumado os restos mortais dos parentes, fixou o homem à terra, permitindo-lhe direito absoluto sobre esse local, mormente porque na antiguidade os mortos eram venerados como entes sagrados e divinos. Entre os gregos e os romanos, os mortos eram celebrados como deuses e tinham direito a banquete fúnebre em prol do descanso eterno da alma, considerando que tais povos acreditavam cegamente que, prestando homenagem incondicional aos mortos, mediante variadas oferendas, seriam recompensados com os frutos que a terra, por intercessão dos extintos junto aos Deuses, lhes oferecessem.


3. CONCEITO DE PROPRIEDADE IMÓVEL

Conceituar institutos jurídicos em direito civil é sempre perigoso. Não é à toa que há milênios o jurista Javoleno Prisco12 forjou a parêmia latina ominis definitio in jure civili periculosa est. Essa máxima que posteriormente se estendeu a todo e qualquer campo do conhecimento humano carrega a preocupação de demonstrar a relatividade dos conceitos, valendo principalmente para advertir o legislador no sentido de se abster ao máximo das definições jurídicas, reservando esse papel à doutrina e à jurisprudência.

Na terminologia jurídica, a palavra conceito serve para indicar o sentido, o significado, a intelecção que se tem a respeito das coisas, dos fatos e das palavras. Desse modo, cumpre esclarecer que o conceito que será aqui destacado guarda relação com a propriedade imóvel, pelo fato de ser objeto de nossa investigação.

Conquanto saibamos que a expressão propriedade é utilizada, na linguagem vulgar, por vezes, para designar o imóvel, o terreno, o bem de raiz, o prédio, a lei, por intercessão do legislador, estabelece ou dá pistas quanto ao que deve ser entendido como propriedade imobiliária.

Nesse particular, o Código Civil Brasileiro13, seguiu a tradição romana, mas evitou emitir o conceito de propriedade ou de propriedade imóvel, registrando apenas que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” (art. 1.228)14. A redação entre aspas configura a propriedade, na sua acepção mais ampla. Para não deixar qualquer leitor imprecavido, relacionou o referido código, entre os arts. 79. a 81, o que considera bens imóveis.

Por sua vez, o Código Civil da Nação Argentina15, também não arriscou um conceito sobre propriedade ou propriedade imóvel e apenas chama de coisa “los objetos materiales susceptibles de tener un valor” (art. 2.311). De outra parte, enumera entre os arts. 2.314. usque 2.317 as coisas imóveis.

Debruçando-se sobre o tema, o civilista Orlando Gomes16, em lecionamento apodítico, afirma que o direito real de propriedade em sua amplitude (plena in re potesta) comporta conceituação à luz de três critérios: o sintético, o analítico e o descritivo, conforme abaixo transcrito:

Sinteticamente, é de se defini-lo, com WINDSCHEID, como a submissão de uma coisa, em todas as suas relações, a uma pessoa. Analiticamente, o direito de usar, fruir, e dispor de um bem, e de reavê-lo de quem que injustamente o possua. Descritivamente, o direito complexo, absoluto, perpétuo, e exclusivo, pelo qual uma coisa fica submetida à vontade de uma pessoa, com as limitações da lei.

Se é certo que nem um desses critérios satisfaz isoladamente, o conhecimento dos três permite ter o direito de propriedade noção suficientemente clara. É a análise de seus caracteres que torna, entretanto, mais nítidos seus traços.

Feitas tais considerações, cumpre-nos conceituar propriedade como tudo aquilo que se possui como próprio, isto é, todo o acervo que compõe o patrimônio de uma pessoa dentro da universalidade jurídica dos seus direitos reais e pessoais, e que possa ser estimado como bem de valor pecuniário.

Reforçando o argumento, acrescenta-se que, na linguagem jurídica, propriedade imóvel é o estado em que se encontra o bem que pertence, em caráter permanente e exclusivo, a determinada pessoa, a qual exerce sobre ela a soma de direitos que lhes cabe, em toda sua plenitude, mediante os impedimentos e limitações impostos pela concorrência de outros direitos iguais ou superiores ao domínio. Neste conceito, estão claramente reunidos o jus utendi, fruendi et abutendi.

O conceito aqui apresentado se insere no sentido de propriedade, previsto no art. 5.º, caput, e inciso XXII, da Constituição Federal Brasileira, os quais garantem o direito de propriedade e sua inviolabilidade. No Brasil, por força da Constituição da República (art. 5.º, XXIII), a propriedade atenderá a sua função social, traço relevante que não existia no direito romano17. Isto significa dizer que a propriedade perdeu sua característica individualista, id est, se socializou, sem deixar de ser privada.

No plano argentino, a Constitución de la Nación, assegura aos habitantes do país o direito de usar e dispor de sua propriedade (art. 14), assim como a sua inviolabilidade (art. 17), que somente poderá ser quebrada mediante sentença fundamentada na lei. Pelo visto, a constituição argentina não confere explicitamente à propriedade imobiliária destinação ou função social, embora saibamos que, na atualidade, todos os povos, por orientação de organismos internacionais, professam esse discurso.

Muito embora o conceito de propriedade pressuponha o exercício de amplos poderes sobre a coisa, nele não se esgota a compreensão efetiva sobre esse instituto, razão pela qual é necessário o entendimento sobre o que seja domínio, o que se fará no próximo tópico.

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Sobre o autor
José Eulálio Figueiredo de Almeida

Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Juiz de Direito Titular da 8.ª Vara Cível em São Luís. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Especialização em Processo Civil pela UFPE. Especialização em Ciências Criminais pelo UNICEUMA. Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo. O uso abusivo da propriedade imóvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7605, 27 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86466. Acesso em: 21 nov. 2024.

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