I – A QUESTÃO DA PERDA DA NACIONALIDADE E A EXTRADIÇÃO
Determina a Constituição Federal, em seu artigo 12, II, que perde a nacionalidade brasileira aquele que adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária.
Qualquer pessoa pode, independente da nacionalidade que já possuía, ser colhida pelas leis de outro país, que, informadas por outros princípios, defiram-lhe também uma outra nacionalidade.
O texto constitucional enquadrou a situação do brasileiro que, por ato seu, em razão de providências suas, veio a obter uma outra nacionalidade.
São atingidos por esse dispositivo aqueles que pleiteiam uma nacionalidade estrangeira, submetendo-se a processo de naturalização.
Há entendimento de que ao assim agirem estão a demonstrar que os seus interesses e lealdade estão comprometidos com esse país estrangeiro, o que lhes priva de exercer com integridade os deveres para com o Estado brasileiro.
Sabe-se que a Constituição proíbe extradição de brasileiro.
A extradição é o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, acusado de um delito ou já condenado como criminoso, à justiça de outro, que o reclama, e que é competente para julgá-lo e puni-lo.
A Constituição Federal traça limites à possibilidade de extradição quanto à pessoa acusada e quanto à natureza do delito. Assim dispõe o art. 5º , LI da Constituição Federal : "LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;".
Desta feita, é vedada a concessão de extradição do estrangeiro por crime político ou de opinião, e a de brasileiro nato de modo absoluto, e a de brasileiro naturalizado, salvo em relação a crime comum cometido antes da naturalização ou se envolvido em tráfico de entorpecentes e drogas afins.
A teor do artigo 102, I, g, da Constituição, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originalmente, a extradição solicitada pelo Estado estrangeiro.
No caso do Brasil, tanto o brasileiro nato como o naturalizado podem perder a nacionalidade brasileira, nos casos de cancelamento da naturalização, por sentença judicial, em virtude da prática de atividade nociva aos interesses nacionais, ou de aquisição de outra nacionalidade por meio de naturalização voluntária. Ocorridos um desses fatos o presidente da República declara a perda da nacionalidade brasileira em relação ao indivíduo. Seu ato, portanto, é declaratório não constitutivo, ou seja, o fato que constituiu a perda da nacionalidade brasileira foi o cancelamento da naturalização, por meio de uma sentença judicial ou a naturalização que antecedeu o ato presidencial, por força do qual extinguiu-se o vínculo de nacional que o indivíduo detinha no Brasil.
Sendo assim somente por meio de declaração expressa e específica do interessado em naturalizar-se voluntariamente em outro Estado estrangeiro é que o mesmo perde a nacionalidade brasileira. O que se leva em conta é a vontade do brasileiro de dar ensejo a que o Estado estrangeiro o considere seu nacional, como afirmou Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969, tomo IV, 2ª edição, pág. 520).Como bem acentuou Valério de Oliveira Mazzuoli (Curso de Direito Internacional Público, 3ª edição, pág. 638), dessa forma, não perde a nacionalidade brasileira aquele que foi naturalizado involuntariamente em país estrangeiro. Tal é o caso do menor impúbere naturalizado alemão por intermédio de sua mãe e que, após a maioridade pretendeu estabelecer-se no Brasil e aqui gozar dos direitos de brasileiro nato. Tal será também o caso que envolve a inércia de um nubente, que se casa com um francês, em aceitar perante o juízo competente o ´benefício da nacionalidade francesa, não importa nacionalização voluntária. Disse, aliás, Francisco Rezek(Direito Internacional Público, pág. 181) “que não teria havido, de sua parte, conduta específica visando à obtenção de outro vínculo pátrio, uma vez que o desejo de contrair matrimônio é, por natureza, estranho à questão da nacionalidade.”
Sabe-se que a perda da nacionalidade tem suas origens históricas no chamado princípio da aligeância, segundo o qual os indivíduos de determinado Estado ligam-se a ele por um laço de sujeição perpétua ao suserano superior, que concentrava o poder militar.
Dito isso, considere-se que o direito brasileiro inseriu o instituto da nacionalidade como matéria de direito público.
Diante disso, dir-se-á que as causas constitucionais de perda da nacionalidade brasileira têm procedimentos de apuração próprios regulados pela Lei nº 818, de 18 de setembro de 1949(artigos 22 a 34), que foi recepcionada pela Constituição de 1988.
Os efeitos da declaração de perda da nacionalidade são sempre ex nunc. O primeiro caso se refere à perda da nacionalidade pelo cancelamento da naturalização pela sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional. Essa disposição constitucional refere-se exclusivamente à nacionalidade adquirida ou secundária. Observe-se, para tanto, o disposto no artigo 12, § 4º, inciso I, da Constituição que aqui se lê:
Art. 12. São brasileiros:
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;
Diga-se que a competência para instruir e julgar esse caso de perda da nacionalidade é da Justiça Federal(artigo 109, inciso X), cabendo ao Ministério da Justiça (por representação) ou a qualquer cidadão (por solicitação) deflagrar a respectiva ação.
Além disse, ter-se em caso de perda da nacionalidade brasileira:
Art. 12. São brasileiros:
§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
.......
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
Aqui não importam os motivos pelos quais se adquiriu outra nacionalidade. Importa, sim, que o brasileiro tenha adquirido voluntariamente a nacionalidade de outro Estado, independentemente de qualquer coação física ou psicológica, que, porventura, tenha vindo a sofrer. Sendo assim é indiferente que o brasileiro queira continuar tendo a nacionalidade brasileira, uma vez que a perda do vínculo com o Estado se dá como punição pela deslealdade com o nosso país. Não se enquadram na disposição constitucional a dupla nacionalidade originária, nem aquela da mulher que adquire, em virtude do casamento, a nacionalidade do marido.
Anote-se que Valério de Oliveira Mazzuoli (obra citada, pág. 640) registrou que há, entretanto, “uma impropriedade técnica na redação do inciso II do parágrafo quarto, desse dispositivo constitucional, quando coloca como subdivisão da exceção da perda da nacionalidade(“adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos de.....”) o reconhecimento da nacionalidade originária pela lei estrangeira de que cuida a alínea a. Se a lei estrangeira está reconhecendo a nacionalidade originária do indivíduo, não se trata de aquisição de outra nacionalidade, por parte deste. Se a nacionalidade é originária, não pode ser adquirida. O reconhecimento da nacionalidade originária por parte de outro Estado estrangeiro não nos leva ao entendimento de que o indivíduo está requerendo a nacionalidade deste Estado, mas tão-somente de que, já sendo seu nacional, tem apenas que documentar-se para fazer prova desta dupla nacionalidade(da mesma forma que um brasileiro que chega à idade apropriada deve providenciar seus documentos pessoais, como carteira de identidade, CPF). Portanto, o inciso II, do § 4º, do art. 12 da Constituição é desnecessário e nada acrescenta ao direito brasileiro”, como aludiu Mirtó Fraga(A dupla nacionalidade no direito brasileiro de acordo com a Emenda Constitucional da Revisão nº 3 de 1994, páginas 181 e 182.
Saliente-se que no caso da alínea b, do inciso II, do § 4º, do artigo 12, a Constituição pretendeu evitar o constrangimento de um sem número de brasileiros que, por força de contratos, tinham que passar por exercer atividades profissionais em países que exigiam a naturalização de estrangeiro para trabalhar em seu território. Daí o motivo, levando em conta razões sociais, de a redação que foi dada pela Constituição naquele dispositivo, não desproteger essas pessoas com a perda da nacionalidade.
Frise-se que o texto constitucional brasileiro é taxativo no que tange às hipóteses de perda da nacionalidade brasileira. Não exige, pois, a possibilidade de renunciar o brasileiro à sua nacionalidade, visto que a renúncia (renúncia abdicativa) não está contemplada entre as hipóteses constitucionais de perda da nacionalidade brasileira. Assim a vontade do indivíduo, aqui, não é preponderante. O que prevalece sempre é a vontade do Estado. Este é que declara, de maneira impositiva, como ainda lembrou Oliveira Mazzuli (obra citada, pág. 641), quem são os seus nacionais e como estes perde a nacionalidade.
No passado, ainda sob a vigência da Constituição de 1946 – cuja disciplina acerca do tema era semelhante à atual, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se no mandado de segurança nº 4.442/SP, em 1957, com expressa alusão ao princípio da conservação da nacionalidade.
Pelo princípio da conservação da nacionalidade, esta só se perde em condições especificadas e por declaração de vontade (Orestes Ranelletti, Istituzioni di Diritto Público).
Em 2007, o Congresso Nacional aprovou a EC 54 de 2007. A emenda excluiu a necessidade de confirmação posterior da nacionalidade dos filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro e registrados em repartições brasileiras competentes. Pela nova regra, a nacionalidade brasileira não está mais condicionada à futura residência no Brasil e opção pelo vínculo após atingida a maioridade. Basta, desde 2007, o registro em repartição competente no exterior para que filhos de brasileiros sejam considerados brasileiros natos (art. 12, I,” c”).
II – O CASO CLÁUDIA CRISTINA SOBRAL
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal enfrentou esse problema da perda da nacionalidade que se ligava diretamente a uma extradição.
Vamos ao caso.
Seguindo pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, por maioria, a perda da nacionalidade brasileira de Cláudia Cristina Sobral, também conhecida como Cláudia Hoerig. Com a decisão, a acusada de matar o marido nos Estados Unidos e fugir para o Brasil enfrentará processo de extradição.
Em 12 de março de 2007, o americano Karl Hoerig, veterano das guerras do Iraque e do Afeganistão, foi morto com três tiros na parte de trás da cabeça dentro da casa em que vivia com Cláudia. No mesmo dia, ela deixou a cidade – Newton Falls, no Estado americano de Ohio e veio para o Brasil.
Claudia morava nos Estados Unidos desde 1990, quando se casou com o médico Thomas Bolte, de Nova York. A união lhe rendeu um green card, a permissão para trabalhar e viver naquele país, durou até 1990, ano em que ela se naturalizou americana. Em 2005, conheceu Hoerig, pela internet, e logo se casaram. Claudia deixou Nova York e foi morar com ele no Meio-Oeste americano. Até ser presa, em abril deste ano, vivia em Brasília com o marido, um brasileiro.
Na investigação se diz que dois dias antes do assassinato de Hoerig, Cláudia dirigiu por quinze dias até o vilarejo de Braceville e comprou um revólver 357 com mira a laser da marca Smith & Wesson, o mesmo que foi usado no crime. Depois, rodou por mais vinte minutos até a cidade de Warren, onde passou treinando em um clube de tiro. Antes de deixar os Estados Unidos esvaziou a conta bancária do marido e enviou o dinheiro ao Brasil, segundo consta da acusação.
Em depoimento, no processo de extradição que corre perante o Supremo Tribunal Federal, Cláudia declarou que Hoerig era violento e a espancava.
A decisão negou o mandado de segurança (MS 33.864) interposto por Cláudia Sobral contra o ato do Ministro da Justiça que declarou a perda da sua nacionalidade brasileira. A maioria dos ministros entendeu que, ao optar voluntariamente pela nacionalidade norte-americana, a acusada deixou de ser brasileira e, portanto, pode ser extraditada, no procedimento próprio.
Os ministros também cassaram a liminar concedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que suspendia, provisoriamente, a eficácia da Portaria do Ministro da Justiça, que afastou a nacionalidade de Hoerig e que impedia o andamento do pedido de extradição apresentado pelos Estados Unidos.
Em 2016, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos do mandado de segurança nº 33.864, firmou a atual jurisprudência da Corte. Naquele cenário, o governo dos Estados Unidos da América requeria a extradição de Cláudia Sobral, brasileira naturalizada americana.
A matéria deve ser objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal na ação rescisória nº 2800, em que o Tribunal Pleno poderá analisar o assunto para que se esclareçam alguns pontos, a exemplo da possibilidade de cassação da nacionalidade por amostragem, ou da abrangência do conceito de direitos civis para fins de manutenção do vínculo patrial, como salientou Antônio Carlos de Almeida Castro(O plenário do STF e a perda da nacionalidade brasileira originária: uma discussão necessária, in artigo para o Estadão). Lembrou ainda Antônio Carlos de Almeida Braga que “a perda de nacionalidade brasileira somente ocorrerá no caso de vontade formalmente manifestada pelo indivíduo. Em suma, ao tornar-se cidadão estrangeiro, por processo de naturalização, o cidadão brasileiro não perde automaticamente a cidadania brasileira, mas sim, passa a ter dupla cidadania: brasileira, por nascimento, e a estrangeira, por naturalização. (…)”
Assim sendo, somente será́ instaurado processo de perda de nacionalidade quando o cidadão manifestar expressamente, por escrito, sua vontade de perder a nacionalidade brasileira. Caso contrário, não ocorrerá processo de perda de nacionalidade.
III – CONCLUSÕES
Ora, com o devido respeito, Cláudia Hoerig naturalizou-se americana.
Lembro, por óbvio, que brasileiro que perdeu sua nacionalidade por naturalização voluntária, pode ser extraditado.
Cláudia Hoerig, ou Cláudia Sobral, nasceu no Brasil e na idade adulta naturalizou-se norte-americana, depois de anos de residência nos Estados Unidos. De volta ao país natal, o Estado de adoção solicitou ao governo brasileiro sua extradição, a fim de submetê-la a processo penal por suposto crime de homicídio.
No Ministério da Justiça, por onde passam os pedidos de extradição antes do encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal, verificou-se que Cláudia havia se tornado cidadã norte-americana.
Cumprindo a Constituição, o Ministério da Justiça instaurou e concluiu processo de cancelamento da nacionalidade brasileira, nos termos do artigo 12, parágrafo 4º, II, da Constituição Federal. Essa decisão administrativa foi confirmada pelo STF, que autorizou a extradição. Na última quarta-feira, 17 de janeiro, o governo do Brasil efetivou a entrega da extraditanda ao Estado requerente.
Em sendo Cláudia Hoering cidadã americana, por naturalização voluntária, seria caso, pois, de estando no Brasil, e respondendo a ação penal nos Estados Unidos, para lá se extraditada para responder pelo crime praticado.
A naturalização voluntária atendendo aos requisitos da lei própria gera um ato jurídico perfeito, razão pela qual não há que censurar a decisão da Primeira Turma do STF aqui noticiada.
Por essa razão, não se vê qualquer ofensa à literal disposição de lei que afaste a respeitável decisão que deferiu a extradição de Cláudia Hoerig, ou Claudia Sobral.
Rememore-se, ao final, que a ofensa à literal disposição de lei que leve à rescisória, é decisão que destoa do ordenamento jurídico, que divirja do padrão interpretativo da norma jurídica (de qualquer escalão) em que a decisão baseia-se. Eventual divergência jurisprudencial não deve ser compreendida como elemento a descartar a decisão pronunciada por este fundamento.