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A destruição do laboratório da Aracruz Celulose e o pluralismo jurídico

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5.A invasão do laboratório da Aracruz Celulose: pluralismo ou anarquismo jurídico?

Após a discussão acerca do conceito de pluralismo jurídico, uma questão se coloca: a invasão e destruição do laboratório da Aracruz Celulose demonstra uma das formas de manifestação do pluralismo jurídico, ou seria ela a representação do anarquismo jurídico?

Antes de discorrer sobre o tema, é preciso salientar que a expressão anarquismo jurídico é utilizada por Scuro Neto (2004) para designar uma situação de completa falta de controle ou direcionamento no Ordenamento Jurídico, em suas palavras:

Encarado como um simples garantidor de vontades (vigorando em geral a vontade e interesse do mais forte), ao deparar-se com as estruturas e os processos da sociedade moderna, o Direito se mostra incapaz de preceituar corretamente a moralidade, de estabelecer regras justas e de ordenar harmonicamente a interação social – o que implica a surpresa e indignação da opinião pública diante do anarquismo jurídico, isto é, de decisões judiciais fundamentadas na autonomia da vontade diante da necessidade objetiva, independente de influências e circunstâncias externas. (SCURO NETO, 2004, p.116)

No mesmo sentido, o dicionário Aurélio conceitua anarquia como "negação do princípio da autoridade" e também "estrutura social em que não se exerce qualquer forma de coação sobre o indivíduo", o que reflete exatamente a idéia proposta por Scuro Neto.

Voltando à pergunta proposta, a resposta parece complexa. Por um lado não se pode negar que determinados segmentos da população não têm acesso adequado à prestação jurisdicional, e, do ponto de vista do direito material, parece que seu maior direito é não ter direito algum. Isto pode ser percebido quando se analisa o atendimento médico dispensado pelo SUS, que resulta na morte de pessoas enquanto aguardam nas filas dos hospitais, ou quando cidadãos morrem de fome, ou mesmo por falta de cumprimento de um dos direitos fundamentais elencados no art. 5° da Constituição da República de 1988.

No tocante à questão da reforma agrária e, via de conseqüência, aos movimentos sociais que lutam por ela, a situação não se modifica substancialmente. A maior parte dos assentados se vê por longos anos debaixo de uma lona em busca do cumprimento da função social da propriedade, sem que a sua dignidade seja garantida – aquela mesma dignidade ferrenhamente defendida pelo constituinte de 1988, e que se tornou valor fundamental da Carta Magna, como se depreende da exposição de motivos e do art. 3° da Constituição.

Esses mesmos assentados, sem dignidade garantida pelo meio jurídico, passam fome, frio, não têm atendimento médico, educacional, nem previdência social... Essa situação os faz pensar que não passam de cidadãos sem-direito, porque não vêem suas necessidades básicas sendo atendidas. O que sabem é o que sentem, e o que sentem o Direito não mensura.

É muito interessante observar que a ação das mulheres campesinas, bem como a depredação do Congresso Nacional no dia 06 de junho de 2006, são manifestações reconhecidas pelo MST como legítimas para demonstrar indignação e revolta. Mas não são ações típicas do movimento, que pauta sua conduta, na maioria das vezes, pela legalidade, na medida em que buscam tornar efetivo o conceito de função social da propriedade, dentro das prerrogativas concedidas pelo Direito Estatal. O que com isso se quer dizer é que o MST não é um mero baderneiro, mas tem uma história de luta que reflete a exclusão social que pode ser sentida por grande parcela da população campesina, mas que, por momentos, tem condutas que rompem com a credibilidade do movimento nacional.

Com relação à invasão e destruição do laboratório da Aracruz Celulose no dia 08 de março de 2006, a ação das mulheres do movimento campesino foi uma rechaça a uma ação anterior perpetrada pela empresa contra um grupo indígena na cidade de Aracruz, Espírito Santo, ocorrida em 20 de janeiro deste ano. Foi um manifesto simbólico de repúdio, não só ao deserto verde, mas à violência que uma empresa de grande porte econômico causa a um grupo de minoria étnica, e que não é noticiado, tampouco punido. Na verdade, poucas pessoas tomaram conhecimento da violência contra os indígenas. Poucos também sabem que a região de Aracruz, ES, é um reduto de conflitos relativos ao uso e posse da terra e que, nesse contexto, o MST e a população indígena lutam contra um adversário politicamente mais forte.

Assim, a grande tônica dessa análise é, mais uma vez, o sentimento de que o Estado não toma providências para proteger os grupos historicamente excluídos, e por isso esses mesmos grupos se sentem no direito de usar dos mecanismos que julgam suficientes e adequados para manifestar sua indignação, ou para conseguir a justiça que o Estado, na opinião deles, se nega a lhes dar. Portanto, a ação do movimento das mulheres campesinas poderia, em tese, ser considerada como uma demonstração do pluralismo jurídico, assim como aconteceu em São Paulo, quando o grupo do PCC resolveu usar da violência física para retaliar a ação do Estado, que não atendeu às reivindicações dos seus presos.

Talvez aqui resida o grande impasse da análise proposta: como poderia um Estado conviver harmonicamente, garantindo a segurança e bem estar coletivo, se a qualquer momento determinado grupo social se sentisse no direito de "fazer justiça com as próprias mãos"? E mais, quais seriam os limites para esta suposta justiça? O patrimônio de alguém poderia ser depredado pelo fato de essa pessoa ter numa situação financeira superior?

Ao que tudo indica, a violência cometida pelas mulheres campesinas apenas serviu como um forte argumento a ser utilizado contra essas mesmas mulheres, porque não há qualquer legitimidade nesse ato. Se elas desejavam demonstrar os fatores negativos do deserto verde deveriam ter procurado um meio pacífico de desempenhar seu intento, e não através da destruição, porque no Brasil o monopólio da força física continua sendo do Estado, e essa é a única forma de os particulares se respeitarem e não terem o seu patrimônio, direito da personalidade ou morais, atingidos por outro particular, que possa ter alguma opinião contrária a esses direitos.

Considerando o posicionamento de Wolkmer (2001), mais uma vez não haveria como considerar o atentado de 08 de março como pluralismo jurídico, isto porque não há como ser vislumbrada qualquer maneira de emancipação social através da destruição de pesquisas científicas. Também não se pode pensar em qualquer ética da alteridade que tenha como premissa o uso da força física, ao invés do diálogo ou da negociação.

Por isso, talvez a melhor maneira de se definir a ação aqui discutida é a designação de Scuro Neto, ou seja, anarquismo jurídico. Pessoas que no afã de realizarem seu desejo, ou de impingirem seu pensamento aos outros, se valem de quaisquer meios para conseguir seu intento, sobrepujando todos os obstáculos que apareçam sobre seu objetivo. Na busca desse desejo, não se preocupam com autoridades, nem direitos, valorando apenas sua vontade pessoal, em detrimento do bem estar social, e das conseqüências que ações como esta teriam se se propagassem como atividades válidas na sociedade.


6.Considerações finais

Ao longo deste paper, foram abordados alguns conceitos de pluralismo jurídico, bem como o de anarquismo jurídico, para que se pudesse avaliar a classificação adequada à ação de destruição do Laboratório da Aracruz Celulose, perpretada pelas mulheres do movimento campesino, em 08 de março deste ano.

O que se pôde concluir da violência acontecida é que ela não pode ser considerada como pluralismo jurídico, porque, seguindo o posicionamento de Wolkmer (2001), a ação não visou ao bem estar social, tampouco foi ética, também não serviu como instrumento de emancipação social.

Com tal afirmação, não se pretende alargar o posicionamento para todas as ações dos movimentos sociais, mas apenas contemporizar o que as mulheres campesinas fizeram no dia em que deveria ser comemorado o dia da mulher. Soa estranho pensar que um movimento social que apregoa o fim da violência contra a mulher usa justamente da violência para tentar chamar a atenção do público para um problema social. Isso apenas pode ser considerado como uma infeliz escolha de tática de ação, aproximando-se ao conceito de anarquismo jurídico empregado por Scuro Neto.

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Ainda que o Direito passe por uma crise de legitimidade, não é lícito que parte da população se sinta apta a reordenar o mundo empregando a força física, sob pena de se cair no caos social: sem lei, sem ordem, sem segurança ou certeza das normas jurídicas. Por isso, vale relembrar as palavras de Ana Lucia Sabadell (2005), no sentido de que o Estado não pode deixar de reconhecer as normatividades que advém do meio social, mas que essas não podem ser consideradas como Direito, ou ameaçadoras do Direito, porque uma das características das normas jurídicas é a anterioridade, publicidade, e possibilidade de ser utilizada a força física pelo Estado para seu cumprimento. E estas características são prerrogativas e atribuições do próprio Estado, não podendo ser delegadas a nenhum outro ente social, sob pena de se estar fomentando a revolução.


Referências Bibliográficas

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KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 637p.

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SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica. 3.ed. São Paulo: RT, 2005, 270 p.

SANTOS, Boaventura de Souza. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada.Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura1d.html>. Acesso: 27 abr2005.

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http://www.mst.org.br/informativos/minforma/ultimas1671.htm

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Notas

01 Trecho disponível em: <http://www.mst.org.br/informativos/minforma/ultimas1671.htm>. Acesso: 17 mai2006.

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Sobre os autores
Cândice Lisbôa Brandão

advogada em Caratinga (MG), mestra em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa, professora das disciplinas de Sociologia Geral, Sociologia Jurídica e Antropologia Social na FIC

José Xavier Magalhães Brandão

juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Caratinga (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Cândice Lisbôa ; BRANDÃO, José Xavier Magalhães. A destruição do laboratório da Aracruz Celulose e o pluralismo jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1123, 29 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8700. Acesso em: 25 nov. 2024.

Mais informações

Texto também publicado na Revista "Sociologia Jurídica" (www.sociologiajuridica.net).

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