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A importante arguição de relevância

02/12/2020 às 16:30
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O artigo discute sobre a arguição de relevância diante de sua experiência no Brasil, sua natureza jurídica e sua aplicação no STJ.

I – A PEC 209/2012

Foi aprovada pela Câmara dos Deputados a emenda constitucional que cria o filtro de relevância para as questões discutidas no recurso especial.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 209/2012 teve origem em proposição aprovada pelo Pleno do STJ em março de 2012. O texto insere o parágrafo 1º ao artigo 105 da Constituição Federal para que a admissão do recurso especial siga os moldes da repercussão geral exigida para o recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF) – com a demonstração da relevância das questões jurídicas discutidas pelo recorrente.

O objetivo da chamada PEC da Relevância da Questão Federal é reduzir o excessivo número de recursos que chegam ao STJ e viabilizar o cumprimento de sua missão essencial, consubstanciada na interpretação do direito federal infraconstitucional.

No dia 5 de março de 2012, o pleno do STJ aprovou iniciativa de proposta de emenda constitucional que visa a criação de mais um requisito para o processamento do recurso especial, qual seja o da repercussão geral. Referida PEC, cuja ideia foi preconizada pelo então Ministro do STJ Teori Zavascki, terá a função de introduzir parágrafo ao artigo 105, com a seguinte redação: “no recurso especial o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para  o julgamento.”

A iniciativa surgiu em dezembro de 2011 por comissão organizada com o intuito de viabilizar alterações legislativas que tenderiam a diminuir o número de ações direcionadas ao STJ.

Trata-se de instituto semelhante àquele existente no recurso extraordinário, segundo o qual

“a questão debatida tem de ser relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, além de transcender para além do interesse subjetivo das partes na causa. Tem de contribuir, em outras palavras, para persecução da unidade do Direito no Estado Constitucional brasileiro, compatibilizando e/ou desenvolvendo soluções de problemas de ordem constitucional. Presente o binômio, caracterizada está a repercussão geral da controvérsia.”

Como relataram Phelipe Moreira S. Frota e Luciano de Souza Godoi(A missão constitucional do STJ e a relevância da questão federal)   a aprovação em primeiro turno, pela Câmara dos Deputados, da emenda constitucional que cria o filtro de relevância para as questões discutidas no recurso especial, ocorrida na última quarta-feira (30), coroa um esforço institucional em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se empenhando nos últimos anos.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 209/2012 teve origem em proposição aprovada pelo Pleno do STJ em março de 2012. O texto insere o parágrafo 1º ao artigo 105 da Constituição Federal para que a admissão do recurso especial siga os moldes da repercussão geral exigida para o recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF) – com a demonstração da relevância das questões jurídicas discutidas pelo recorrente.

O objetivo da chamada PEC da Relevância da Questão Federal é reduzir o excessivo número de recursos que chegam ao STJ e viabilizar o cumprimento de sua missão essencial, consubstanciada na interpretação do direito federal infraconstitucional.

Sem o filtro da relevância, o tribunal tende a funcionar como mera instância de revisão dos julgados dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, diluindo seu papel constitucional na análise de questões sem maior densidade jurídica, que não trazem nenhum impacto para a uniformização da jurisprudência.

II – A EXPERIÊNCIA PERANTE A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1/69

No passado o sistema jurídico brasileiro tinha esse sucedâneo recursal, cujo objetivo é uniformizar o entendimento quanto a lei federal.

Sob a égide da Constituição de 1969, as hipóteses de cabimento de recurso extraordinário contra decisões dos tribunais de única ou última instância, vinham descritas no artigo 119, III, da Emenda Constitucional n. 1/69 à Constituição de 1967. Foi previsto o recurso extraordinário quando a decisão: a) contrariar dispositivo da CF ou negar vigência do tratado ou lei federal; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da CF ou de lei federal; d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro tribunal ou o próprio STF.

Aquela Emenda Constitucional nº 1/69 conferia competência legislativa ao STF para dispor, em seu regimento interno, quais seriam as causas que comportariam o recurso extraordinário a que se referia o art. 119, III, letras c e d, mencionadas, impondo a Corte Suprema que levasse em consideração a natureza da causa, espécie, valor pecuniário e relevância da questão federal(artigo 119, § 1º, Emenda nº 1/69).

Lembre-se que, a partir de 1970, quando editado o regimento interno, o STF procedeu a diversas modificações nesse estatuto, sendo que, para efeito de restrição ao cabimento do recurso extraordinário, a mais importante foi a Emenda 3, de 12 de junho de 1975.

Nessa Emenda 3/75 foi alterado substancialmente o artigo 308, inserindo-se-lhe vários incisos e parágrafos, disciplinando o cabimento do recurso extraordinário(nos limites da autorização constitucional) e o procedimento da arguição de relevância da questão federal, instituto criado pela respectiva Emenda. Posteriormente a própria Emenda Constitucional nª 1/69 adotou, de forma expressa, o instituto da relevância, introduzido na Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977, no artigo 119, § 1º.

No direito alemão há o recurso de revisão, que se aproxima ao recurso extraordinário.

Depois da lei de reforma do recurso de revisão em matéria civil, de 8 de julho de 1975, ficou ele reduzido a somente três espécies: a) Annahmerevision, ou seja, revisão das causas onde o prejuízo experimentado pelo recorrente é de valor superior a 40.000DM; b) Zulassungsrevision, nas causas de valor superior ao acima mencionado, revisão essa que depende de admissão pelo tribunal a quo; c) Sprungrevision, onde o recorrente dispensa a apelação para o tribunal de segundo grau e a interpõe, diretamente no tribunal federal superior.

No que concerne à Zulassungsrevision, o da importância fundamental da causa. Essa exigência é estabelecida na Alemanha, além do ZPO (que rege o processo civil contencioso na justiça ordinária), nas leis que regulamentam naquele país, as várias justiças especializadas.

Esse requisito existente no direito alemão vem da influência do direito norte-americano, com uma diferença: enquanto o órgão competente para reconhecer a causa important of meritorius é a Suprema Corte Americana, no direito alemão é o tribunal de segundo grau que se manifesta no que concerne à importância fundamental da causa. O próprio acórdão que será objeto de eventual recurso de revisão deve trazer em seu bojo a manifestação de que a questão se reveste de importância fundamental. Somente assim a revisão será conhecida.

Há ainda quem considere que essa arguição de relevância se assemelha ao instituto alemão da grundsäzliche Bedeutung der Rechsache.

Conforme ensinou Arruda Alvim (A Emenda Constitucional 45 e a Repercussão Geral. Revista de Direito Renovar, n.31, p. 75-130, jan/abr 2005, p.85-91), este sistema de “filtragem de recursos” encontra institutos análogos na Alemanha (Die Zullasung der Revision), nos Estados Unidos (writ of certiorari previsto na Rules of the Supreme Court of the United States), na Argentina (gravidad institucional), no Japão (instituto análogo ao writ of certiorari norte-americano) e até mesmo no Brasil, quando da edição no sistema constitucional passado da “relevância da questão federal no recurso extraordinário”. Pode-se acrescentar, ainda, um instituto do Direito Processual Trabalhista, denominado transcendência, requisito político de exame prévio de recurso de revista, previsto no artigo 896-A da CLT.

No passado, antes da Constituição de 1988, somente tinha lugar a arguição de relevância, se a hipótese não se enquadrasse em um dos incisos do artigo 325, do RJSTF, se não coubesse o recurso extraordinário pela indicação normativa do STF. Caso possível esse apelo de acordo com a norma regimental, não haveria interesse na utilização do expediente de relevância.

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Temos então que a arguição de relevância é pressuposto como foi, no passado, do recurso extraordinário, e, no futuro, do recurso especial, tendo como objetivo precípuo afastar o óbice de restrições regimentais, ou, por outra, a finalidade de fazer com o STF admitisse o recurso extraordinário, fora dos casos enumerados taxativamente no RISTF (artigo 325, I a X).

Como ensinou Nelson Nery Júnior (Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos, 4ª edição, pág. 78), tratava-se de um pressuposto prévio, pois devia ser examinada antes de qualquer outro requisito de admissibilidade genérico e específico do recurso extraordinário. Naquele caso, se acolhida a relevância, o STF determinava que os autos subissem a fim de que o extraordinário pudesse ser examinado. Já com os autos do processo principal em mãos, o STF apreciava, agora, o recurso extraordinário, proferindo o juízo de admissibilidade normal(cabimento formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer), e, se positivo, este, o juízo de mérito.

Podia ocorrer, portanto, fosse acolhida a arguição de relevância da questão federal, mas que o recurso extraordinário não fosse conhecido por faltar ao recorrente algum dos pressupostos de admissibilidade recursal.

Sob e égide da Constituição anterior, o STF era o guardião maior da Constituição e da lei federal. Como se sabe, com a criação do STJ, pela Constituição de 1988, essa tarefa de guardião maior da lei federal passou para aquela última Corte.

A Constituição de 1988 não mencionou o instituto da arguição de relevância da questão federal, de modo que ficaram revogados os dispositivos da Emenda Constitucional nº 1/69 a Constituição de 1988 e os do RISTF sobre a matéria.

III – CRÍTICAS E EXPECTATIVAS QUANTO AO PROJETO

Fala-se do projeto sobre a arguição de relevância.

Resumo o seguinte trecho extraído do voto do relator Sandro Mabel à Comissão Especial:

“Conforme cabalmente demonstrado durante as audiências públicas realizadas por esta Comissão, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário passou a ser o guardião das promessas dos constituintes, o canal da cidadania, sendo assim sobremaneira demandado pela população brasileira. Desta sorte, nos últimos vinte e quatro anos os processos judiciais multiplicaram mais de setenta e cinco vezes, enquanto que o número de juízes, mais de quatro vezes. Hoje, estima-se que tramitam no Poder Judiciário mais de noventa milhões de processos. Urge, portanto, que se racionalize a prestação jurisdicional. Nesse sentido, parece-me que inteira razão assiste aos Autores da presente Proposta de Emenda à Constituição. Sem dúvida, a demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional como requisito para a admissibilidade do Recurso Especial pelo STJ em muito contribuirá para a redução dos processos, a exemplo do que ocorreu quando se instituiu a exigência de se demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais para a admissão dos recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal.”

No presente, a “arguição da relevância" deve ser implementada, sendo mais um “filtro” para conferir ao Recurso Especial o seu caráter de excepcionalidade, combatendo a “avalanche” recursal comprovada pelos números acima. O Superior Tribunal de Justiça deve exercer tão somente o seu papel de Corte da Cidadania em demandas que tenham elementos que transcendem as partes envolvidas, ou seja, que possuam relevância jurídica, econômica, social ou política, seguindo o caminho do Supremo Tribunal Federal com a exigência da repercussão geral, em 2004, por meio da Emenda Constitucional nº 45, como ainda acrescentaram Phelipe Moreira S. Frota e Luciano de Souza Godoi(obra citada).

Vem as perguntas: Como apurar a relevância no caso concreto? Estaríamos diante de uma renúncia de jurisdição? A limitação de acesso ao Superior Tribunal de Justiça em razão do valor da causa (corte pela capacidade financeira seria um critério pertinente? Por acaso não pode haver uma demanda de quantia baixa que impacte e/ou represente a realidade social brasileira? Recursos que suscitam a confrontação de provas deixariam de ser julgados?

A Ordem dos Advogados do Brasil, desde o ano de 2012, tem se manifestado contrária à proposta. No dia 12 de Novembro de 2012, em sessão do pleno, Paulo Medina, conselheiro federal, manifestou que a proposta atenta contra os interesses do jurisdicionado, e contra o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, destacando que a preocupação para uma melhora efetiva do Poder Judiciário deveria passar pela ampliação do número de Ministros.

A repercussão geral representará verdadeiro óbice à admissão do recurso especial, haja vista que apenas as matérias de relevância poderão ser apreciadas.

Não se pode olvidar que a aferição da “relevância” dependerá de critérios meramente subjetivos, a partir do que se pode afirmar que os temas que não forem considerados aptos a serem apreciados pelo STJ, serão pacificados em níveis estaduais.

Essa a posição que foi externada pela OAB.

A preocupação que se tem é de que a repercussão geral para o recurso especial acabe por rechaçar o princípio teleológico que culminou na criação do STJ, qual seja a uniformização da interpretação legal.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A importante arguição de relevância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6363, 2 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87108. Acesso em: 11 out. 2024.

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