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A mercancia de pequena quantidade de substância entorpecente em face da objetividade jurídica da Lei nº 6.368/76.

Crime de bagatela ou estado de necessidade exculpante?

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04/08/2006 às 00:00
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CONCLUSÃO

            Diante do quadro exposto, conclui-se que o sujeito ativo do crime de tráfico, que vem praticar essa conduta típica eventualmente, v.g., no caso em que é movido pela necessidade de sustento próprio, a fim de evitar um estado de miserabilidade, deverá este ser visto como uma vítima da sociedade capitalista em que está inserido.

            A solução para uma prevenção quanto ao uso de entorpecentes e com relação aos delitos praticados em decorrência destes não será encontrada no Direito Penal, mas sim numa reorganização das políticas de educação, saúde pública e no respeito aos direitos e garantias individuais do cidadão.

            Para que possamos fazer uso do estado de necessidade como excludente de ilicitude nos crimes de tráfico de pequena quantidade de substância entorpecente, é necessário, antes de tudo, apurar se o microtraficante pratica essa conduta de maneira eventual, visando o sustento de sua prole, a qual encontra-se em estado de miserabilidade. Caso negativo, se o tráfico se dá apenas com o intuito da obtenção de lucro para fins de suprir uma dificuldade financeira, é injustificável a lesão a qualquer bem jurídico tutelado, de maneira que não se trata de suprir uma necessidade vital ou primária, mas de mero capricho, caso este em que deverá atender a essa carência através de um meio lícito. Não obstante, se o tráfico se der de maneira eventual, numa situação em que era inexigível a prática de uma conduta diversa pelo agente delitivo, ou seja, se este não tiver outra escolha, encontrar-se-á em estado de necessidade exculpante.

            No que concerne ao tráfico habitual, mesmo que de uma quantidade muito pequena, jamais deverá ser considerado estado de necessidade, eis que ausentes os requisitos elencados no art. 23 do Código Penal Pátrio, não temos uma situação eventual, passageira ou ocasional, a qual leva o agente, em situação desesperadora, a cometer o delito. Temos sim algo rotineiro, não justificando a aplicabilidade da excludente em comento.

            No tocante ao tráfico visto como delito bagatelar, cumpre salientar o fato de que a ofensa gerada por este tipo penal, segundo o direito penal pátrio, não é considerada leve, eis que classificado como crime de perigo abstrato, sendo necessária apenas a presença da substância, não importando a quantidade encontrada com o agente delitivo que expõe a perigo a população.

            Isto posto, conclui-se que, deverá ser feita uma análise minuciosa do caso em concreto, a fim de buscar a exclusão da culpabilidade para o agente delitivo.

            "Uma das poucas coisas que se sabe sobre tóxicos é que nenhuma lei conseguiu bani-los".

Michael Schiray.

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            02

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CAPEZ, Fernando. Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004, P. 121/122, item n. 2.1.

            10

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 14. São Paulo: Atlas, 1994, pág. 134.

            11

______. Código Penal Interpretado. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2003 – p. 141.

            12

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994, pág. 52.

            13

SCARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

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            15

FIORILLO, 2000, pg. 59.

            16

Op. cit., pg. 60.

            17

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            19

Apelação Crime nº 70003528098, Segunda Câmara Criminal, Rel. Des. José Antônio Hirt Preiss, TJRS, j. em 28.03.2002, unânime.

            20

MACHADO, Luiz Alberto. Direito Criminal. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, pág.138.

            2

1 SOUZA NETO. O motivo e o dolo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, pg.39.

            22

Op. cit., pg.60.

            23

GRECO, Luís. Tipos de Autor e Lei de Tóxicos ou interpretando democraticamente uma lei autoritária. Revista IBCCRIM nº. 43, abr./jun. 2003, São Paulo, RT, p. 226.

            24

CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: do discurso oficial às razões da descriminalização. Rio de Janeiro: Luam, 1996.

            25

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado das Ações. V. 8. Campinas: Bookseller, 1998, pág. 53.

            26

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Sobre a autora
Aline Sinhorelli Müller

bacharelanda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), campus Gravataí (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MÜLLER, Aline Sinhorelli. A mercancia de pequena quantidade de substância entorpecente em face da objetividade jurídica da Lei nº 6.368/76.: Crime de bagatela ou estado de necessidade exculpante?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1129, 4 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8716. Acesso em: 14 mai. 2024.

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