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Valoração comparativa do merecimento nas promoções e remoções de magistrados

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A motivação judicial e administrativa, como corolário do princípio do Estado Democrático de Direito, [01] permite aos cidadãos compreender as razões pelas quais o ato administrativo ou judicial foi prolatado, possibilitando ao interessado ou prejudicado buscar as vias cabíveis para uma reversão da decisão estatal contrária aos seus interesses. Por outro lado, possibilita o controle da administração da justiça com a exclusão do "carácter voluntarístico e subjectivo do exercício da actividade jurisdicional e abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes". [02]

A Constituição da República, em várias oportunidades, exige a motivação das decisões, tanto as jurisdicionais, como as administrativas dos tribunais. Assim, no inc. X do art. 93, há a expressa determinação de que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade", já no inc. XI do mesmo dispositivo consta que "as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública".

A motivação é dirigida a vários públicos, desse modo, os tribunais, ao prolatarem suas decisões, devem ter em mente que a função argumentativa da motivação expendida tem como destinatário três auditórios diferentes: "de um lado as partes em litígio, a seguir os profissionais do direito e, por fim, a opinião pública, que se manifestará pela imprensa e pelas reações legislativas às decisões dos tribunais". [03]

A formulação das listas de promoções e remoções por merecimento dos juízes, como ato administrativo [04] que realmente o é, não poderia deixar de ser motivada, e nesse norte, a Constituição foi mais específica, pois ultrapassou as fronteiras da simples fundamentação e estabeleceu que a motivação de tais atos deve ser aferida "conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento" (CR, art. 93, II, "c").

De plano, vê-se que a norma constitucional exige uma motivação especial, medrada em quatro critérios exclusivamente objetivos. Pela sua natureza competitiva, onde vários candidatos se submetem ao certame de promoção ou de remoção, a motivação estritamente objetiva na valoração do merecimento difere sobremaneira da motivação ampla dos demais atos judiciais e administrativos, baseada em critérios discricionários, em que o magistrado ou o administrador tem uma vasta margem de manobra para justificar a sua escolha em quaisquer tipos de provas, argumentos ou elementos legais, desde que razoáveis e moralmente legítimos.

O Conselho Nacional de Justiça, ao julgar o pedido de providências nº 08/2005, da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, no qual se requereu a expedição de "recomendação de providências" para todos os tribunais brasileiros objetivando a aplicação do art. 93, I, "c", estabeleceu, num primeiro momento, a auto-aplicabilidade do supracitado dispositivo constitucional [05] para, em seguida, firmar a obrigatoriedade da imediata observância de critérios objetivos nas promoções de magistrados e a necessidade de fixação, pelo próprio Conselho, de regras básicas a serem seguidas pelos tribunais para escolha da lista de merecimento.

De maneira expressa, assentou-se na decisão do CNJ que a análise objetiva do merecimento há de se fazer por uma apreciação do cumprimento dos deveres funcionais de todos os juízes concorrentes que vai "do desempenho, aos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição, à análise da validade, freqüência e aproveitamento dos cursos oficiais e sua conseqüente valoração para fins de merecimento, ao reconhecimento de outros cursos de aperfeiçoamento como importantes para a promoção, com fixação de pontuação ou do valor de cada um dos cursos; de maneira que o magistrado saiba o que os componentes de seu órgão diretivo entendem – objetivamente – por merecimento". [06]

A Resolução nº 06, de 13 de setembro de 2005, pela qual o CNJ fixou as linhas mestras a serem seguidas pelos tribunais na valoração do merecimento, estabelece expressamente a obrigatoriedade da "valoração objetiva de desempenho, produtividade e presteza no exercício da jurisdição". [07] Ora, num certame por merecimento entre magistrados o que mais releva para os magistrados não é a decisão em si – dizer que tal juiz é mais merecedor do que outro –, mas a completa e exaustiva explicitação dos motivos objetivos que levaram o tribunal a escolher determinado juiz e não um outro concorrente, pois todos os candidatos têm o direito fundamental de ser informado, objetivamente, sobre os motivos que alicerçaram o ato de escolha da lista de merecimento.

É preciso que os tribunais tenham em mente que fundamentar com objetividade a indicação não é pinçar, por antecipação, três candidatos subjetivamente escolhidos para enaltecer e elogiar as suas qualidades, sob o pálio de uma pseudo-avaliação objetiva. É muito mais! É comparar objetivamente todos os concorrentes com iguais critérios de análise, tendo-se por parâmetro os prévios atos administrativos (resoluções) locais de valoração dos critérios objetivos estabelecidas na Constituição. É proceder uma correlação comparativa de todos os candidatos concorrentes para que a decisão reflita o caráter de objetividade estabelecido na Constituição.

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A escolha da lista deve ter por medida os valores antecipadamente estabelecidos em Resolução do tribunal local, que deverá respeitar os parâmetros objetivos traçados pelo CNJ e pela Constituição. Assim, os quatro critérios descritos na Constituição são taxativos, não havendo margem para o tribunal local estabelecer outros critérios, mesmo que objetivos, para a aferição e valoração do merecimento. Por tal razão é que os Conselheiros Marcus Faver e Paulo Lôbo foram vencidos quando buscaram, na votação do Pedido de Providências nº 08/2005, estabelecer, como critério considerado para efeito de promoção por mérito, o requisito de ter o magistrado domicílio na sede da comarca em que atua.

Com efeito, considerando que todos os magistrados devem residir nas suas Comarcas, não é o domicílio do magistrado um dado comparativo de merecimento, mas, tão-somente, um elemento disciplinar a ser fiscalizado pela corregedoria que poderá, no âmbito de sua atuação administrativa, tomar as medidas cabíveis para, se necessário, assegurado o contraditório e a ampla defesa, punir o magistrado que descumpra o dever constitucional de residência na Comarca. Igualmente, não se poderá estabelecer como critério de valoração o número de sentenças confirmadas ou anuladas pelo tribunal, porque estar-se-ia afrontando a garantia de independência da magistratura com evidente afronta ao art. 41 da LOMAN que assegura ao magistrado a prerrogativa de não "ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir".

A necessidade de valoração comparativa do merecimento do magistrado se evidencia também pela natureza objetiva estabelecida na Constituição, pois, se não houver uma medida de comparação, a escolha será subjetiva e a objetividade será uma miragem, uma letra morta no texto da Carta Maior.

Não basta dizer simploriamente que um juiz é melhor que outro porque prolatou mais sentenças para se ter, sem um parâmetro de comparação, uma fundamentação, "dita objetiva", da escolha. A aferição do merecimento somente será objetiva se a valoração deste mesmo merecimento for feita objetivamente, correlacionando os méritos de todos os concorrentes.

De nada valerá o comando constitucional, que expressamente impõe critérios objetivos de aferição do merecimento, se não for efetivamente fixada uma valoração do merecimento através de um sistema de pontuação que permita uma real comparação objetiva de desempenho, produtividade e presteza dos juízes inscritos no concurso de promoção ou de remoção, procedendo-se de igual forma em relação a valoração da freqüência e aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento, oficiais ou reconhecidos.

De tudo, conclui-se que se os tribunais, de logo, não estabelecerem, nas suas resoluções, um sistema objetivo de pontuação que permita uma justa valoração comparativa do merecimento, ter-se-á como ausentes e ineficazes os critérios "que permitam diferenciar os candidatos inscritos" [08] e, por conseqüência, a garantia de eficácia da motivação especial do merecimento estabelecida no art. 93, II, "c", da Constituição da República que se esvairá em uma mera e vazia retórica, dando ensejo a inúmeras e intermináveis querelas judiciais.


Notas

01 Peces-Barba pontifica que a motivação das sentenças decorre do esforço para racionalizar o Direito e se relaciona de maneira direta com o princípio do Estado Democrático de Direito e com a concepção de legitimidade da função jurisdicional. Cfr. Curso de Derechos Fundamentales, Madrid: Universidad Carlos III, 1999, pp. 516-517.

02 Cfr. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 667.

03 Cfr. PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica: Nova Retórica. Trad. Vergínia K. Pupi, São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 238.

04 O ato de formação da lista tríplice é um ato administrativo simples, posto que resulta da manifestação de um único órgão colegiado. Já o ato de promoção do magistrado é um ato complexo formado pela conjugação da vontade de dois órgãos administrativos: a vontade objetivamente motivada do colegiado conjugada com a vontade discricionária do presidente da tribunal.

05 O Conselheiro Alexandre de Moraes, justificou a auto-aplicabilidade da norma da seguinte forma: a exigência de edição de lei complementar para estabelecer o Estatuto da Magistratura não impede a imediata utilização dos preceitos constitucionais básicos que regem a magistratura, cuja eficácia e aplicabilidade, como ressaltado pelo Ministro CELSO DE MELLO, "não dependem, em princípio, para que possam operar e atuar concretamente, da promulgação e edição do Estatuto da Magistratura" (STF – Pleno – Adin nº 189/RJ – medida liminar. RTJ 132/66).

06 Voto do Conselheiro Alexandre de Moraes, no PP 08/2005.

07 Cfr. Resolução nº 06/2005 do CNJ, art. 4º, inc. I.

08 Cfr. Res. CNJ nº 06/2005, art. 5º, parágrafo único.

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Sobre o autor
Gustavo Procópio Bandeira de Melo

juiz de Direito da Paraíba, mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Gustavo Procópio Bandeira. Valoração comparativa do merecimento nas promoções e remoções de magistrados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1121, 27 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8718. Acesso em: 19 abr. 2024.

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