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Responsabilidade nos crimes tributários:

a (in)admissibilidade da responsabilização objetiva do agente ativo

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3.A POSSIBILIDADE (OU NÃO) DA ADMISSÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

            Na opinião de Hugo de Brito Machado [18], tratando-se de responsabilidade de pessoa jurídica, para que se consiga responsabilizá-la é necessário que se abstraia a existência da pessoa jurídica e considere a conduta de seus dirigentes.

            Para o autor, com relação à ação penal, existem duas correntes, uma defende que a ação deve ser recebida mesmo quando não define a conduta individual de cada denunciado, bastando para tanto a descrição do fato tipificado como crime, ocorrido dentro da empresa na qual o denunciado é dirigente. Ocorre  que,muitas vezes, o fato que constitui crime contra a ordem tributária é praticado por empregado, então esta corrente admitiria que o dirigente da empresa além de ser lesado, fosse também responsabilizado pelo ilícito.A outra exige que, na denúncia, conste a descrição da conduta de cada denunciado. "No sistema jurídico penal brasileiro, como de resto acontece em todo o mundo civilizado, a responsabilidade penal depende da culpa ou do dolo do agente. É, portanto, sempre subjetiva e pessoal". A conduta deve ser individualizada previamente, pois facilita a defesa do acusado.É mais fácil de reunir as informações relacionadas a conduta de cada partícipe do crime na fase de inquérito policial, do que durante o curso da ação penal, visto que no inquérito não há participação da defesa e é unilateral.

            Do exposto, chega-se a conclusão de que com relação aos ilícitos tributários não seria admitida a responsabilidade objetiva na prática, mas sim a subjetiva, por depender da análise da culpa ou do dolo.


4.A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA QUE ABRANGE OS CRIMES PREVISTOS NO CP

            A responsabilidade pessoal penal é considerada como estritamente subjetiva, porque trata de uma conduta humana, conceituando-se como tal o comportamento que prevê suas conseqüências e é dirigido pela vontade do agente. Desta forma, a responsabilidade é subjetiva na medida em que o autor é reprovável pelo fato praticado, porque conscientemente o quis (dolo), ou agiu com falta de um dever de cuidado (culpa). Assim, pelo princípio reconhecido constitucionalmente de "nullum crimen sine culpa", o agente tem que ter agido, no mínimo, com falta de um dever de diligência, configurando-se a culpa. Não havendo indício de culpabilidade na relação do agente com a conduta delituosa, não se pode puni-lo por mero liame causal objetivo. Logo, repudia-se aqui qualquer forma de responsabilidade objetiva, fundada unicamente em razão de uma relação de causalidade. Castigar a causação objetiva de resultados imprevisíveis e inevitáveis seria inútil, desnecessário e ineficaz. Um Direito Penal que pretendesse exigir responsabilidade por fatos que não dependem em absoluto da vontade do indivíduo merece ser qualificado de arbitrário e disfuncional, porque, então, a pena carece de poder motivador e o castigo perderia toda a justificação.

            Assim, a responsabilidade assenta-se em ações dirigidas pela vontade, consubstanciadas nas condutas de um ser humano que possua determinado nível de compreensão e racionalidade, de forma que lhe possam ser imputados seus atos.

            Relaciona-se, portanto, a responsabilidade penal com a autoria e participação dos agentes, a exigência de dolo ou culpa presentes na ação e a imputabilidade penal. O princípio de responsabilidade não se confunde com a imputabilidade e a culpabilidade penal. Imputabilidade é, tecnicamente, a capacidade de culpabilidade, já a responsabilidade constitui um princípio segundo o qual toda pessoa imputável (dotada de capacidade de culpabilidade) deve responder pelos seus atos.

            Para a questão da apuração da infração penal deve-se sempre perguntar sobre a conduta do agente: agiu com dolo ou culpa (imprudência, negligência ou imperícia)? Dependendo da resposta - dentre outras perguntas e respostas possíveis - estaremos frente a um crime.

            Mesmo classificando tais infrações em crimes de dano (aqueles onde sua configuração se dá com a obtenção do resultado) e crimes de mera conduta (cuja configuração ocorre através do singelo procedimento, independente do resultado perseguido), permanece a necessidade de apurar a intenção do agente.

            Entendo que as infrações penais capituladas na Lei 8.137/90 são todas de dano, ou seja, é imperioso que se configure a existência de uma lesão aos cofres públicos para que o crime possa estar presente, e que este resultado tenha sido perseguido pelo agente.

            Pode-se afirmar, portanto, que a subjetividade impera na determinação da infração penal.

            E a principal sanção à esta infração é a perda da liberdade do infrator (detenção, reclusão, etc.). Somente por exceção, ou complemento, existe a imputação de multa (pena pecuniária). Assim, a relação de tensão existente nas relações penais gira em torno da liberdade do cidadão face ao Estado.

            A responsabilidade penal pessoal e subjetiva é garantia fundamental no Estado de Direito contra os excessos punitivos do próprio Estado, e não pode ser desnaturado a fim de se atender a demandas primitivas exacerbadas.

            4.1.A RESPONSABILIDADE NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS EM GERAL

            A responsabilidade por crimes contra a ordem tributária é subjetiva e depende sempre da efetiva participação do acusado no cometimento do ilícito.

            Conforme a história do princípio da culpabilidade, partindo de uma concepção psicológica e alcançando o seu estágio de concepção normativa, no que ficou conhecido no direito penal como a evolução da teoria causal-naturalista para a teoria finalista da ação, fica complicado falar em culpabilidade da pessoa jurídica, se apresentando como mais adequado o termo responsabilidade da pessoa jurídica.

            A culpabilidade ou responsabilidade da pessoa jurídica é uma questão que o Direito não pode se negar a enfrentar, porque, em primeira instância, se trata de um enfrentamento ao crime organizado, ou de forma mais ampla, ao chamado crime difuso e/ou coletivo. O Direito Penal moderno se pautou por uma busca incessante para eliminação da responsabilidade objetiva, realizando um abandono total a questão da responsabilidade coletiva, adotando os princípios da individualização e pessoalidade das penas. E, finalizando, com tal adição, uma eliminação total da responsabilidade objetiva mediante o princípio da culpabilidade.

            O princípio da culpabilidade normativa, enfrenta suas maiores dificuldades no campo do direito penal tributário, ou ilícitos penais tributários, não nas suas modalidades praticadas por pessoas físicas, pois, se apresentam de fácil identificação, mas, nas previsões dirigidas às pessoas jurídicas. Pois, daí surge a indagação de a pessoa jurídica ser capaz de ação e de uma ação culpável? Ou a pessoa jurídica não tem capacidade de ação?

            Para uma discussão no campo do Direito Penal Tributário, levanta-se duas questões: a primeira, na necessidade da comprovação de quem de forma dolosa ou culpa provocou o resultado, e , a segunda, na identificação da intensidade de ofensa ao bem jurídico tutelado.

            Para a primeira questão, à luz da lei nº 8.137/90, que define crimes contra a aordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, "não basta ao acusador provar que em determinada empresa houve ´´supressão´´ ou ´´redução´´ de tributo ou de contribuição social (esse é o ´´resultado´´ exigido pelo crime). É também fundamental que a acusação comprove ´´quem´´ ´´dolosamente´´ (impõe-se recordar desde logo que não existe crime tributário ´´culposo´´) causou esse resultado (foi o empresário?, foi o sócio-gerente?, foram todos os sócios?, foi o contador?, foi um empregado?)".

            Já para a segunda, que envolve a proteção dos chamados bens superindividuais, norteia-se à dicotomia de ser o bem juridicamente protegido apenas a arrecadação, ou, a ordem jurídico-social é que realmente apresenta-se como o bem jurídico tutelado. Diante dessa dicotomia como identificar uma ofensa significativa ou intensa, ao bem jurídico? A doutrina tem fornecido seu ensinamento no dizer de que a resposta se encontra no campo do valor monetário, na quantia suprimida ou reduzida.

            Na lição de REGIS PRADO, "costuma-se incluir no postulado da culpabilidade em sentido amplo o princípio da responsabilidade penal subjetiva ou da imputação subjetiva como parte de seu conteúdo material em nível de pressuposto da pena, o que quer significar, em outras palavras, a impossibilidade de responsabilização penal por uma conduta em que esteja ausente o dolo ou a culpa".

            O magistério de BITENCOURT é no sentido de atribuir-se missão tríplice ao princípio da culpabilidade, ou à culpabilidade. Podendo ser esclarecida da seguinte forma: a) como fundamento da pena – da possibilidade de aplicação da pena ao agente de uma conduta típica e antijurídica, com o cumprimento de alguns requisitos, que representam os elementos da culpabilidade: capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta; b) como elemento da determinação ou mediação da pena. O que caracteriza o limite do poder punitivo estatal; c) como conceito contrário à responsabilidade objetiva, que quer significar uma vedação de responsabilidade penal desprovida do dolo ou da culpa.

            Enfim, para BITENCOURT, numa análise do princípio da culpabilidade, "não há pena sem culpabilidade, decorrendo daí três conseqüências materiais: a) não há responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b) a responsabilidade penal é pelo fato e não pelo autor; c) a culpabilidade é a medida da pena".

            Por toda a evolução conseguida pela humanidade, por todo o evolucionismo nas relações humanas, faz-se imperativo social uma reformulação do conceito de princípio da culpabilidade, que se amolde tanto ao Direito Penal Clássico como ao Direito Penal Econômico, e em suas relações com o Direito Administrativo Sancionador. Principalmente, em atendimento a uma responsabilidade penal da pessoa jurídica, frente as figuras delitivas que se cometem quotidianamente, mediante a utilização de organizações coletivas transnacionais. É um imperativo de necessidade real para tirar o Direito Penal Clássico da sua situação de hipertrofia, frente a uma delinqüência organizada sem fronteiras, que parece mais um inimigo invisível não sujeito a qualquer instrumento punitivo estatal. Embora, todos saibam que o sujeito, ou inimigo invisível, pertença ao ciclo social daqueles que fazem a lei, daqueles que operam a lei e daqueles que julgam os atos do cidadão constituinte.

            Provavelmente, o caminho a ser percorrido para uma reformulação do princípio da culpabilidade, passe, realmente, pela discussão atual, na aplicação de sanções de caráter penal às pessoas jurídicas, que se tem vislumbrado em dois tópicos fundamentais: a legitimação de uma sanção com base no princípio do estado de necessidade de proteção ao bem jurídico (SCHUNEMANN), ou uma possível aplicação de medida de segurança baseada na construção de uma nova fundamentação orientada para os critérios de prevenção geral (STRATENWERTH).

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            Essa construção de uma nova fundamentação – buscando dar vida ao princípio da culpabilidade – se desenvolve numa ramificação que merece a reedição sistemática de estudos científicos, que tem como objeto de seus estudos as seguintes concepções: a aplicação de uma sanção penal se culpabilidade fundada na responsabilidade de um estado de necessidade de proteção ao bem jurídico e aplicação de medida de segurança de caráter preventivo; de uma capacidade de culpabilidade estruturada na culpabilidade por defeito de organização e pela culpabilidade própria da pessoa jurídica.

            Enfim, o que não pode é continuar o Direito Penal Clássico, utilizando-se do princípio normativo da culpabilidade para a aplicação de sanções tanto às pessoas físicas quanto jurídicas. Portanto, se apresenta como imperativo social uma ruptura com o princípio societas delinquere non potest, com a devida reestruturação do ordenamento jurídico para o princípio ocietas deliquere potest, o que significa dizer, em outras palavras, uma reforma na Parte Geral do Código Penal e uma reestruturação do ordenamento processual penal.

            A condição de dirigente da pessoa jurídica não é suficiente para ensejar a responsabilidade penal pelos ilícitos no âmbito desta cometidos. Ademais, é inadmissível a presunção de dolo como decorrência do interesse da empresa na obtenção de lucros.

            4.2.ANÁLISE DO ART. 11 DA LEI nº 8137/90 E ART. 135 e ss. DO CTN

            Código Tributário Nacional dispõem em três artigos a responsabilidade por infrações tributárias (artigos 136 a 138).

            De acordo com o artigo 136 do Código Tributário Nacional, inverbis: "Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato". Através deste artigo, pode-se concluir que a responsabilidade por infrações tributárias é objetivo, já que não é necessário a presença de elemento subjetivo (dolo ou culpa).

            Aduz Luciano Amaro, a expressão "agente ou responsável" supõe que o executor material de certo ato ilícito pode estar agindo em seu nome e por sua conta, ou como representante de terceiro. Reza o Código que a responsabilidade por infração (ou seja, a sujeição às conseqüências do ato) independe da intenção do agente (executor material) ou do responsável (outra pessoa, em nome e por conta de quem o agente atue).

            Por outro lado, o Código Tributário Nacional dá ao artigo 136 o caráter de norma supletiva, admitindo que a lei disponha em contrário. Assim, o referido artigo acaba abrindo brecha para que a legislação ordinária posicione-se de forma contrária. Nesse sentido, tem destaque o artigo 11, CAPUT da Lei nº 8.137, de 27/12/1990, inverbis: "Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade". A referida Lei trata dos crimes contra as relações de consumo. Diante do exposto no artigo 11 da Lei em análise, tem-se que a responsabilidade não é objetiva, e sim subjetiva, à medida que, é levada em conta a questão da culpabilidade do agente (dolo ou culpa).

            4.4 Fundamentos para uma responsabilidade subjetiva:

            Para que haja uma responsabilização subjetiva é imprescindível que sejam levados em conta o dolo e a culpa por parte do agente que cometeu o delito tributário.

            Para a doutrina, a questão em tela, é vista dependendo da análise feita ao caso concreto. Através do Código Tributário nacional, em regra, tem-se uma análise objetiva da responsabilidade quanto aos crimes tributários, já em relação a Lei 8.137, de 1990, essencialmente em seu artigo 11, a responsabilidade é vista sob o foro subjetivo.

            Para a Jurisprudência tem-se o seguinte exemplo de entendimento:

            "Inexistência de conduta dolosa com a intenção de fraudar o Fisco. Operação tributária realizada, apesar de divergente, segundo o entendimento do contribuinte com o Fisco, não pode ser admitida como elemento informador do crime tributário, pois, caso assim se entenda, estará vigindo a culpa objetiva. Se o Fisco crê ser o diferimento indevido ou mesmo ter ocorrido escrituração equivocada, deverá impor a multa competente, porém, esta circunstância não reflete o agir daquele que quer cometer o delito. Absolvição decretada. Apelação Criminal nº 201.202-3/9"

(Tribunal de Justiça de São Paulo, Sonegação Fiscal – Não caracterização – Distinção do Ilícito Administrativo e do Penal).

            É importante destacar que, para o deslinde correto da ação penal, não devem ser confundidos o ilícito administrativo e o penal. No primeiro, exclui-se o dolo, como característica essencial para a sua admissão, o mesmo não pode ocorrer quanto a figura penal.

            De forma efetiva, não há nenhuma possibilidade de reconhecimento da responsabilidade penal nos crimes tributários, sem que haja a prova concreta de que o acusado agiu de forma dolosa.

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Sobre os autores
Alice Teles

bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano

Fábio Bertolo

bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano

Franciane Azzulin

bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TELES, Alice ; BERTOLO, Fábio et al. Responsabilidade nos crimes tributários:: a (in)admissibilidade da responsabilização objetiva do agente ativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1125, 31 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8723. Acesso em: 24 nov. 2024.

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