Obrigações condominiais do espólio

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Por se destinarem à manutenção e à conservação do próprio bem, taxas e despesas condominiais devem ser pagas no curso do processo de inventário, antes mesmo de realizada a partilha. Esta é a ideia que se pretende defender neste breve artigo.

Situação comum experimentada por síndicos e administradores de condomínios edilícios ocorre quando, falecido determinado condômino e instaurado processo judicial de inventário, herdeiros e/ou inventariante suspendem indefinidamente os pagamentos de taxas e demais despesas de condomínio. E isso, muitas vezes, mesmo quando o imóvel se encontra ocupado por herdeiros, locatários, etc.

A referida suspensão de pagamentos, em razão de falecimento de condômino, não é permitida ou prevista em lei e os condomínios precisam estar atentos e se proteger contra este tipo de situação imposta unilateralmente pelo espólio.

Por se destinarem à manutenção e à conservação do próprio bem, taxas e despesas condominiais devem ser pagas no curso do processo de inventário, antes mesmo de realizada a partilha. Esta é a ideia que se pretende defender neste breve artigo.

Para tanto, importa considerar, em primeiro lugar, que desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante, conforme previsto pelo artigo 1.991 do Código Civil.

Em razão desse mister, os artigos 618, II, e 619, III e IV, do Código de Processo Civil, impõem ao inventariante o dever de velar os bens do espólio com a mesma diligência que teria se seus fossem e, por isso mesmo, cumprir com as despesas necessárias para a conservação e o melhoramento dos bens do espólio, pagando-lhe inclusive as dívidas. Se assim não proceder e, por culpa sua, bens do espólio se deteriorarem, forem dilapidados ou sofrerem dano, o inventariante será removido do encargo, consoante previsão do mesmo CPC, artigo 622, inciso III.

Ocorre que a má administração da herança pode terminar permitindo que imóvel integrante do espólio seja literalmente consumido por débito condominial inadimplido durante anos, a ponto de o valor da dívida condominial ultrapassar o valor do próprio bem imóvel. Consideramos esse tipo de dano – perda do bem por dívidas – o maior e o mais grave que pode haver para o estudo aqui proposto.

A perda do bem para dívidas condominiais prejudica não apenas herdeiros, mas também e principalmente toda a coletividade de condôminos, que, durante o período de inadimplência, arcará com as despesas comuns que deveriam ser rateadas entre todos coproprietários.

Afinal, “interessando a todos a manutenção e conservação do edifício, é de princípio que a todos os condôminos compete concorrer, na proporção de sua parte, para as respectivas despesas” (Condomínio e incorporações, Caio Mário da Silva Pereira; atualização Sylvio Capanema de Souza; Melhim Namem Chalhub, 13.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 113/114).

A ideia, em outras palavras, é prestigiar a “solidariedade condominial, a fim de que seja permitida a continuidade e manutenção do próprio condomínio, impedindo a ruptura da sua estabilidade econômico-financeira, que prejudicaria a todos os comunheiros” (REsp Nº 1.696.704 - PR).

Vale dizer, tratando-se de despesas inerentes à própria conservação do bem, o inventariante tem obrigação de legal de assim proceder, inclusive, e isso é importante destacar, para não onerar o espólio com a incidência de juros, multa e outros encargos próprios da mora.

Por qualquer ângulo que se examine a questão, e apesar de entendimento minoritário da jurisprudência, não há vedação legal a que dívidas condominiais de imóvel integrante do espólio sejam pagas no decorrer do próprio processo de inventário, vale dizer, antes de ultimada a partilha.

É o que está previsto no Código Civil, no § 1º de seu artigo 1.997[1] ao autorizar o pagamento de “dívidas constantes de documentos, revestidos de formalidades legais, constituindo prova bastante da obrigação”, só se devendo rejeitar, no caso de taxas condominiais, aquelas que forem objeto de impugnação fundadas em prova de efetivo pagamento.

Se, no caso de taxas condominiais ordinárias previstas em lei[2], eventual impugnação do inventariante ou herdeiros não se fizer acompanhar de prova de inequívoca de quitação, o juízo inventariante deverá rejeitar a impugnação e ordenar o pagamento de imediato.

Não se trata, pois, de requerer habilitação de crédito para quitação futura, mas sim de requerer, e de ver deferido, imediato pagamento dos débitos condominiais. E se a dívida condominial for paga diretamente pelos herdeiros, estes “têm direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fizeram”, sendo que, de igual modo, “respondem pelo dano a que, por dolo ou culpa, deram causa” (Código Civil, artigo 2.020).

É nessa linha também a regra dos artigos 619 e 796 do Código de Processo Civil, de modo que a esse respeito comumente se decide ser “Viável a liberação de valor que se destina a saldar despesas relativas aos bens do espólio efetivamente comprovadas, diante de eventual risco de deterioração dos imóveis até a efetiva partilha”, uma vez que ”figurando o inventariante, ora agravante, como administrador de bens alheios, possui o dever de prestar contas quanto à origem dos créditos e débitos vinculados ao espólio (art. 991, VII do CPC) o que vem resguardar o direito dos demais herdeiros quanto a eventual reclamo de prejuízos advindos de uma gestão temerária” (TJ-PE - Agravo de Instrumento AI 4178794 PE (TJ-PE) Data de publicação: 31/03/2016).

Mostra-se ruinoso argumento no sentido de que débito condominial de imóvel pertencente a espólio deva aguardar a partilha para ser pago. Fosse assim, faturas de consumo de energia elétrica, água e esgoto, e, ainda, encargos trabalhistas de empregados que atendem ao bem inventariado, também poderiam contar com essa suspensão tanto ilegal quanto iníqua de exigibilidade.

Verificada a hipótese de inadimplência de taxa condominial em situação imediata a de falecimento de determinado condômino, compete a administradores e síndicos adotar providências aptas a assegurar célere retorno das contas à normalidade.

A primeira delas, conforme exposto, é requerer o pagamento da dívida condominial perante o próprio juízo do processo de inventário, na forma autorizada pelos já referidos artigos 1.997, § 1º, do Código Civil, e 618, II, e 619, III e IV, 622, III, e 796 do Código de Processo Civil, inclusive sob pena de remoção do inventariante.

Na hipótese de o pedido formulado nos moldes acima ser indeferido (decisão passível de recurso) ou, o que é pior, não ser enfrentado pelo juízo inventariante por qualquer motivo a tempo e modo devidos, deve-se promover a imediata cobrança executiva das taxas inadimplidas, acionando-se o espólio, representado pelo inventariante (CPC 75, VII).

É possível acionar também os próprios herdeiros, caso o processo de inventário judicial ainda não tenha sido instaurado, como também eventuais moradores ocupantes do imóvel inventariado, já que “a obrigação propter rem é dotada de ambulatoriedade, ou, ainda, que se trata, ela mesma, de obrigação ambulatória. Assim, independentemente da vontade dos envolvidos, a obrigação de satisfazer determinadas prestações acompanha a coisa em todas as suas mutações subjetivas” (REsp Nº 1.696.704 - PR), e, nesse contexto, “são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou ainda pelo titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo, a fruição, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio” (REsp nº 1.345.331/RS).

De há muito tempo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça confirma que o processo de inventário não representa óbice ao prosseguimento do processo executivo junto a juízo outro que não o inventariante, uma vez que “a habilitação de crédito contra o espólio, no juízo do inventário, é mera faculdade concedida ao credor, que pode livremente optar por propor ação de cobrança e posterior execução” (REsp 921603/SC), inexistindo, pois, “irregularidades na penhora direta de bens do espólio quando consequente de dívidas contraídas pelo de cujus” (REsp 1446893 / SP).

Vale notar, a propósito da ação de execução de taxas condominiais, que “o art. 784, inc. X [do Código de Processo Civil de 2015, Lei 13.105/2015], atendeu à velha aspiração dos síndicos e administradores, incluindo as contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, “previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovados”, rol dos títulos executivos extrajudiciais” (Condomínio e incorporações, Caio Mário da Silva Pereira; atualização Sylvio Capanema de Souza; Melhim Namem Chalhub, 13.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 159).

Visando contribuir para celeridade e sucesso de medida judicial de execução de taxas impagas, convém à administração condominial manter prévio, rigoroso e atualizado cadastro das unidades imobiliárias integrantes do condomínio, com informações sobre número de matrícula imobiliária e de inscrição municipal de cada unidade, nome e número de CPF e RG de cada proprietário e também de moradores e ocupantes das unidades (locatários, parentes dos proprietários, etc.) e, ainda, de preferência, cópia de certidão da matrícula imobiliária de cada unidade.

Isso porque, no âmbito dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, juízo comumente utilizado para ajuizamento de ações de execução de taxas condominiais, exige-se que as petições iniciais contenham tais informações e que sejam acompanhadas de cópia de certidão imobiliária e da convenção condominial registrada em cartório de imóveis (Código Civil, Art. 1.333, parágrafo único).

Satisfeitas tais exigências para ajuizamento de ação executiva de taxas inadimplidas, é imprescindível que o pedido executivo compreenda o pagamento não apenas das taxas vencidas, mas também das taxas que se vencerem durante o processo judicial. Caso o pedido executivo se limite às taxas vencidas, “a disposição do art. 784, inc. X. do NCPC será de muito pouca utilidade, já que exigirá o ajuizamento de sucessivas execuções, o que onerará o condomínio, ou de ações de cobrança pelo rito ordinário” (Condomínio e incorporações, Caio Mário da Silva Pereira; atualização Sylvio Capanema de Souza; Melhim Namem Chalhub, 13.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 160).

Se ainda hoje o judiciário resiste ao requerimento de inclusão de taxas condominiais vincendas no pedido de execução sob o argumento de que, à luz do CPC 783[3], não se pode executar obrigação inexigível, importa registrar que essa resistência há muito não encontra mais qualquer razão de ser.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o RECURSO ESPECIAL Nº 1.756.791 - RS, já reconheceu, em voto de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que “deve-se admitir a aplicação do art. 323 do CPC/2015 ao processo de execução[4], pois esse entendimento “está em consonância com os princípios da efetividade e da economia processual, evitando o ajuizamento de novas execuções com base em uma mesma relação jurídica obrigacional, o que sobrecarregaria ainda mais o Poder Judiciário”. Vale conferir breve trecho do voto condutor do acórdão aqui em foco:

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“Com efeito, e contrariamente ao entendimento perfilhado pela Corte local, deve-se admitir a aplicação do art. 323 do CPC/2015 ao processo de execução.

A um, porque o novo código processual, na parte que regula o procedimento da execução fundada em título executivo extrajudicial, admite, em seu art. 771, a aplicação subsidiária das disposições concernentes ao processo de conhecimento à lide executiva.

A dois, porque também dispõe, na parte que regulamenta sobre o processo de conhecimento, que o procedimento comum se aplica subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução (art. 318, parágrafo único, do CPC/2015)”.

Além de requerer a execução do débito condominial vencido e vincendo, deve-se igualmente requerer penhora do imóvel por termo nos autos (CPC 845, § 1º[5]) para a hipótese de as providências de bloqueio de contas bancárias e aplicações financeiras via SISBAJUD[6] restarem frustradas, o que quase sempre ocorre.

Note-se que ao evitar “o ajuizamento de novas execuções com base em uma mesma relação jurídica obrigacional, o que sobrecarregaria ainda mais o Poder Judiciário[7], o pedido de pagamento das taxas vencidas e das que se vencerem durante o curso do processo também será conveniente à fase de alienação do bem em leilão judicial ou por iniciativa particular[8], por permitir a concentração de todos os atos voltados à satisfação do condomínio credor em um único processo, até mesmo porque a alienação ou transferência de direitos do imóvel devedor dependerá de prova de quitação das obrigações do imóvel para com o respectivo condomínio[9]

E uma vez alienado imóvel integrante do espólio, do valor arrecado deve ser abatido o montante necessário ao pagamento dos débitos de IPTU e de condomínio[10], sendo que o saldo deverá ser depositado à disposição do juízo do processo de inventário para fins posterior de partilha entre os herdeiros.

CONCLUSÃO

Como afirmado, o requerimento de pagamento de dívida condominial de bem integrante de espólio deve ser formulado e prontamente deferido pelo juízo inventariante no próprio processo de inventário, independentemente de habilitação de crédito e antes de realizada a partilha, inclusive, em caso de resistência infundada, sob pena de remoção do inventariante.

Apenas na hipótese de insucesso ou de não processamento adequado de tal requerimento é que se deve promover cobrança executiva das taxas e demais despesas de condomínio, inclusive dos débitos vincendos, até que, ao final, com a alienação do bem, sejam quitadas as dívidas que incidem sobre o imóvel.  

REFERÊNCIAS

[1] Código Civil Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube. § 1 o Quando, antes da partilha, for requerido no inventário o pagamento de dívidas constantes de documentos, revestidos de formalidades legais, constituindo prova bastante da obrigação, e houver impugnação, que não se funde na alegação de pagamento, acompanhada de prova valiosa, o juiz mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para solução do débito, sobre os quais venha a recair oportunamente a execução.

[2] Lei 4.591/64 Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio. Código Civil artigos 1.334, inciso I e 1.336, inciso I.

[3]  CPC Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.

[4] CPC Art. 323. Na ação que tiver por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, essas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar a obrigação, se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.

[5] CPC Art. 845. Efetuar-se-á a penhora onde se encontrem os bens, ainda que sob a posse, a detenção ou a guarda de terceiros. § 1º A penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, quando apresentada certidão da respectiva matrícula, e a penhora de veículos automotores, quando apresentada certidão que ateste a sua existência, serão realizadas por termo nos autos.

[6] https://www.cnj.jus.br/sistemas/sisbajud/

[7] RECURSO ESPECIAL Nº 1.756.791 - RS (2018/0189712-8)

[8] CPC 879

[9] Lei 4.591/64, artigo 4º, parágrafo único c/c CC Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

[10] CPC Art. 908. Havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências. § 1º No caso de adjudicação ou alienação, os créditos que recaem sobre o bem, inclusive os de natureza propter rem, sub-rogam-se sobre o respectivo preço, observada a ordem de preferência. CTN Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação. Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

Sobre o autor
Iuri Vasconcelos Barros de Brito

Advogado. Sócio do escritório Rodrigues & Vasconcelos Advogados. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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