Ao alugar um imóvel, o inquilino deve fornecer garantias para o proprietário, caso ocorra algum contratempo com o pagamento. O “caução aluguel” ou “depósito caução” é uma dessas seguranças locatícias. Nessa modalidade, o dono pode exigir até três aluguéis depositados antecipadamente. Também é possível oferecer como finança propriedades rurais, imóveis residenciais e salas comerciais.
Pela Lei do Inquilinato, número 8.245/1991, é o locador quem escolhe o tipo de proteção locatícia e não o inquilino. As outras três formas são: fiança, seguro fiança e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
Há a caução hipotecária.
Nesse caso, a garantia é dada por meio da hipoteca de um imóvel, que fica atrelado ao contrato de locação, assim, o bem pode ser penhorado se o inquilino se tornar devedor. Ele deverá apresentar um imóvel quitado com escritura pública, para a realização da hipoteca diretamente no cartório a fim de registrar na matrícula do bem-apresentado como garantia.
Se não restar nenhum débito relativo à locação, na rescisão do contrato deve haver a emissão de uma carta, com o intuito de dar baixa na hipoteca e liberar o imóvel da restrição.
Discute-se sobre a natureza da caução locatícia prevista no artigo 38, §1º, da Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato – LI), se de direito real ou de direito pessoal, e seu acesso ao Fólio Real, através de registro ou de averbação. A doutrina é uma das mais controvertidas. Pelo estudo realizado, considera-se que existem três posicionamentos.
Embora a lei estabeleça que “A caução em bens imóveis deverá ser averbada à margem da respectiva matrícula.”, o primeiro entendimento afirma que se a caução locatícia envolver um bem imóvel deve ser formalizada por escritura pública, a qual deverá ser registrada para gerar um direito real de garantia – a hipoteca (caução real). Esta corrente preleciona que somente assim estará atendida a intenção das partes e, principalmente, o interesse do locador, que ficará garantido pelo pagamento dos aluguéis.
Maria Helena Diniz (Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. Editora Saraiva, 1995, p. 137)comentando o artigo 38 da LI, ensinou que:
“O artigo sub examine cuida da caução real como garantia da locação. A ideia de caução real liga-se ao patrimônio ou aos bens do próprio devedor ou de outrem. Esta caução se dará quando o próprio devedor, ou alguém por ele, destina todo ou parte de seu patrimônio para assegurar o cumprimento da obrigação contraída. Se incidir sobre bem móvel do locatário, ter-se-á penhor, se recair sobre bem imóvel seu, configurar-se-á hipoteca, e se disser respeito ao usufruto desse imóvel, constituir-se-á anticrese.”.
Alguns Magistrados adotam a mesma ideia.
Entre eles, o Desembargador Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, in Hipoteca, Aide Editora, 1996, p. 12, prevê que:
“Na Lei de Locações (Lei nº 8.245, de 18-10-1991), há indicação das garantias locatícias, entre elas a fiança, o seguro fiança locatícia e a caução sobre bens móveis e imóveis. Esta última, a caução imobiliária, é direito real de hipoteca.”.
Já o Desembargador Sylvio Capanema de Souza, na obra intitulada “A Nova Lei do Inquilinato Comentada”, publicada pela Editora Forense, 1993, p. 149, afirma que “Poderá, ainda o locatário oferecer em garantia bens imóveis, seus ou de terceiros, o que equivale à hipoteca.”.
Afirmou Antonio Rigolin, Juiz de Alçada, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 611602-00/3, da 7ª Câmara do 2º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, publicado no DJSP, em 17.3.2000, p. 144, publicado no Diário das Leis Imobiliário (BDI) número 31 – 1ºdecêndio novembro/2000, p. 17, o que segue:
“Dentre as garantias locatícias, o artigo 37 da Lei nº 8.245/91, prevê possibilidade de ser prestada a caução. Na eventualidade de recair em bens imóveis, faz-se necessária a averbação à margem da respectiva matrícula, evidentemente para ter eficácia ´erga omnes´, de modo a assegurar ao credor o direito de seqüela (art. 38, par. 1º) .”.
Mas há uma outra opinião que prevê que a caução locatícia de bem imóvel deverá ser averbada no Álbum Imobiliário, por força do artigo 38, §1º, da Lei do Inquilinato, e não gera direito real algum, mas um direito pessoal, quando da apresentação de um contrato de locação que preveja esta modalidade de garantia, livremente convencionada pelas partes, inclusive aceita pelo locador, para fins de publicidade e de eficácia perante terceiros (art. 172 da Lei nº 6.015/73 – Lei dos Registros Públicos - LRP).
Entende-se assim que a caução de um bem imóvel do locatário ou de terceiro dado em garantia pessoal a favor do locador, no próprio contrato, não permite a este excutir diretamente a garantia, buscando a própria coisa para satisfazer seu crédito no caso do inadimplemento contratual do locatário, porque garantia real não é. Assim, a garantia do locador é frente aos contratantes, enquanto não for alterada a titularidade da coisa (art. 39 da LI), bem como a de exigir uma nova no caso de alienação do bem dado em garantia (art. 40, VII, da LI). Todavia, vislumbra-se que a caução locatícia tem o condão de garantir ao locador o recebimento dos locativos devidos enquanto não alienada a coisa, pois, se isto ocorrer, cessará a garantia, devendo o locador exigir outra e o locatário prestá-la.
Esse imóvel dado em caução locatícia pode ser penhorado?
Trago duas decisões emanadas do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Imóvel oferecido em garantia a contrato de locação. Bem de família. Exceção à regra da impenhorabilidade. Oferecimento em garantia pelos próprios executados. Renúncia à impenhorabilidade. Venire contra factum proprium. Postura incompatível com a lealdade e boa-fé processual. Precedentes do E. STJ. Decisão mantida. Recurso improvido.”. (Agravo de Instrumento nº 2089102-72.2018.8.26.000, rel. Des. Walter Cesar Exner, DJe 05.07.2018).
“Agravo de instrumento. Locação. Cumprimento de sentença. Caução de bem imóvel. Desnecessidade de integração do caucionante no polo passivo da fase de conhecimento. Garantia que possui natureza de direito real e não se confunde com fiança. Impenhorabilidade do bem de família. Descabimento. A indicação do imóvel como garantia em contrato de locação implica renúncia ao benefício da impenhorabilidade do bem de família. Exceção que se equipara à hipótese do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90. Boa-fé objetiva. Vedação à conduta contraditória. Recurso desprovido.” (Agravo de Instrumento nº 2022631-74.2018.8.26.000, rel. Des. Milton Carvalho, Dje 21.03.2018).
Sérgio Iglesias (Impenhorabilidade do imóvel do fiador e penhora de imóvel caucionado nas locações imobiliárias) já dizia:
“Embora haja posição parcial da jurisprudência com repercussão geral, inclusive, do STJ e do STF, bem como existente Súmula do Tribunal Bandeirante no sentido de que o único imóvel do fiador seja penhorável por dívidas de contrato de locação e também do STJ na Súmula 549, sempre defendeu-se, respeitada a posição em sentido contrário, de forma diversa.
O único imóvel do fiador não poderá ser modalidade de garantia válida para assegurar dívidas oriundas de contrato de locação, especialmente, se for hipótese de dívida de locação de natureza comercial/empresarial.
Isso porque, há afetação do bem da moradia e a fiança é uma modalidade de garantia fidejussória, logo, pessoal e sem individualização do objeto. E não se admite interpretação extensiva de modo a incluir como penhorável o bem de família.
O inciso VII do art. 3o da Lei 8.009/90 merece ser extirpado de nosso ordenamento jurídico.”
Ainda para Iglesias (obra citada) a modalidade de garantia de caução é regida pelo art. 38 da Lei 8.245/91.
A caução permite a retirada do caucionante do exercício da habitação que incide sobre determinado imóvel específico expressamente dado em garantia. Aqui, aplica-se a liberdade contratual, a autonomia da vontade sobre a disposição de um determinado bem individualizado, obedecida determinada forma legal (instrumento público) e, para efeitos perante terceiros, averbado no fólio real. Logo, não poderá ser alegada impenhorabilidade do imóvel caucionado sob o argumento de bem de família ou à luz do direito à moradia, por afrontar ao princípio do "venire contra factum proprium" e ao princípio da boa-fé objetiva contratual, fundamento basilar da eticidade.
Outra é a posição do STJ.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ deu provimento ao recurso especial de um terceiro em relação de locação de imóvel, que teve a penhora de seu imóvel oferecido com caução deferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP.
O entendimento da corte é de que as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, previstas na Lei 8.009/1990, são taxativas e não comportam interpretação extensiva. Por isso, não é possível penhorar imóvel oferecido como caução em contrato de locação.
Em primeira instância, a corte paulista entendeu que seria descabida a alegação de impenhorabilidade do bem de família, pois a caução do bem imóvel no contrato de locação configura hipoteca, que é hipótese de exceção à regra de impenhorabilidade, segundo o inciso V do artigo 3º da Lei 8.009/1990.
Relatora, a ministra Nancy Andrighi corrigiu o entendimento porque a norma só incide em caso de hipoteca dada em garantia de dívida própria, e não de dívida de terceiro. No mais, a lei se limita a admitir a penhora por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, conforme o inciso VII.
“Considerando que a possibilidade de expropriação do imóvel residencial é exceção à garantia da impenhorabilidade, a interpretação às ressalvas legais deve ser restritiva, sobretudo na hipótese sob exame, em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas”, concluiu.
O julgamento se deu no REsp 1.873.203 – SP (2020/0106938-8).
Assim se lê sua ementa:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. CAUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE.
- Ação de execução de título executivo extrajudicial – contrato de locação.
- Ação ajuizada em 05/08/2019. Recurso especial concluso ao gabinete em 16/07/2020. Julgamento: CPC/2015.
- O propósito recursal é definir se imóvel – alegadamente bem de família – oferecido como caução imobiliária em contrato de locação pode ser objeto de penhora.
- Em se tratando de caução, em contratos de locação, não há que se falar na possibilidade de penhora do imóvel residencial familiar.
- Recurso especial conhecido e provido.
Desta forma, no caso do imóvel bem de família ser penhorado para o pagamento de dívida decorrente de locação imobiliária, ainda que esta seja feita em benefício do casal ou da entidade familiar, poderão ser opostas medidas judiciais no sentido de suspender a penhora.
Assim tem-se que:
1. Nos termos do art. 37 da Lei 8.245/91, no contrato de locação de imóveis urbanos podem ser exigidos pelo locador certas modalidades de garantia, podendo-se citar, dentre elas, a caução (inciso I) e a fiança (inciso II).
2. Em paralelo, mister destacar, também, que a Lei 8.245/91 inseriu o inciso VII ao art. 3º da Lei 8.009/90, que dispõe acerca de exceções à regra geral da impenhorabilidade do bem de família, fazendo constar que a penhora do bem de família será autorizada quando se tratar de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Considerando que a possibilidade de expropriação do imóvel residencial é exceção à garantia da impenhorabilidade, a interpretação às ressalvas legais deve ser restritiva, sobretudo na hipótese sob exame, em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas (REsp 866.027/SP, 5ª Turma , DJ 29/10/2007).
No mesmo sentido, citam-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CAUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. NORMA COGENTE. IMPROVIMENTO.
1. Esta Corte possui firme entendimento de que em se tratando de caução, em contratos de locação, não há que se falar na possibilidade de penhora do imóvel residencial familiar.
2. Agravo Regimental improvido (AgRg no REsp 1.334.693/SP, 3ª Turma , DJe 01/08/2013).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CAUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. NORMA COGENTE.
1. Esta Corte possui firme entendimento de que em se tratando de caução, em contratos de locação, não há que se falar na possibilidade de penhora do imóvel residencial familiar.
2. Ressalta-se que a indicação do imóvel como garantia não implica em renúncia ao benefício da impenhorabilidade do bem de família, em razão da natureza de norma cogente, prevista na Lei n.º 8.009/90.
3. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.108.749/SP, 6ª Turma , DJe 31/08/2009).
Poder-se-ia não entender q que a caução imobiliária prestada configuraria hipoteca - hipótese em que o benefício da impenhorabilidade não seria oponível -, uma vez que, como mesmo perfilhado pela jurisprudência desta Corte Superior, a penhorabilidade excepcional do bem de família, de que cogita o art. 3º, V, da Lei 8.009/90, só incide em caso de hipoteca dada em garantia de dívida própria, e não de dívida de terceiro (AgInt no AREsp 1.551.138/SP, 4ª Turma, DJe 13/03/2020; e AgRg no REsp 1.543.221/PR, 3ª Turma , DJe 09/12/2015).