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Processo administrativo:

os direitos dos administrados

28/08/2006 às 00:00
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            Os processos administrativos seguem, na rotina da burocracia, caminhos que nem sempre têm lógica. Funcionários, temerosos de responsabilidade pessoal, resguardam ao extremo os interesses da Administração (que às vezes nada mais são do que os interesses do chefe imediato), desconsiderando, na seqüência, os interesses legítimos e os direitos dos cidadãos.

            Por isso é importante conhecer o que enuncia a Lei do Processo Administrativo - Lei nº 9.784/99. Mesmo que seja uma lei federal (e não lei nacional), serve de referência para todos os processos no país.


DIREITO AO RESPEITO

            CAPÍTULO II (da Lei nº 9.784/99)

            DOS DIREITOS DOS ADMINISTRADOS

            Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

            I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;

            Veja-se que o respeito é imperativo. Os servidores públicos, a propósito, no elenco de deveres que constam nos seus respectivos estatutos, têm que cumprir o dever de urbanidade. Isto é, devem desenvolver um tratamento cordial, respeitoso, sob pena de responderem a processo disciplinar e serem punidos. Isso vale em todos os níveis da Administração Pública - na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios. E não vale apenas para funcionários, mas também para autoridades, uma vez que estas estão atreladas às características que regem os serviços públicos, dentre elas a CORTESIA..

            Portanto, o advogado tem, na Lei e na doutrina, elementos para cobrar respeito ao seu constituinte. O pleito pode ser denegado, mas o cidadão tem o direito subjetivo ao respeito.

            No caso de perceber descumprimento dessa regra, o advogado pode apresentar REPRESENTAÇÃO à autoridade administrativa, expondo os fatos, citando o direito e requerendo a instauração imediata de processo disciplinar contra o funcionário faltoso.


DIREITO À INFORMAÇÃO

            II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;

            Além das prerrogativas que o advogado tem, de ter vista de processo de qualquer natureza, mesmo sem procuração, de obter cópias e fazer anotações, o próprio cidadão tem o direito de acompanhar o processo do seu interesse. Em lhe sendo negado, está-se diante a flagrante caso de ilegalidade. Por ser direito líquido e certo, pode ser enfrentado via mandado de segurança.

            Veja-se que não raro ocorre a negativa de vista do processo administrativo até mesmo a advogado constituído. O STJ já teve que se pronunciar a respeito, em recurso no qual a Administração insistia em negar vista de processo a duas advogadas devidamente credenciadas para a defesa. E isso foi em Brasília, em plena Esplanada dos Ministérios. Fácil, portanto, entender a importância do advogado estar bem informado sobre esses fatos, para saber enfrentá-los a altura (com elegância e com firmeza).


DIREITO A APRESENTAR ALEGAÇÕES FINAIS E JUNTAR DOCUMENTOS

            III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;

            Isto é muito importante. Manuais elaborados internamente, em órgãos da Administração Pública, muitas vezes estabelecem ritos aos processos violando garantias que estão na lei e na própria Constituição. Uma delas é a oportunidade de apresentar documentos enquanto a causa não for decidida.

            Quer-se impor, em várias ocasiões, aquilo que é regra no processo civil e no processo trabalhista: o autor apresenta documentos com a inicial; o réu apresenta documentos com a contestação. Depois, não mais. Isso não vale para o processo administrativo.

            Entenda-se, então, que estamos, aqui, trabalhando com o processo administrativo, que tem princípios diferentes dos processos que tramitam nos campos cível e trabalhista. Um deles é a irrelevância das formalidades quando em confronto com o esclarecimento da causa. O que vale é a certeza do mérito.

            É claro que o advogado não deve abusar. Mas o patrono da causa pode, quando relevante para a decisão administrativa, requerer a juntada de novos documentos até o momento que anteceder a decisão.

            Repetimos a advertência: não se faça isso por abuso; use-se entretanto esse direito, quando necessário para que a causa seja melhor esclarecida.


DIREITO À ASSISTÊNCIA DE ADVOGADO

            IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.

            Mesmo não sendo obrigatória a presença do advogado nos processos administrativos, não é difícil compreender quão importante será o seu trabalho (desde, é claro, que esteja preparado para esse tipo de causa).

            Pela confusão que é o processo, pela falta de lógica, sobre a qual temos repetidamente falado, o socorro técnico do profissional de Direito pode ser indispensável na prática. Ou o cidadão vai ser ignorado no seu pleito; vai ser desconsiderado em direito claro que possui. Ou vai amargar uma espera de dez anos para ter uma resposta que poderia obter em um mês.

            Somos, de um lado, pela presença do advogado nos processos administrativos. Quando o processo for disciplinar, então, essa relevância se impõe. Ali, mesmo dispensada por lei, a defesa técnica pode mudar completamente o resultado. Por outro lado, sentimo-nos no dever de deixar claro que o patrocínio por advogado só se justifica se for um profissional identificado com esse tipo de processo. Um civilista, por exemplo, talvez mais atrapalhe do que ajude. A sua experiência é outra. Haverá um choque de conceitos, de princípios... Ele será capaz de criar incidentes onde não há, arrastando o processo para outro lado, com uma demora de resultado sem necessidade; ou deixará de atacar pontos que, no processo civil, seriam normais, mas não no processo administrativo, onde imperam outros valores.


O SERVIDOR CIDADÃO

            O exercício da cidadania passa pelo respeito que a Administração Pública - e os seus agentes - têm que ter para com os administrados. Nessa linha, é fundamental que o advogado examine o texto a seguir, onde damos enfoque ao que chamamos de servidor-cidadão. Isto é, um estudo sobre o funcionário e o seu dever diante à sociedade.

            Esse material servirá tanto para ampliar o conhecimento do profissional, quando servirá, com os seus elementos, para fundamentar sustentações diante a irregularidades, abusos, ilegalidades.

            O serviço público não pode ser mecânico e irracional. A Administração precisa implantar na consciência dos seus agentes o respeito aos valores da cidadania e da humanidade.

            A imagem do servidor público tem sido profundamente desgastada. É inspiração de piadas, de quadros de humor em programas televisivos, de esterótipos na literatura e de letras da música popular, que o associam à lentidão e ao descompromisso. O próprio Governo Federal, há mais de uma década, insiste em atribuir aos seus agentes a culpa pela ineficiência da Administração, lançando-os ao ridículo perante a sociedade.

            A regra, todavia, não é essa. No serviço público deste país, em todos os níveis, são encontradas pessoas da maior qualificação, honradas e dispostas a apresentar resultados à sociedade que lhes paga. Os desvios são essencialmente do sistema, da ausência de apoio àqueles que verdadeiramente querem produzir, da má política de motivação e treinamento para os outros, do desprestígio que as autoridades devotam ao quadro técnico das suas instituições, do desleixo como os recursos humanos são vistos por quantos detém transitoriamente o poder.

            A Constituição Federal previu a criação de escolas de governo. Quantas existem? São raras e desestruturadas. Os concursos para acesso aos cargos públicos são fantasiosos. Levam, muitas vezes, os candidatos a esmiuçarem questões de geografia mundial, sem que lhes seja exigido o conhecimento do básico do local onde irão prestar o serviço. São capazes de relatar nomes e descendência dos faraós do Egito, mas não são provocados a identificar, pelo menos, três ministros de Estado. Conhecem a história dos presidentes dos Estados Unidos da América e não têm o estímulo para conhecer o histórico da organização para cujo quadro estão a se habilitar.

            Os servidores não são os culpados pelas mazelas do país. A minoria improdutiva é resultante do desleixo como os recursos humanos são vistos por aqueles que detém transitoriamente o poder.

            Quantos são os servidores que conhecem os seus direitos? Alguns. Quantos são os que conhecem os seus deveres? Menos. Quantos são os que conhecem, detalhadamente, os seus compromissos sociais, fora daquilo posto na redação dos estatutos funcionais? Raros. Por que? Porque não se vê, amiúde, um trabalho de conscientização em massa.

            A Administração Pública, aproveitando o caráter paciente e digno da maioria dos seus agentes, precisa desenvolver um trabalho voltado a impor uma nova imagem: a imagem do servidor cidadão. Com efeito, antes de ser servidor público, o homem é cidadão. É sobre a estrutura deste que se sustentam as estruturas profissionais. Há, na verdade, um conjunto de obrigações que são inerentes á humanidade; que são alicerces da civilização; que devem estar na pauta da conduta de todo indivíduo no relacionamento interpessoal. Assim também devem ser alinhados os agentes do Poder Público. Para isso, compete despertar-lhes para regras e valores, apontados a seguir, que representam a implantação nos ofícios públicos do que há de melhor nas relações humanas.


SINCERIDADE

            O homem honesto não tem intenções ocultas. Deve proceder sempre de boa-fé, sem malícia. O "ser sincero" não significa que deva dizer absolutamente tudo. Há verdades que gratuitamente machucam. A sinceridade precisa, portanto, estar conciliada com a prudência. E, no serviço publico, ela está a ser exigida pela objetividade e eficiência, não cabendo o engodo, a protelação, a manipulação de informações, em desfavor da Administração e dos administrados.


DELICADEZA

            Ser delicado, cortês, não custa dinheiro e vale muito Vale para quem assim age e vale para quem é objeto dessa atenção. Muitos problemas difíceis são resolvidos "com jeito", delicadamente. Muitos contribuintes, nas filas diárias de guichês em repartições públicas, dependem de uma só palavra, de um só sorriso, de um só gesto de apreço para sentirem-se respeitados, satisfeitos e agradecidos.

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            O dirigente não pode confundir autoridade com desumanidade; e o hierarquicamente inferior não pode exigir de seu chefe o que for impossível.


MODERAÇÃO

            As atitudes violentas não combinam com o convívio social. O homem evoluído e educado sabe ouvir e calar. Consegue manter a lucidez enquanto outros se desorientam. A calma evita conflitos inúteis, desentendimentos desnecessários e discussões estéreis. O servidor não pode, por conseqüência, ser a fagulha do incêndio.


GRATIDÃO

            O reconhecimento moral é um dos mais altos sinais de superioridade. Se a ingratidão é um estigma infamante, a gratidão é prova de correção e altivez. "De mal agradecidos está o inferno cheio", ensina a sabedoria popular.


PERFEIÇÃO

            O homem, sabidamente, não é criatura perfeita. Se Deus tivesse criado os homens perfeitos, teria colocado no mundo outros deuses e nós, então, não existiríamos. Isso, todavia, não exclui a obrigação de evitar erros. Os erros vencíveis devem ser superados.


JUSTIÇA

            O cidadão consciente das suas responsabilidades não deve acreditar cegamente em tudo quanto lhe dizem. Por trás de palavras aparentemente sinceras podem estar ocultas a inveja e a malícia. Duvidar com prudência é regra que ajuda para se dedicar com justiça. E ser justo, no ensinamento clássico de Ulpiano, " é dar a cada um aquilo que lhe pertence".


HUMANIDADE

            O semelhante deve ser tratado com consideração para com a sua dignidade. Quem manda e quem obedece devem manter um padrão de respeito. O dirigente não pode confundir autoridade com desumanidade; e o hierarquicamente inferior não pode exigir de seu chefe o que for impossível.


TRABALHO

            Trabalho não é emprego: é produção. É realizar-se, na promoção de resultados positivos para si e para a organização à qual empresta o seu labor. Trabalho é, também, meio de realização pessoal. Aquele que vê no trabalho apenas forma de ganhar o sustento, sem outra preocupação, afasta-se da ética e da cidadania.

            São, assim, lições básicas, extraídas das melhores fórmulas de convivência em sociedade. A rotina, entretanto, despersonaliza os indivíduos; a repetição de tarefas os torna insensíveis; a dor alheia deixa de ser ouvida e as angústias dos administrados acabam sendo estorvos nos balcões oficiais. Por isso, a Administração moderna, eficiente, deve resgatar nos seus agentes os valores que, por natureza, lhes são peculiares, mas que, por descuido, andam esquecidos no fundo da gaveta. E, quando for o caso, o advogado atento deve evocá-los, para que a ordem seja estabelecida no serviço público que a Constituição Federal diz que deve ser eficiente.

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Sobre o autor
Léo da Silva Alves

Jurista, autor de 58 livros. Advogado especializado em responsabilidade de agentes públicos e responsabilidades de pessoas físicas e jurídicas. Atuação em Tribunais de Contas, Tribunais Superiores e inquéritos perante a Polícia Federal. Preside grupo internacional de juristas, com trabalhos científicos na América do Sul, Europa e África. É professor convidado junto a Escolas de Governo, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia em 21 Estados. O autor presta consultoria às mais importantes estruturas da Administração Pública do país desde os anos 1990. Conhece os riscos da gestão e as formas de prevenir responsabilidades, o que o tornou conferencista internacional sobre matérias relacionadas ao serviço público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Léo Silva. Processo administrativo:: os direitos dos administrados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1153, 28 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8787. Acesso em: 22 nov. 2024.

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