6. HERMENÊUTICA JURÍDICO-AMBIENTAL
Caso duas normas em matéria ambiental estejam em conflito prevalecerá a que for mais benéfica em relação à natureza, posto que no Direito Ambiental vigora o princípio in dubio pro nature [26].
Trata-se de uma outra manifestação do princípio da prevenção que, por defender que o mais importante é impedir que o dano ambiental aconteça, entende que a legislação ambiental mais preservacionista deve ser a acolhida porque essa é uma maneira de evitar possíveis degradações.
A finalidade do Direito, que é a de promover a dignidade da pessoa humana e a paz social, no Direito Ambiental é traduzida como a proteção ao meio ambiente e, por conseqüência, à vida e à qualidade de vida. Isso justifica a adoção do princípio in dubio pro nature [27].
Dentro desse raciocínio, no caso da edificação urbana à margem de rios e de outros reservatórios de água, a legislação a ser aplicada são as alíneas a, b e c do art. 2º do Código Florestal, que melhor revelam o caráter protetivo do Direto Ambiental.
De qualquer forma, nessa matéria têm os Municípios a liberdade para editar normas mais severas, aumentando os limites das áreas de preservação permanentes previstos pelo art. 2º do Código Florestal. A simples aplicação desse princípio solucionaria de uma vez por todas o conflito de normas discutido neste estudo.
7. INTERESSE LOCAL DOS MUNICÍPIOS
É preciso saber se o art. 2º do Código Florestal invadiu a competência dos Municípios de legislarem sobre assuntos de interesse local em se tratando de matéria ambiental, nos moldes do que reza o inciso I do art. 30 da Constituição Federal, pois se a supressão da mata ciliar for um assunto de interesse estritamente local deve por isso ser regida apenas pela legislação municipal.
Contudo, como afirma Celso Ribeiro Bastos [28] inexiste consenso com relação ao conceito e abrangência da expressão "assuntos de interesse local", de maneira que essa indefinição pode gerar a perplexidade ao promover situações ambíguas nas quais se misturam interesses locais e interesses regionais.
Se já é difícil definir o que é um interesse meramente local, em se tratando de matéria ambiental essa delimitação se torna praticamente impossível, visto que uma das principais características do dano ambiental é a sua não restrição a um determinado espaço ou território. No caso da supressão da mata ciliar é provável que seu efeito seja sentido em outras localidades, especialmente se vários Municípios de uma mesma região fizerem isso.
Um exemplo emblemático disso é o Rio São Francisco que se encontra assoreado e poluído por causa da supressão da mata ciliar para fins de agricultura ou de pecuária, necessitando por causa disso de um tratamento urgente de recuperação.
Além do mais, seria um contra-senso que o interesse local de um Município se confrontasse com o interesse de toda uma coletividade, revelado na manutenção da vida e da qualidade de vida decorrentes do equilíbrio dos ecossistemas.
Logo, é descabido dizer que o art. 2º do Código Florestal interveio em um interesse local de determinado Município, posto que independentemente disso a Constituição Federal já reconhece que dentro da hierarquia normativa essa competência pertence indiscutivelmente à lei federal que no caso é o Código Florestal.
8. O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DO CÓDIGO FLORESTAL
A discussão acerca da aplicabilidade ou não das alíneas do art. 2º do Código Florestal encontra resposta no parágrafo único do mesmo dispositivo, que não deixa dúvida quanto ao fato de que os planos diretores e legislações municipais de uso do solo de uma maneira geral devem obedecer aos limites da legislação federal.
Por meio da Lei nº 7.803/89, o legislador federal acrescentou ao art. 2º do Código Florestal um parágrafo único dispondo expressamente sobre a aplicabilidade desse dispositivo em perímetros urbanos.
Embora esse já fosse o sentido da legislação anterior, o referido parágrafo único determinou expressamente que nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas aglomerações urbanas e regiões metropolitanas em todo território abrangido devem ser observados os dispostos nos Planos Diretores e leis de uso de solo, respeitados os limites a que se refere o artigo em questão.
9. CONCLUSÕES ARTICULADAS
9.1 A Constituição Federal revela que o Código Florestal é a lei que deve ser aplicada, pois a competência para legislar sobre o meio ambiente é concorrente e pressupõe uma hierarquia normativa a partir da esfera federal, que tem de ser seguida pelos Municípios, que só poderiam legislar livremente se não houvesse lei federal (ou estadual) sobre o assunto.
9.2 Os dispositivos das leis municipais que diminuírem as áreas de proteção estabelecidas são inconstitucionais porque não observaram a competência fixada na Constituição Federal de 1988 e não devem ser observados. Esse é o norteamento que se coaduna com a doutrina, os princípios e, principalmente, com a finalidade do direito ambiental: a conservação e o uso racional do meio ambiente.
9.3 Os Municípios têm de legislar em inteira conformidade com a lei federal porque, assim como o plano diretor, o interesse local dos Municípios não pode se sobrepor ao interesse da coletividade nem aos comandos e princípios consagrados pela Constituição Federal.
9.4 Uma leitura atenta do parágrafo único do art. 2º do Código Florestal deslindaria a questão da aplicabilidade urbana das áreas de preservação permanente, já que nele está expressamente prescrita a aplicação do dispositivo às áreas urbanas.
9.5 O princípio in dubio pro nature, que é derivado do princípio da prevenção, ajuda a encerrar a questão na medida em que dispõe que em caso de conflito de legislações será acolhida a mais eficaz na proteção ao meio ambiente.
NOTAS
01
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