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Ilegalidade da cláusula de não devolução da taxa de inscrição em concurso público

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06/05/2022 às 14:40
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve por fim apresentar os diversos argumentos que giram em torno das características dos editais de certames públicos, tendo como ponto de partida o princípio da legalidade e as normas protetivas do consumidor, além da doutrina e da jurisprudência referentes ao assunto.

Com efeito, o ideal é que os editais de concurso público contenham regras que possibilitem aos candidatos desistirem de sua participação, com reembolso da quantia já paga, quando houver alguma modificação no édito que altere a data de aplicação das provas, ou mesmo sua suspensão por tempo indeterminado, e não somente em caso de anulação.

Ademais, a doutrina especializada no assunto entende que nas prestações de serviços públicos devem incidir, em maior ou menor grau, as normas protetivas das relações de consumo, não cabendo afastá-las peremptoriamente.

Nesse diapasão, a Lei Federal n. 8.078/90, a despeito de ser considerada como integrante do ramo do direito privado, contem regras de ordem pública e interesse social com força de princípio, conforme a norma do artigo 170, inciso V, da Constituição da República.

Outrossim, a própria Lei Federal n. 13.460/2017, a qual dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública, estipula que sua aplicação nas exclui as normas da Lei n. 8.078 de 11 de setembro de 1990, quando caracterizada a relação de consumo.

Nesse sentido, quando o ente público contrata uma empresa privada para a realização de uma concorrência pública, presta serviço público individualizado, já que somente se submeterá a disputa aquele que se interessar e efetuar o pagamento da contraprestação devida, a qual é impropriamente denominada de taxa, por não ser compulsória, conforme o artigo 77 do Código Tributário Nacional.

Por outro lado, nessa época de pandemia, muitas bancas organizadoras tem deixado de cumprir com o cronograma fixado, suspendendo-o por tempo indeterminado, frustrando a legitima expectativa dos concursandos.

De seu turno, ainda que a suspensão do certame seja medida voltada a proteção da saúde pública, não o é a retenção do valor pago a título de inscrição, obrigando o cidadão a permanecer indefinidamente sujeito ao poder discricionário do Estado.

O que é pior, vários editais são lançados em plena calamidade pública, e somente após o término da data da inscrição, o cronograma é suspenso por tempo indeterminado, em flagrante violação ao princípio da boa-fé, como se o único propósito fosse promover uma arrecadação de recursos privados.

Noutra quadra, referida prática viola o sistema de proteção ao consumidor, deixando-o em situação extremamente desvantajosa, o qual nada pode fazer senão socorrer-se do Poder Judiciário para salvaguarda de seus direitos.

Finalmente, devem-se parabenizar os entes públicos que já cumprem, em suas normatividades administrativas, as regras protetivas das relações de consumo, já que o Estado não é um fim em si mesmo, mas existe justamente para atuar em prol dos administrados, sob pena de cairmos no totalitarismo, além de que o interesse público deve estar afinado com os direitos fundamentais previstos na Constituição.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2020, pág. 79.

[2] Moraes, Alexandre. Direito Constitucional. 2017. Pág. 348.

[3] Torres, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo. 2020, pág. 289.

[4] Op. Cit., p. 465.

[5] Mazza, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 9ª Ed. Saraiva. 2019. Pág. 113.

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[6] Código de Defesa do Consumidor aplicado aos serviços públicos. Disponível em: https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/codigo-de-defesa-do-consumidor-aplicado-aos-servicos-publicos#:~:text=O%20acesso%20a%20servi%C3%A7os%20p%C3%BAblicos,C%C3%B3digo%20de%20Defesa%20do%20Consumidor. Acesso em 22 de jan. 2021.

[7] Gomes, Nathália Stivalle. Direito do Consumidor. 4ª Ed. Juspodivm. 2020. Pág. 105.

[8]Caparroz, Roberto. Direito Tributário Esquematizado. 3ª Ed. Saraiva. 2019. Pág. 121.

[9] Cornélio, Fernanda Marques. Direito Tributário. 8ª Ed. Juspodivm. 2020. Pág. 32.

[10] Há incidência do CDC na má prestação de um serviço público? Disponível em < https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/334967930/ha-incidencia-do-cdc-na-ma-prestacao-de-um-servico-publico> Acesso em: 22 de jan. 2021.

[11] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2002. p. 485.

[12] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo. Dialética. 2003. p. 560.

[13] WURSTER,Tani Maria. Os serviços públicos e Código de Defesa do Consumidor. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 14, setembro 2006. Disponível em:https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao014/Tani_Wurster.htm Acesso em: 22 jan. 2021.

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Sobre o autor
Celso Bruno Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal e Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORMENA, Celso Bruno. Ilegalidade da cláusula de não devolução da taxa de inscrição em concurso público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6883, 6 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88150. Acesso em: 2 mai. 2024.

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