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A execução da pena de multa

26/01/2021 às 14:35
Leia nesta página:

A multa fixada é pena e como tal deve ser tratada. Como fica a extinção de punibilidade após o cumprimento de prisão no caso de inadimplemento da multa? Quem tem legitimidade para cobrar?

Com o advento da Lei 9.268/96, o artigo 51 do Código Penal passou a considerar a pena de multa como dívida de valor, sendo aplicáveis à execução dessa sanção as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública. Entendeu o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1.160.207/MG, Relator Ministro Sebastião Reis, DJe de 19 de dezembro de 2011) que a multa criminal tornou-se executável por meio de adoção de procedimentos próprios da execução fiscal, afastando-se a competência da Vara das Execuções Penais. Ainda de acordo com tal entendimento oriundo da Corte Especial e da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, é da Fazenda Pública a legitimidade para promover a execução de pena de multa imposta em sentença penal condenatória e não do Ministério Público.

Porém esse entendimento modificou-se após recente decisão do Supremo Tribunal Federal.

Consoante o site do STF, de 13 de dezembro de 2018, por maioria de votos, o Plenário definiu que o Ministério Público é o principal legitimado para executar a cobrança das multas pecuniárias fixadas em sentenças penais condenatórias. Naquele dia, 13 de dezembro, os ministros entenderam que, por ter natureza de sanção penal, a competência da Fazenda Pública para executar essas multas se limita aos casos de inércia do MP.

O tema foi debatido conjuntamente na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3150, de relatoria do ministro Marco Aurélio, e na 12ª Questão de Ordem apresentada na Ação Penal (AP) 470, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. A controvérsia diz respeito ao artigo 51 do Código Penal, que estabelece a conversão da multa pecuniária em dívida de valor após o trânsito em julgado da sentença condenatória, e determina que a cobrança se dê conforme as normas da legislação relativa à dívida ativa. A Procuradoria-Geral da República ajuizou a ADI 3150 pedindo que o texto seja interpretado de forma a conferir legitimidade exclusiva ao MP para executar essas dívidas. A União, por sua vez, argumentou que a competência seria da Fazenda Pública.

Foi de relevância o entendimento do ministro Roberto Barroso.

O voto do ministro Roberto Barroso reafirmou o entendimento apresentado na 12ª Questão de Ordem na AP 470 no sentido da procedência parcial da ADI 3150. Segundo ele, o fato de a nova redação do artigo 51 do Código Penal transformar a multa em dívida de valor não retira a competência do MP para efetuar sua cobrança. Ele lembrou que a multa pecuniária é uma sanção penal prevista na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XLVI, alínea “c“), o que torna impossível alterar sua natureza jurídica por meio de lei. Ressaltou, também, que a Lei de Execuções Penais (LEP), em dispositivo expresso, reconhece a atribuição do MP para executar a dívida.

Segundo Barroso, o fato de o MP cobrar a dívida, ou seja, executar a condenação, não significa que ele estaria substituindo a Fazenda Pública. O ministro destacou que a condenação criminal é um título executivo judicial, sendo incongruente sua inscrição em dívida ativa, que é um título executivo extrajudicial. Reafirmando seu voto na 12ª Questão de Ordem na AP 470, o ministro salientou que, caso o MP não proponha a execução da multa no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença, o juízo da vara criminal comunicará ao órgão competente da Fazenda Pública para efetuar a cobrança na vara de execução fiscal. “Mas a prioridade é do Ministério Público, pois, antes de ser uma dívida, é uma sanção criminal”, reiterou.

Seguiram essa corrente os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (presidente). Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que votaram pela improcedência da ADI por entendem ser competência da Fazenda Pública a cobrança da multa pecuniária.

A ADI 3150 foi julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 51 do Código Penal, explicitando que, ao estabelecer que a cobrança da multa pecuniária ocorra segundo as normas de execução da dívida pública, não exclui a legitimidade prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na vara de execução penal. A questão de ordem foi resolvida no sentido de assentar a legitimidade do MP para propor a cobrança de multa com a possibilidade de cobrança subsidiária pela Fazenda Pública.

Anteriormente, o STJ, no julgamento do REsp 1.519.777/SP, entendeu que  apesar de o legislador transformar a dívida decorrente da sanção penal em dívida tributária (Lei 9.268/96), mantêm-se alguns efeitos penais, como a extinção da punibilidade pelo pagamento da multa.

O relator do recurso repetitivo, ministro Rogerio Schietti Cruz, observou que essa decisão foi contrária à jurisprudência do STJ. Segundo ele, a corte já definiu que, com a alteração do artigo 51 do Código Penal, trazida pela Lei 9.268/96, passou-se a considerar a pena pecuniária como dívida de valor e, portanto, de caráter extrapenal.

O ministro destacou ainda que, caso ocorra o inadimplemento, a execução passa a ser de competência exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública, não mais do Ministério Público.

Isso significa – explicou Schietti – que o direito estatal de punir “exaure-se ao fim da execução da pena privativa de liberdade ou da restritiva de direitos, porquanto em nenhum momento engloba a pena de multa, considerada dívida de valor a partir do trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

O entendimento pela extinção da punibilidade em razão do cumprimento da pena privativa de liberdade, ainda que pendente o pagamento da multa, foi acompanhado de forma unânime pelos ministros da Terceira Seção.

Assim foi concluído, naquele julgamento que a Lei 9.268/96, que deu nova redação ao artigo 51 do Código Penal não extirpou do diploma jurídico a possibilidade de conversão da pena de multa em detenção, no caso de descumprimento da pena pecuniária.

Nesse entendimento, nessa nova feição, o entendimento trazido pelo Superior Tribunal de Justiça é de que a pena de multa não possui mais o condão de constranger o direito a locomoção do sentenciado (HC 81.480 AgR/SP, Relator Ministro Sydney Sanches, DJ de 5 de abril de 2002).

Ainda para esse entendimento, a alteração legislativa leva a que se considera a multa como uma dívida de valor. Por essa razão a redação da Súmula 521 do STJ, onde se lê que “A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Fazenda Pública”.

Nessa linha, tem-se vários julgamentos como o REsp 1.166.866/MS, Relatora Ministra Assussete Magalhães, Dje de 18 de setembro de 2013.

Concluiu o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que extinta a pena privativa de liberdade (ou restritiva de direitos) pelo seu cumprimento, o inadimplemento da pena de multa não obsta a extinção da punibilidade, uma vez que após a nova redação do artigo 51 do Código Penal, dada pela Lei 9.268/96, a pena pecuniária é considerada uma dívida de valor, possuindo caráter extrapenal, de forma que sua execução é da Procuradoria da Fazenda Pública 

Data venia, e com o devido respeito, o fato de a multa penal ser cobrada pela Procuradoria da Fazenda Pública não lhe retira a sua natureza penal. Em sendo penal, enquanto ela não for paga, não se poderá falar em extinção da punibilidade, com o cumprimento da sanção condenatória imposto pelo juízo criminal competente.

De toda sorte, o Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento de que cabe ao Ministério Público a legitimidade ativa para execução da pena de multa, cabendo, apenas na inércia daquela instituição permanente, a legitimidade subsidiária da Fazenda para tal.  

A matéria ainda está no visor do STJ.

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça vai rediscutir a tese firmada no Tema 931 para decidir se se o cumprimento integral da pena extingue a punibilidade, mesmo quando o condenado não pagou a multa. 

A tese que vale hoje foi fixada no julgamento do REsp 1.519.777. Na ocasião, a 3ª Seção entendeu que "nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".

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Tem-se então:

Tese firmada pela Terceira Seção no julgamento do REsp 1.519.777/SP, acórdão publicado no DJe de 10/9/2015, que se propõe a revisar: "Nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade."

Tese fixada nos REsps n. 1.785.383/SP e 1.785861/SP (acórdãos publicados no DJe de 2/12/2020), revisando o entendimento anteriormente consolidado no REsp n. 1.519.777/SP: "Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade."

Essa última tese fixada melhor se reporta a interpretação do artigo 51 do CP.

Observe-se o precedente:

Recurso Especial. PROCESSAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE OU DE RESTRITIVA DE DIREITOS SUBSTITUTIVA. INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso Especial processado sob o regime previsto no art. 543-C, § 2º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008 do STJ. 2. Extinta pelo seu cumprimento a pena privativa de liberdade ou a restritiva de direitos que a substituir, o inadimplemento da pena de multa não obsta a extinção da punibilidade do apenado, porquanto, após a nova redação dada ao art. 51 do Código Penal pela Lei n. 9.268/1996, a pena pecuniária passou a ser considerada dívida de valor e, portanto, possui caráter extrapenal, de modo que sua execução é de competência exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública. 3. Recurso especial representativo da controvérsia provido, para declarar extinta a punibilidade do recorrente, assentando-se, sob o rito do art. 543-C do CPC a seguinte TESE: Nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.

Repito que aquele julgamento do STF, na ADI n. 3.150/DF, firmou a compreensão de que "[a] nova dicção do art. 51 [...] não retirou da multa o seu caráter de pena, de sanção criminal. O objetivo da alteração legal foi simplesmente evitar a conversão da multa em detenção, em observância à proporcionalidade da resposta penal" (ADI n. 3.150, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-170 divulg. 5/8/2019 public. 6/8/2019).

A tese firmada pelo Pretório Excelso vai de encontro àquela exposta no julgamento do REsp n. 1.519.777/SP.

A fim de observar os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, nos termos do artigo 927, § 4º, do Código de Processo Civil, bem como de evitar a prolação de decisões contraditórias nas instâncias ordinárias e também no âmbito deste Tribunal Superior de Justiça, creio ser necessária a revisão do tema analisado por este Sodalício sob o rito dos recursos repetitivos, a fim de nos alinharmos à jurisprudência do Excelso Pretório.

A multa fixada é pena e como tal deve ser tratada.

A reanálise será feita no âmbito dos Recursos Especiais 1.785.861 e 1.785.383, que estão sob relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz. O colegiado decidiu não suspender a tramitação de outros processos que tratam da mesma controvérsia. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A execução da pena de multa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6418, 26 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88194. Acesso em: 22 dez. 2024.

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