RESUMO:O presente estudo desenvolveu-se através da utilização de um método dedutivo, partindo-se de uma visão mais geral da legislação superior que trata da eficácia da lei no tempo, qual seja a Lei Complementar n. 95/98 e suas alterações promovidas pela Lei Complementar n. 107/2001, com posterior afunilamento da pesquisa na busca de verificar a sua aplicação (ou não) em relação às leis ordinárias que lhes são posteriores, a exemplo do Código Civil de 2002 e da Lei 11.232/05, ambas responsáveis por profundas modificações, respectivamente, no âmbito da legislação substantiva e adjetiva. Eis, então, a provocação que este artigo buscará fomentar: as atuais legislações têm respeitado a Lei Complementar n. 95/98 e suas alterações feitas pela Lei Complementar n. 107/2001?
INTRODUÇÃO:
Com relação à eficácia da lei no tempo, muitas situações inusitadas se têm visto em nossa atualidade, tanto em nível de profissionais que atuam na área do direito, como em nível de academia e, até mesmo, em nível legislativo. Diz-se isto, ante o fato de que, apesar de continuarmos avançando legislativamente neste século XXI, principalmente no que tange às reformas processuais começadas na última década do século passado, existem questões arraigadas à legislação pretérita que merecem ser vistas com maior requinte, principalmente em se tratando de normas de hierarquia superior em relação às leis ordinárias, como é o caso da Lei Complementar n. 95/98, com as modificações que lhe foram determinadas pela Lei Complementar n. 107/2001. É exatamente a busca por um trato mais refinado e observação rigorosa dessas legislações pertinentes à eficácia da lei no tempo (LC 95/98 e LC 107/01) que se pretende efetivar no presente artigo.
A VACATIO LEGIS POSTERIOR À LEI COMPLEMENTAR 95/98 E SEUS REFLEXOS NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL E DA LEI 11.232/05
Feitas as observações introdutórias com o intuito de delimitar à manifestação deste estudo, bem como para que o mesmo possa servir tanto aos profissionais do direito como aos acadêmicos de nossas universidades, parte-se diretamente, sem mais delongas, à verificação se as modernas legislações têm (ou não) respeitado a Lei Complementar n. 95/98 e suas alterações feitas pela Lei Complementar n. 107/2001.
Embora muitas vezes sequer venha contemplada em algumas compilações legislativas postas no comércio das literaturas jurídicas, a análise da Lei Complementar n. 95/98 e suas alterações feitas pela LC n. 107/01 é importantíssima para a busca da solução de questões como a vacatio legis e a vigência das leis. Este certo descaso, por si, já denota que, embora com alguns avanços científicos, ainda é tímida a averiguação e o respeito que a tais legislações se tem dispensado. Prova disto é que o próprio legislador, já em franco andamento do século XXI, continua a editar leis sem a correta observância de tais normas, que, como Leis Complementares que são, possuem hierarquia superior à maioria das normas recentemente editadas em nosso ordenamento, as quais, como regra, são de natureza ordinária, hierarquicamente inferiores.
Antes de mais nada, cumpre referir o que seria o prazo de vacância. O prazo de vacatio legis de uma lei é "o intervalo entre a data de sua publicação e a sua entrada em vigor" [01]. Portanto, é o período em que a lei já existe, mas ainda se encontra em estado de vacância ou dormência, não podendo ter aplicação enquanto não transcorrer o prazo nela própria previsto.
Portanto, o fato de uma lei existir não se confunde, necessariamente, com a sua vigência, o que vem confirmado por FÁBIO ULHOA COELHO [02]:
Vigência é aptidão genérica de produzir efeitos juridicamente válidos. Após a publicação na imprensa oficial a lei existe, mas isso não significa que esteja já produzindo efeitos. Em outros termos, ela já é conhecida, mas não pode ainda ser aplicada. Assim, se estabelece a obrigação de determinada conduta, as pessoas já podem ter conhecimento de seu conteúdo, mas ainda não estão obrigadas a se comportarem em consonância com os seus preceitos. Quem atua em desconformidade com o prescrito em lei existente que ainda não entrou em vigor não pode sofrer nenhuma sanção.
Avançando no trabalho, faz-se mister mencionar que as principais legislações que servem de base dessa pesquisa são a Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998 (DOU 27.02.1998), em sua redação atual, dada pela Lei Complementar n. 107, de 26 de abril de 2001 (DOU 27.04.2001), bem como a conhecida Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, em verdade Decreto-Lei n. 4.657, de 04 de setembro de 1942, com as alterações introduzidas pela Lei nº 3.238, de 1º de agosto de 1957.
Das referidas normas, houve-se por bem reportar os principais artigos cujo enfrentamento se passará a efetuar de modo mais detalhado, quais sejam:
Lei Complementar n. 95/98
LC 95/98 - Art. 8º. A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.
§ 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral. (Parágrafo acrescentado pela Lei Complementar nº 107, de 26.04.2001, DOU 27.04.2001)
§ 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ´´esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial. (NR) (Parágrafo acrescentado pela Lei Complementar nº 107, de 26.04.2001, DOU 27.04.2001)
Lei de Introdução ao Código Civil
LICC - Art. 1º. Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. [...]
São exatamente estes os dispositivos que servirão de base para esse artigo que tem a pretensão de ser científico.
Feita uma análise conceitual do que seria prazo de vacância e quais as principais legislações pátrias que tratam do assunto, convém reportar, contudo, que nem toda a lei possui esse prazo de dormência, já que é permitida a cláusula de que a lei entre em vigor na própria data de sua publicação. Todavia, como regra, isto só seria admitido para os casos em que a lei não tenha grande relevância no âmago social, haja vista que as leis que interfiram de modo contundente na vida da sociedade, necessitam de um real prazo de adaptação, conforme também vem preceituado na LC 95/98, em seu art. 8º, caput, in fine.
Bem verdade que é muito pouco crível admitir a elaboração e aprovação de uma lei que não tenha interesse social significativo. E mais, bastante dificultada fica a interpretação do que seria uma norma de "pequena repercussão", relegando-se a uma boa dose de subjetivismo para definir o que seja de pequena, média ou grande repercussão. Por isso é que, na visão do autor desse trabalho, para que se possa ter convicção sobre a exata dimensão temporal de uma lei, deve-se respeitar o que nela venha estabelecido, ou seja, nos casos em que se estabeleça vigência a partir da publicação, a lei realmente deve ficar apta a operar, imediatamente, os seus efeitos, partindo-se da presunção de que o legislador, ao estabelecê-la, já tenha equacionado e definido o seu grau de importância. Esta visão se justifica para que não haja dúvidas sobre o exato momento da vigência de uma lei, evitando-se às desgastantes análises subjetivas sobre o maior ou menor grau de importância de uma lei.
De outra banda, resta saber como fica, em nossa atualidade, uma lei que seja aprovada sem reportar qualquer período de vacância e nem que sua vigência ocorra na data de sua publicação. Uma lei dessa natureza, uma vez publicada, quando teria sua vigência? Quer parecer que, neste caso, ainda se mantém em vigência a regra geral do art. 1º, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil, o qual reporta que "salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada". Desse modo, se mantém hígida a presunção legal de um período mínimo de vacância de 45 dias, quando a lei publicada for omissa com relação à data de sua real vigência.
Outra não é a interpretação de FÁBIO ULHOA COELHO [03]:
A regra, no direito brasileiro, é a de que a lei entra em vigor em quarenta e cinco dias após a sua publicação. É o que prevê o art. 1º da LICC. Desse modo, a menos que a própria lei estabeleça outro termo para o início de sua vigência, ela passa a vigorar depois de transcorridos quarenta e cinco dias da data da edição do Diário Oficial em que ela foi publicada. A lei publicada no Diário Oficial datado de 1º de março, se não contiver regra diversa sobre sua entrada em vigor, passa a viger no dia 15 de abril do mesmo ano.
Destaque-se que o exemplo dado na citação supramencionada se encontra em consonância ao imperativo do art. 8º, parágrafo 1º, da LC n. 95/98, incluindo na contagem do período vago o dia da publicação e incluindo nesta contagem todos os 31 dias do mês de março até o 14º (décimo quarto) dia do mês de abril, que seria o 45º (quadragésimo quinto) dia da vacatio legis, em que a norma hipotética e exemplificativa ainda estaria em estágio de dormência, só passando à sua vigência em 15 de abril.
Assim, em que pese o entendimento de alguns de que o art. 1º da LICC estaria derrogado em face de que a LC 95/98, no caput do art. 8º, refere que as normas que prevejam período de vacância devam estabelecer o número de "dias", isto, em verdade, em nada alterou a presunção legal de vacância na forma estabelecida pela Lei de Introdução ao Código Civil, que continua com a regra geral de 45 dias, só excepcionada quando a nova lei estabelecer período de vacância próprio ou cláusula de vigência a partir da data de sua publicação. Ratifique-se que a exigência de que a cláusula de vacância fixe o número de "dias" não foi efetuada para a exclusão da "presunção legal de vacatio legis" estipulada no art. 1º da LICC, que remanesce incólume. O art. 8º, caput, da LC n. 95/98 visa definir que quando o legislador fixar "prazo de vacância diverso" da presunção legal (45 dias), o mesmo faça em "dias" e não de outra forma como "meses", "anos" etc.
Resta então saber se a LC 95/98 vem ou não sendo respeitada! Eis a grande indagação que merece, de uma vez por todas, ser dirimida.
Em razão da delimitação efetuada na parte introdutória desse estudo, uma vez colocada a questão da vacatio legis em linhas gerais, passando pela sua sucinta noção conceitual e pelas legislações basilares que lhe são pertinentes, buscar-se-á verificar, por amostragem, através da análise do que está disposto a esse respeito: 1) na Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (DOU 11.01.2002), mais conhecida como Código Civil, que estabeleceu, inclusive, nova principiologia ao direito privado; 2) bem como na recentíssima Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005 (DOU 23.12.2005), que fez profundas alterações na Legislação Adjetiva brasileira, transformando todo o antigo processo de execução de título judicial em "cumprimento de sentença".
Por óbvio que não é intenção dessa pesquisa efetivar uma análise pormenorizada de todas as transformações trazidas pelas sobreditas leis, mas, especificamente, confrontar as disposições a respeito de seus períodos de vigências e a redação atual da Lei Complementar n. 95/98. Da mesma forma, as duas legislações não foram escolhidas ao léu, e a provocação desse estudo foi feita justamente por entender-se que nas mesmas há problemas a serem dirimidos, o que ratifica a importância da busca de uma solução.
Com relação ao tema ora proposto, o Código Civil vigente estabeleceu em seu art. 2044: "Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação".
Por sua vez, a atual Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, definiu em seu art. 8º: "Esta Lei entra em vigor 6 (seis) meses após a data de sua publicação".
Muito embora a problemática ora em tela não pereça com grande dificuldade de ser esclarecida, na prática, muitas análises equivocadas se tem visto e, até hoje, não raras vezes, remanescem e se proliferam. Tudo isso tem grandes implicações na vida da sociedade, pois saber quando, exatamente, uma lei passa a ter ou não vigência é questão fundamental. Repita-se que isto, inclusive, pode mudar radicalmente, até mesmo por um único dia de diferença, a vida e o patrimônio das pessoas.
Em seguimento à presente proposição de estudo, comparando as leis supramencionadas (Código Civil e Lei 11.232/05) com a Lei Complementar n. 95/98, verifica-se que esta definiu, em seu art. 8º, parágrafo 2º, que os prazos de vacância, quando determinados em lei, só podem ser estabelecidos em número de "dias". Porém, aquelas legislações, consoante acima transcrito, prescreveram prazo de vacatio legis, respectivamente, em "um ano" e "6 meses".
Então, não é preciso um maior esforço para denotar que as duas legislações supramencionadas (Código Civil e Lei 11.232/05) estão em nítida discrepância à determinação cogente do art. 8º, parágrafo 2º, da Lei Complementar n. 95/98.
Alguns podem indagar: em que isto implicaria?
Embora não pareça, as implicações são bastante significativas!
Primeiro: como resolver o conflito entre as leis supramencionadas? Nesse ponto, a solução ruma na busca do princípio do respeito à hierarquia das leis, onde as leis hierarquicamente inferiores devem respeito às leis de hierarquia superior. As duas leis (Código Civil e Lei 11.232/05) ora em foco se tratam de leis ordinárias, as quais, para sua aprovação, necessitam maioria simples dos legisladores do Congresso, ou seja, maioria dos presentes na ocasião de suas votações. Já a LC 95/98, por sua natureza de "Lei Complementar", difere-se das leis ordinárias antes mencionadas, justamente pelo fato de que para sua aprovação se faz necessária a ratificação da maioria absoluta dos legisladores congressistas, conforme preceitua o art. 69 da Constituição Federal.
Como regra, em nível de hierarquização, está estabelecido na própria Constituição Federal, em seu art. 59 [04], que as Leis Complementares estão em nível superior às Leis Ordinárias, razão pela qual estas devem obediência àquelas. Esse, então, é o primeiro passo para o desenlace da questão nodal aqui ventilada: admitir que todas as leis posteriores à Lei Complementar 95/98 devem ser elaboradas consoante as determinações nela dispostas.
Frise-se que o texto constitucional vai mais longe, pois, o parágrafo único do próprio art. 59, assevera que em matéria de elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, isto só se pode fazer através de "Lei Complementar". Veja-se, então, a importância e elevação de nível que julgou necessário o legislador constituinte originário para o trato na elaboração de leis. Uma vez tendo sido elaborada e aprovada a competente Lei Complementar, não resta dúvidas que a ela se deve respeitar, refutando normas, principalmente ordinárias, que a afrontem.
Vista a questão dessa forma, novamente parece que o problema esteja praticamente resolvido. Contudo, resta saber como se faz para a regularização dessas normas que possuem um vício, ou melhor, que estão em desacordo com norma de hierarquia superior?
Nesse momento, já não resta mais tão simples a busca por uma resposta.
Acontece que, infelizmente, ainda essa problemática chega a ser um lugar comum em nossa atualidade, carecendo de trabalhos de boa parte dos juristas, que deveriam ter mais atenção ao tema, com sugestões que trilhem na pacificação dessas ilegais contradições.
Na condição de cidadão, chegou-se a pensar em sugerir especial requisição de elaboração de uma espécie de cartilha para que ambas as casas do Congresso Nacional tivessem mais atenção nos projetos de lei e na aprovação dos mesmos, no que se refere ao trato da fixação do período de vacatio legis.
Todavia, a própria existência da LC 95/98 parece a melhor "cartilha", pois se trata de uma séria ordenação para que seus procedimentos sejam observados, não mais permitindo a aprovação de leis em desacordo à norma de hierarquia superior. Mas fica aqui o registro do descaso que, não raras vezes, tem ocorrido e, pelo que foi demonstrado, continuam ocorrendo.
Da mesma forma, a sugestão inicialmente pretendida também esbarraria na já existência de tentativas semelhantes de regulamentação da aplicação da Lei Complementar 95/98, como é o caso do Decreto n. 2.954, de 29 de janeiro de 1999 (DOU 01.02.1999, ret. DOU 03.02.1999, rep. DOU 24.02.1999), que veio a especificar os procedimentos de redação e consolidação das leis federais, como também a tramitação dos projetos de lei, medidas provisórias, propostas de emenda constitucional no âmbito do Poder Executivo, antes de serem enviados ao Congresso Nacional, e da sanção ou veto de leis pelo Presidente da República [05]. Referido decreto, no que se refere ao período de vacância, "conteve" situações especiais dispostas em seu art. 13 [06], às quais a seguir se fará uma crítica pontualizada. Utilizou-se propositalmente o verbo ("conteve") no pretérito em virtude de que o supramencionado Decreto 2.954/99 se encontra ab-rogado pelo Decreto n. 4.176, de 28 de março de 2002 (DOU 01.04.2002, ret. DOU 08.04.2002).
Somente para refletir sobre os problemas que envolvem o tema ora em voga, os mesmos se constatam nas próprias tentativas de regulamentação da Lei Complementar 95/98. Verifica-se que no primeiro decreto regulamentador, qual seja, o Decreto 2.954/99, hoje já revogado, em seu art. 13 assim dispunha:
Decreto n. 2.954/99 - Art. 13. A vigência do ato deverá ser indicada de forma expressa, sendo regra geral a entrada em vigor na data da publicação, reservando-se atos de maior repercussão a fixação de período de vacância, de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento.
Parágrafo único. A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabelecerem período de vacância far-se-á incluindo a data da publicação e o último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à consumação integral do período de vacância. [Grifo não é original].
O grifo acima efetuado dá-se ante o fato de que nessa tentativa de regulamentação já se pode apontar uma contradição acirrada entre a Lei Complementar 95/98 e seu pretenso Decreto regulamentador (Decreto n. 2.054/99). Como dito alhures, a LC 95/98 é clara no caput de seu art. 8º que estabelece que o prazo de vacatio legis, como regra, deve ser contemplado e somente de modo excepcional poderá inexistir, para normas consideradas de "menor repercussão". Todavia, numa verdadeira aberração jurídica, o Decreto que buscava ser "regulamentador", acabou exarando a inversão da regra geral advinda de sua base (LC 95/98), o que é de todo inadmissível. Quis então o sobredito decreto inverter a ordem da Lei Complementar, pretendendo fazer que a regra seria a inexistência de período de vacância e que a exceção seria a sua existência para os casos de "maior repercussão", quando se sabe que é justamente o contrário e que isto não podia ter sido relegado. Portanto, o próprio Decreto regulamentador, já nasceu viciado pela desarmonia hierárquica com a Lei Complementar 95/98 que o mesmo pretendia regular.
Como depois da tempestade, vem a bonança, felizmente, o referido Decreto 2.954/99, que já nascera irregular, foi ab-rogado pelo Decreto n. 4.176, de 28 de março de 2002, que, com relação ao objeto desse estudo, teve sua redação regulamentadora aprovada através de seus arts. 19 e 20, assim dispostos:
Vigência e Contagem de Prazo
Art. 19. O texto do projeto indicará de forma expressa a vigência do ato normativo.
§ 1º A cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" somente será utilizada nos projetos de ato normativo de menor repercussão.
§ 2º Nos projetos de ato normativo de maior repercussão, será:
I - estabelecido período de vacância razoável para que deles se tenha amplo conhecimento; e
II - utilizada a cláusula "esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial". [Grifos não são do original].
Art. 20. A contagem do prazo para entrada em vigor dos atos normativos que estabeleçam período de vacância far-se-á incluindo a data da publicação e o último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.
Assim asseverado, resta claro que a redação do atual Decreto regulamentador (Dec. n. 4.176/02), em pleno vigor, vem ao encontro da Lei Complementar 95/98, o que é, de todo, elogiável.
Feitas essas observações, volta-se ao problema: como resolver a situação das leis que continuam sendo editadas e aprovadas sem o respeito às determinações da LC n. 95/98?
A essa altura, é sabido que tanto o Código Civil (art. 2.044), como a recentíssima Lei 11.232/05 (art. 8º), que fez radicais alterações na legislação processual brasileira, ao transformar o processo de execução de título judicial em "cumprimento de sentença", pecaram no que pertine à obediência do imperativo do art. 8º, parágrafo 2º, da LC n. 95/98. Aquelas, leis ordinárias, ao estabelecerem prazo de dormência, respectivamente, em "um ano" e "6 meses", possuem uma ilegalidade vertical com relação ao já referido art. 8º, parágrafo 2º, da Lei Complementar, o qual exige que todas as leis que determinem período de vacância diverso da presunção legal (art. 1º da LICC – 45 dias), disponham esse período de vagueza em "dias".
Nesse entremeio, passa-se à necessidade de verificar como a "legalização do ilegal" deva ser levada a cabo? Ou seja, como legalizar estas novas legislações que afrontam a LC 95/98?
Adianta-se, aqui também, que a sugestão que ora se apresenta já foi alvo de apreciação por cientistas de quilate [07] quando do comento do prazo de dormência estabelecido no Código Civil. Entretanto, resta latente que também sob o pálio das novas normas, que continuam sendo editadas, o tema ainda desafia enfrentamentos especializados.
Nessa tentativa de resolução da questão, parece que a única alternativa é tentar tornar legal aquilo que nasceu eivado de vício vertical, desobedecendo normas de hierarquia superior como antes demonstrado.
Nesse contexto, com o objetivo de aproveitamento da intenção do legislador, o que parece mais lógico é buscar uma solução próxima daquela intenção. O que se avizinha mais a essa proposição é transformar em "dias" os prazos equivocados e ilegais previstos em "ano" e "meses" nas legislações ordinárias supramencionadas.
Não obstante a tarefa pareça fácil, essa "dialização" [08] dos prazos de vacância estabelecidos equivocadamente em desrespeito à LC 95/98, tem profundas implicações na vida da sociedade. Exemplificativamente, o art. 1.829 do atual Código Civil [09], substituto do art. 1603 do Código Civil de 1916, pode mudar a situação de pessoas e patrimônios, conforme se considere em vigor nesta ou naquela data, vez que estabeleceu significativas mudanças na ordem de vocação hereditária e nos respectivos quinhões dos sucessores.
Para a transformação de "um ano" em "dias", o mais conveniente é tomar a média geral de dias de um ano aceita pela sociedade de equivalência a 365 dias. Da mesma forma, o mais indicado para a transformação de "meses" em "dias", é multiplicar o número de meses, equivocadamente previstos pela norma a ser "legalizada", pela média geral dos meses, também notória na sociedade, que é de 30 dias. Nesse mesmo sentido, aliás, se encontra, implicitamente, disposição no corpo do próprio Código Civil, através do parágrafo 2º, do art. 132 [10]. Claro que esta citação só se faz pela argumentação, já que tal dispositivo é utilizado para fins de averiguação de prazos obrigacionais e não de prazos de vacância que possuem legislação peculiar, no caso a LC 95/98.
Nesses termos, se faz necessário "dializar" esse irregular prazo de vacância de "um ano" fixado no Código Civil (art. 2.044), devendo considerá-lo como de "365 dias", na forma do art. 8º, parágrafo 2º, da Lei Complementar n. 95/98. E é assim que se julga deva ser interpretada a norma para fins de que possa a mesma ser legalizada em atendimento à norma de hierarquia superior (LC 95/98). Feita esta "legalização", o correto para a contagem do prazo de vacância de acordo com o parágrafo 1º, da LC 95/98, contando o dia da publicação e incluindo o último para o período considerado vago, ter-se-á: 21 dias em janeiro, 28 em fevereiro, 31 em março, 30 em abril, 31 em maio, 30 em junho, 31 em julho, 31 em agosto, 30 em setembro, 31 em outubro, 30 em novembro e 31 em dezembro, todos no ano de 2003, mais 10 dias em janeiro de 2003, acabando aqui o prazo de vacância (que a lei está dormente), passando a viger então, numa análise científica, legal e hierarquizada, verdadeiramente, em 11 de janeiro de 2003. Esta é a data que se considera como mais escorreita para a vigência do atual Código Civil e não outra como muitos vem fomentando. Tudo isto, para que a obediência à hierarquia continue sendo implementada, imperativa e necessariamente para fins de uniformização de critérios.
Nesse viés, de grande pertinência a lição de MARIA HELENA DINIZ [11]:
O art. 2.044, ao descartar o critério unificador da contagem em dias, adotando o critério anual, veio a conflitar com o art. 8º, parágrafo 2º, da LCF n. 95/98, por desconsiderar matéria sujeita à cláusula de reserva de lei complementar por expressa disposição constitucional (CF, art. 59, parágrafo único). [...] Pela aplicação conjunta dos parágrafos 1º e 2º do art. 8º da LCF n. 95/98, percebe-se que se a Lei 10.406/2002 foi publicada oficialmente em no dia 11-1-2002, os 365 dias de vacância começam a ser contados nesse dia e terminam no dia 10-1-2003; logo o dia subseqüente, 11-1-2003, é o da entrada em vigor do novo Código Civil. Se assim é o texto da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, entrará em vigor no dia 11 de janeiro de 2003.
Com o mais elevado respeito a opiniões diversas [12], numa análise mais apurada da ciência do direito, somente assim, se pode entender como regularizado e dirimido o problema da vigência do Código Civil atual [13].
Nessa mesma senda "dializadora", deve ser inserida a recente Lei 11.232/05 (art. 8º), que estabeleceu um ilícito prazo de dormência de "6 meses". Do mesmo modo sugerido como solução jurídico-científica em relação ao problema de vigência do Código Civil, tem-se que, aqui também, há necessidade de se transformar o prazo vago de "6 meses" em "dias". Ter-se-á, então, a multiplicação de 6 (seis) pela média geral de dias de um mês, a qual equivale a 30 dias, cujo resultado importa na equivalência a 180 dias. Aplicando essa operação na prática, sabendo que a Lei ora em mira foi publicada em 23 de dezembro de 2005, ter-se-á: 9 dias em dezembro de 2005, 31 dias em janeiro de 2006, 28 dias em fevereiro, 31 em março, 30 em abril, 31 em maio e 20 em junho de 2006 (dia em que se completa 180 dias). Este seria o derradeiro dia vago e, assim considerando, a Lei 11.232/05, deve ter sua vigência atestada a partir do dia 21 de junho de 2006 (quarta-feira). Esta é a data que jurídica e cientificamente se entende como a da real vigência da sobredita norma.
Por derradeiro, se faz mister relacionar que o presente trabalho resta sendo finalizado justamente em 21 de junho de 2006, data em que muitos aguardam a vigência da recentíssima lei acima reportada, quando, em realidade, a mesma já deve ser considerada vigendo.
Tal situação, aparentemente insólita, só vem a demonstrar a importância perseguir na busca de uma definição sobre o assunto, o que, com a luz do Grande Arquiteto do Universo, teve-se a pretensão de aqui realizar, mormente quando já se aproxima uma década de docência jurídica do autor desse artigo, o que lhe dá cada vez mais a certeza socrática de que se deve olhar para si próprio e buscar a evolução, na condição de eterno aprendiz, para estar livre e à espreita do conhecimento.