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Prova, convicção e justificativa diante da tutela antecipatória

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26/09/2006 às 00:00
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f) É preciso perceber que o real problema não está na conceituação de prova inequívoca ou na definição do grau de verossimilhança suficiente. Em primeiro lugar porque, como dito, não há como estabelecer graus de convicção; em segundo lugar porque a doutrina e a jurisprudência não podem restringir a produção da prova quando a lei expressamente autorizou o juiz a decidir com base em verossimilhança.

Quando se pensa na verossimilhança suficiente para a concessão da tutela antecipatória, o real problema está na racionalidade da decisão judicial, ou melhor, no controle da racionalidade da decisão 17 que concede, ou não, a tutela antecipatória. Acontece que essa racionalidade, como demonstrado, não pode ser garantida através de uma artificial e impossível determinação do grau de verossimilhança ou de uma indevida restrição do direito à produção de prova.

Ninguém nega que o juiz deve justificar a decisão antecipatória, conforme expressa o art. 273, §1o, do CPC.18 Acontece que o juiz, embora ciente dessa necessidade, ressente-se da falta de critérios para explicar – nas palavras do referido art. 273, §1º – "de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento". Tal falta de critérios também impede os advogados de poderem controlar a decisão do juiz, uma vez que, se a decisão sequer tem justificativa, torna-se impossível argumentar que a decisão é incorreta. Não é por razão diversa que são comuns as decisões de primeiro grau que concedem ou negam a tutela antecipatória sem qualquer fundamento e as decisões de segundo grau que revogam ou mantêm a tutela antecipatória sem nada argumentar.


g) Vamos, então, ao verdadeiro problema.

Como justificar a convicção de verossimilhança?

Afaste-se, desde logo, a absurda e inexplicável idéia de que a justificativa da decisão antecipatória não exige a mesma atenção da justificativa da sentença.

Ninguém mais duvida de que o raciocínio probatório não pode ser demonstrado através do método assiomático -dedutivo, peculiar à matemática, como também é inegável que as exigências postas pelas novas situações de direito material ampliaram o poder decisório do juiz, que agora pode decidir no curso do processo apenas com base em convicção de verossimilhança. Porém, isso obviamente não pode implicar na idéia de que o juiz não pode ser controlado. A garantia da motivação das decisões tem relação com a necessidade de controle do juiz, que deve justificá-las não só para legitimar o exercício do seu poder perante a população, mas também para dar às partes o direito de compreendê-las e impugná-las perante os tribunais. Em outras palavras, aceitar uma decisão sem justificativa é o mesmo que impedir a adequada participação das partes e retirar a legitimidade do Poder Judiciário 19.

O juiz, ao valorar a credibilidade das provas, ao estabelecer a ligação entre as provas e os fatos e ao valorar as presunções e o conjunto probatório, submete o seu raciocínio a sistemas e critérios racionais , embora não possa explicá-los através da lógica matemática. Tais critérios permitem-lhe decidir e justificar a sua decisão, embora muitas vezes necessitem da adição de outros, próprios ao método sistemático, como os da coerência e da congruência, capazes de também auxiliar na decisão judicial.

Acontece que a tutela antecipatória do art. 273, I, como já demonstrado, requer uma convicção de verossimilhança preponderante. Isto é, o juiz não pode deixar de conceder a tutela antecipatória com base no argumento de que o autor não se eximiu do ônus da prova, pois essa regra obviamente aí não vale.

Tal espécie de tutela antecipatória se apresenta quando a posição do autor está gravemente fragilizada, já que o seu direito está sendo ameaçado por dano iminente. Para tornar possível a sua proteção, outorgou-se expressamente ao juiz a possibilidade de decidir com base em verossimilhança, o que significa que ele está proibido de pensar em uma convicção de verdade, própria à regra do ônus da prova. Para a concessão da tutela antecipatória, basta-lhe a convicção de verossimilhança preponderante, isto é, que o material trazido ao processo indique que o direito do autor é mais verossímil que o do réu.

Mas, também na tutela antecipatória, o juiz não pode deixar de justif icar i) as razões que o levaram a acreditar, ou não, na prova, ii) a ligação que realizou entre as provas e os fatos, iii) os motivos que o levaram a estabelecer, ou não, uma presunção, e iv) de referir e fundamentar as regras de experiência que guiaram o seu raciocínio. Assim, nada significa dizer, seca e simplesmente, que há, ou não, verossimilhança, pois essa convicção deve resultar da justificativa da decisão "antecipatória".

Grosso modo, é preciso descrever o fato probando e as provas produzidas, explicar a relação entre as provas e os fatos - inclusive indiciários - e a relação entre os fatos indiciários provados e o fato probando, além de deixar claras as regras de experiência - e os seus fundamentos - que conduziram o raciocínio judicial.

Observa -se que, na prática forense, não se dá importância para a definição de fato indiciário e, conseqüentemente, para os raciocínios (presuntivos) que são feitos – na maioria das vezes de forma desapercebida – ligando os fatos indiciários ao fato probando. Mais especificamente, nota-se uma completa desatenção para com as regras de experiência que fundamentam os raciocínios destinados a fixar as presunções. Porém, as regras de experiência e os raciocínios presuntivos não só devem ser claramente explicitados, como devidamente fundamentados como aptos à formação das presunções. Se o juiz deve julgar com base em critérios racionais, não há como a motivação esquecer de demonstrar a racionalidade das regras de experiência, sejam comuns ou técnicas.

Tudo isso quer dizer que a justificativa deve explicar o desenvolvimento do raciocínio que conduziu à decisão, e não apenas enunciar o seu resultado. Com efeito, pouco esclarece dizer que há, ou não, verossimilhança ou "fumus bonis iuris", se não se explicar os motivos desse convencimento.

A peculiaridade da decisão antecipatória está em que todos esses critérios de convencimento, como o da relação entre a prova e os fatos e o da relação entre os fatos indiciários e o fato probando, não exige o esgotamento da regra do ônus da prova, pois aqui ela deve ser vista como uma régua – como queria a doutrina escandinava da verossimilhança preponderante – que, fixando-se no grau 50, aponta em favor do autor quando inclina para a direita (de 50 para cima) e, em favor do réu, quando pende para a esquerda (de 50 para baixo).

Por isso, o juiz deve explicar cada um dos critérios antes apontados e, conseqüentemente, os motivos que o levaram a concluir pela verossimilhança da posição de uma parte ou outra. Ou melhor, a motivação da decisão antecipatória deve ser tão racional quanto a da sentença, com a única diferença de que deve justificar apenas uma convicção de verossimilhança.

Frise-se que a justificação tem valor em si mesma, uma vez que dela depende a idoneidade da decisão. Ou seja, para se ter uma decisão como idônea, é preciso verificar a racionalidade da sua justificação, que objetiva explicar a racionalidade dos raciocínios probatório e decisório.


h) Contudo, a circunstância de os critérios há pouco lembrados eventualmente não poderem levar o juiz a se convencer da verossimilhança, não significa dizer que o juiz deva parar aí, ou que não tenha outros critérios para se convencer. Quando tais critérios levam a duas versões igualmente aceitáveis – o que também pode ocorrer na sentença -, devem ser aplicados os critérios da coerência e da congruência 20.

O primeiro desses critérios quer expressar que a narrativa judicial deve ser coerente, e assim não pode conter ilogicidades, como a de aceitar um fato como verdadeiro e falso ao mesmo tempo, admitir fatos entre si incompatíveis, utilizar uma regra de experiência em uma situação e a negar em outra - sem que entre elas exista qualquer motivo para discriminação - ou se valer de regras de experiência incompatíveis.21

Ademais, além de ausente de contradições, a versão judicial não pode negar uma prova ou um fato provado ou aceitar um fato afirmado, mas não provado. Nesse último contexto, a narrativa do juiz não pode ser incompleta ou "supra-abundante".22

Esclareça-se, porém, que a coerência e a congruência podem ser utilizadas para guiar o raciocínio do juiz rumo à decisão - quando podem ser utilizados como testes para a escolha da melhor versão das partes ou mesmo para a definição da própria versão judicial - ou vistos como critérios que devem qualificar a justificativa e servir para o seu controle por parte do tribunal.23

Assim, por exemplo, a falta de lógica da versão de uma das partes pode implicar na escolha da outra ou na definição de uma terceira, quando o critério integrará o raciocínio decisório. Mas, a justificativa também deve ser coerente e congruente, razão pela qual o tribunal pode, através de recurso e fundado nesses critérios, não aceitar a justificativa do juiz. No primeiro caso, a coerência constitui critério de decisão, enquan to que, no segundo, integra a justificação ou o raciocínio justificativo.

Note-se que a circunstância de uma prova apontar para duas versões nada tem a ver com falta de coerência ou congruência, uma vez que essas duas últimas não se referem à prova, mas sim à narrativa (ao discurso). A incoerência está no interior da narrativa que aceita dois fatos incompatíveis. Ou seja, enquanto os fatos incompatíveis estão na prova, e não na narrativa, não há que se pensar em incoerência.

Quando uma prova aponta em dois sentidos, isso não quer dizer que essa seja inútil, pois pode permitir que a convicção se forme em um dos sentidos, especialmente na dimensão da verossimilhança preponderante. Ou melhor, o fato de uma prova apontar em dois sentidos apenas pode tornar mais difícil a elaboração da convicção, mas, justamente pela razão de que pode formar ou colaborar para formar a convicção, não pode ser descartada ou simplesmente conceituada como "equívoca" ou "imprestável".


i) A aceitação de que a prova pode apontar em dois sentidos e a consciência de que a convicção, apesar de não se submeter à lógica matemática, deve ser demonstrada através de argumentos capazes de justificar racionalmente a decisão judicial, enterra de vez por todas a idéia de pensá-las à distância do direito material e dos casos concretos que visam a elucidar.

Como visto, todo o percurso do raciocínio que leva à decisão se funda em critérios racionais que devem ser devidamente explicitados e justificados. Esses critérios, como é evidente, são muito mais complexos e sofisticados que as simplistas idéias que partem do pressuposto de que a prova inequívoca pode ser definida quanto ao seu conteúdo e de que a convicção pode ser medida em graus.

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Tais critérios, assim como a sua justificativa, encontram plena racionalidade quando conectados ao direito material e ao caso concreto que devem servir. Aliás, a obviedade de que as necessidades do direito material e dos casos concretos são várias é que aponta para a impossibilidade de se definir, segundo critérios matemáticos, a modalidade de prova e o grau de convicção que devem presidir a tutela antecipatória.

Diante dela, a única coisa que se pode definir, em princípio, é que a convicção do juiz, em razão de a decisão ter que ser tomada mediante cognição sumária – no curso do processo – em virtude de perigo de dano, deve seguir a lógica da verossimilhança preponderante. Não é preciso dizer que isso está muito longe das idéias de graduação da convicção e de restrição da prova capaz de gerá-la, até porque essa maneira de pensar inviabilizaria a própria elasticidade que deve marcar a tutela antecipatória e, assim, a sua possibilidade de atender de forma adequada aos vários casos conflitivos concretos.


j) Evidenciada a necessidade de relacionar a convicção de verossimilhança com o caso concreto, cabe esclarecer, desde logo, algo que, apesar de óbvio, nunca foi considerado pela doutrina, certamente pelo péssimo vezo de pensar o processo – e assim a prova, etc – como instituição neutra e indiferente ao direito material e ao caso concreto.

Quando a tutela jurisdicional (final) é realmente olhada pelo ângulo do direito material, tornase fácil perceber que ela pode ser repressiva ou preventiva, isto é, posterior ou anterior a violação do direito, o que obviamente também acontece com a tutela antecipatória.

O que atrapalha tudo - e é reflexo do que acaba de ser denunciado, ou seja, de imaginar que as categorias do direito processual podem ser tratadas e conceituadas como se dissessem respeito somente ao processo – é a tentativa de dissolver o conteúdo da tutela antecipatória na suposição de que não seria preciso identificar as peculiaridades e os pressupostos das diferentes tutelas fundadas em perigo, bastando conceituá-las como tutelas "de urgência" – que, assim, deixaria de ser um gênero que engloba várias realidades, mas sim uma realidade homogênea.

Acontece que a idéia de tutela de urgência somente pode explicar algo que é interno ao processo e não como ele trata do direito material e dos casos concretos. A falta de id entificação das tutelas que dão composição ao gênero "tutela de urgência" elimina a possibilidade de se explicar a convicção de verossimilhança e a justificação da decisão antecipatória, pois essas não são uniformes, ao contrário do conceito de urgência.

A circunstância de a tutela antecipatória, na perspectiva processual, poder ser conceituada como urgente, obscurece o fato de que a tutela urgente pode ser repressiva e preventiva (inibitória) e as importantes implicações que essa constatação tem para o assunto que aqui interessa.


k) Lembre-se de que a ação inibitória é voltada para o futuro, pois preocupada com o que vai acontecer, ou mais precisamente com a ameaça da prática, da repetição ou da continuação de um ato contrário ao direito24. Por isso, a tutela inibitória – final ou antecipada – deve ser prestada antes da prática do ato ilícito temido.

É preciso recordar que a própria tutela inibitória final se contenta com a verossimilhança da ameaça, e que a aceitação da redução da convicção do juiz, nesse caso, resulta do direito material, ou melhor, da irracionalidade de se exigir uma convicção de verdade quando a única prova que pode ser feita aponta para o passado. A peculiaridade está em que na tutela inibitória final a convicção de verossimilhança basta apenas em relação à presunção decorrente da ligação entre a prova do fato passado e o fato temido (futuro), pois quanto ao fato passado deve haver convicção de verdade.

Assim, no que respeita a ação voltada a impedir a repetição ou a continuação do ilícito, o juiz deve estar convicto de que o demandado já praticou ou iniciou um ato ilícito. Note-se que, nesses casos, deve existir convicção de verdade em relação ao fato passado (indiciário) e à ilicitude.

A probabilidade diz respeito apenas à presunção a ser estabelecida entre a prova do fato passado e o fato futuro. Ora, se o juiz não pode chegar à ameaça da repetição ou da continuação a não ser a partir da prova da violação já ocorrida, não é correto penalizar aquele que já sofreu o ilícito, pois a experiência mostra que o autor de um ilícito tem grande probabilidade de voltar à sua prática.

Na outra modalidade de ação inibitória – denominada de "pura" -, em que não se teme a repetição ou a continuação do ilícito, mas sim a prática de um ilícito sem que nenhum ato anterior da mesma natureza tenha sido cometido, deve haver convicção de verdade em relação a atos preparatórios ou a fatos objetivos que possam indicar a verossimilhança da prática do ato temido.

Da mesma forma que nas outras duas ações, aqui a convicção de verossimilhança diz respeito apenas à presunção sobre o fato temido, e não ao fato passado. Não há dúvida de que a convicção de verdade sobre os fatos passados, bem como sobre a ilicitude do fato temido, é suficiente para dar ao juiz a convicção necessária para conceder a tutela inibitória final.

Porém, tratando-se da tutela inibitória antecipada, a verossimilhança não atinge apenas a presunção. Na hipótese de ação dirigida a impedir a repetição ou a continuação do ilícito, a verossimilhança também recai sobre o fato passado e a sua ilicitude, enquanto que, no caso da chamada ação inibitória "pura", a verossimilhança igualmente incide sobre os atos preparatórios e a ilicitude do ato temido.

Em qualquer uma dessas situações, a concessão da tutela inibitória antecipada deverá ser racionalmente justificada, mediante a referência das relações entre as provas e os fatos passados e a explicação do raciocínio-ponte entre tais provas e o fato temido, demonstrando-se, além disso, a probabilidade da sua ocorrência no curso do processo.

A importância de observar o direito material e o caso concreto, nesses casos, é facilmente constatável quando são consideradas as seguintes particularidades: i) que deve ser provado para a concessão da tutela inibitória apenas um ato ilícito ou um ato preparatório ; ii) que o juiz deve ter apenas uma convicção de verossimilhança preponderante acerca desses atos; iii) que o raciocínio presuntivo deve se limitar a uma verossimilhança preponderante de que a prática, a repetição ou a continuação de um ato contrário ao direito, e não de um dano 25 , ocorram no curso do processo.

Por outro lado, há casos em que uma norma de proteção – por exemplo, do consumidor – já foi violada, sendo necessário remover os efeitos concretos do ilícito através de tutela antecipatória.

Nesse caso basta apenas a convicção de verossimilhança da violação da norma, pouco importando o dano ou a sua probabilidade - o qual, aliás, não importa nem mesmo para a tutela final. Quando o legitimado à proteção dos direitos do consumidor pede tutela antecipatória de busca e apreensão de produtos nocivos que foram postos à venda pelo réu, é suficiente que o juiz forme uma convicção de verossimilhança acerca da violação da norma de proteção, sendo desnecessária a prova acerca de eventual dano. O dano não pode ser discutido nessa ação de busca e apreensão, pois o que nela importa é apenas a necessidade de atuação do desejo da norma de proteção. Por isso, o juiz não pode deixar de conceder a tutela antecipatória, em um caso desse tipo, sob a alegação de que não há probabilidade do dano.

Note-se que na hipótese dos produtos nocivos a convicção de verossimilhança recai sobre um ilícito já praticado e o perigo de dano é decorrência automática da sua constatação. O que importa evitar, nessas situações, é pensar que o juiz deve se convencer da probabilidade de dano, ou que a tutela antecipatória requer a demonstração de que a venda do produto pode gerar dano.

É fundamental perceber que a tutela antecipatória na ação de remoção de ilícito, além de tomar em consideração um ilícito que já ocorreu, não objetiva evitar um ato futuro, mas apenas remover os efeitos concretos de um ato passado. Isso quer dizer que a prova, nesse caso, não se volta para o futuro - como acontece na tutela inibitória antecipada –, dirigindo-se apenas para o passado.

A situação é diversa quando se considera a tutela de reparação do dano. Quando se pensa na tutela antecipada de soma em dinheiro na ação de indenização fundada em ato ilícito, por exemplo, importa a convicção de verossimilhança do dano e da responsabilidade e o fundado (portanto também a convicção de verossimilhança) receio de que, se o ressarcimento demorar, outro dano poderá ocorrer.

Perceba-se que a ação inibitória se preocupa com um ato ilícito futuro, a ação de remoção do ilícito com um ato ilícito passado e a ação de ressarcimento com um dano já ocorrido. Na ação inibitória, portanto, é preciso demonstrar que um fato passado aponta para uma ameaça de violação.

Na ação de remoção de ilícito basta provar a ocorrência do ilícito. E na ação ressarcitória é preciso demonstrar o dano e a responsabilidade do demandado.

Tratando-se de tutela antecipada, a convicção deve ser compreendida na mesma perspectiva. Na tutela inibitória antecipada é preciso a convicção – de verossimilhança – de que foi praticado um ato e, além disso, que esse ato, segundo as regras de experiência, aponta para uma ameaça de violação, que poderá ocorrer no curso do processo. Porém, na tutela de remoção do ilícito antecipada é suficiente a convicção de verossimilhança de que foi praticado um ilícito, pois a ação de remoção não se preocupa com um ato futuro. O perigo de ato futuro, nessa ação, poderia estar relacionado, no máximo, com o tempo de demora do processo, ou seja, com a tutela antecipatória. Porém, nem mesmo esse perigo precisa ser objeto de prova, pois pode ser aferido a partir da própria razão de ser da norma de proteção violada. Vale dizer, se a norma de proteção deseja evitar condutas capazes de provocar danos, a probabilidade da sua violação, por si só, já é suficiente para evidenciar o perigo na demora. Como na ação de ressarcimento há que se demonstrar o dano e a responsabilidade, nada havendo para se alegar em relação ao futuro, o requerimento de tutela antecipatória somente se liga ao perigo na demora, isto é, à probabilidade da ocorrência de um novo dano ou de que o próprio dano que se deseja ver ressarcido seja potencializado. Aqui, ao contrário do que acontece na ação inibitória, basta apenas a demonstração do fato passado, sendo completamente desnecessário aludir a um fato futuro. O único fato futuro que requer demonstração, nesse caso, é o perigo na demora. Mas, esse perigo na demora, ao contrário do que acontece na inibitória, não é uma conseqüência da ameaça do ato futuro, ou mera decorrência da violação da norma, como ocorre na ação de remoção. Por isso, a prova do perigo na demora, nessa última hipótese, é mais delicada.

A necessidade da identificação de cada uma dessas tutelas é im prescindível não só para que as partes saibam o que deve ser discutido e provado em cada espécie de tutela antecipada, mas também para que o juiz tenha condições de racionalmente expressar a sua convicção. Ora, o juiz somente pode se dizer convencido se sabe do que deve se convencer. E as partes apenas podem controlar a motivação se sabem o que deve ser objeto do convencimento judicial. Daí a importância de se deixar claro, por um lado, i) que a tutela inibitória não se preocupa com o dano e o elemento subjetivo, mas apenas com a probabilidade do ato contrário ao direito; ii) que a tutela de remoção do ilícito nada tem a ver com o dano e com a culpa, mas apenas com a ocorrência de um ato contrário ao direito; e iii) que a ação ressarcitória se liga ao dano e aos critérios de imputação da sanção ressarcitória. E, por outro lado, que o perigo na demora deriva i) da ameaça de violação na ação inibitória; ii) da própria violação na ação de remoção; iii) mas não é decorrência automática do dano.

Deixe-se claro, contudo, na linha do que se demonstrou até agora, que o valor da convicção depende da racionalidade da sua justificação, vale dizer, da descrição das relações entre as provas e os fatos e da explicação das presunções e das regras de experiência.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. Prova, convicção e justificativa diante da tutela antecipatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1182, 26 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8847. Acesso em: 22 nov. 2024.

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