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Tutela antecipada ex officio

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Estão em tramitação no Congresso Nacional alguns projetos de lei que propõem mudanças no Código de Processo Civil, na linha das "mini-reformas" iniciadas em 1994, cujo objetivo é alterar pontualmente a lei adjetiva pátria.

Dentre tais projetos, encontra-se o que propõe a reforma do artigo 273 da lei processual – referente ao instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional –, para incluir novos parágrafos e modificar alguns dos já existentes. Saliente-se, por oportuno, que o referido dispositivo é bastante recente, haja vista que veio à lume com a Lei n.º 8.952/94.


Nada obstante serem necessárias e verdadeiramente úteis as mudanças a serem operadas com o referido projeto de lei, sobretudo aquela que permite ao juiz conceder o provimento antecipado quando o pedido tornar-se incontroverso – baseado na "ordinanza per il pagamento di somme non contestate", do artigo 186-bis do Código de Processo Civil italiano –, é de se dizer que a redação, mesmo após as alterações, ainda impossibilitará o que certamente seria o maior avanço no caminho à prestação jurisdicional efetiva, qual seja: a possibilidade de concessão de tutela antecipada "ex officio" pelo magistrado.

A afirmação que se acabou de fazer causa espécie à grande maioria dos estudiosos do Direito, que em resposta à citada possibilidade bradam a ofensa ao princípio dispositivo e ao princípio da demanda. Em verdade essas ofensas não existem e tal não é difícil de se provar.

No que tange ao primeiro princípio, pode-se dizer o seguinte: o princípio dispositivo, derivado do brocardo romano "iudex secundum allegata et probata partium iudicare debet", significa que o juiz deve julgar conforme o alegado e provado pelas partes (conf. Antonio Carlos de Araújo Cintra et al. Teoria Geral do Processo. 12.ed. São Paulo : Malheiros, 1996, p. 64. e Ovídio Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes. Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1997, p. 46). Está positivado no artigo 333 do Código de Processo Civil e tem em contraposição o princípio inquisitório. A prevalência do primeiro sobre o segundo é inversamente proporcional à disponibilidade dos direitos postos em juízo. Nesse sentido, resta patente que a concessão de tutela antecipada "ex officio" não fere o princípio dispositivo, pois com ele não guarda qualquer relação, haja vista que dispõe sobre a iniciativa de produção da prova.

No concernente ao segundo princípio, a demonstração de não ferimento é pouco mais dificultosa, porém perfeitamente factível. Por princípio da demanda entende-se a proibição de o juiz prestar a jurisdição sem o requerimento da parte interessada. Parte da premissa de que uma das características do direito é a faculdade de exercê-lo, não sendo ninguém obrigado a exercer direitos. Está normatizado nos artigos 2o, 128 e 460 do Código de Processo Civil.

Pode parecer, em um exame inicial, que a redação do artigo 2o estaria a impedir a incoação estatal na concessão de antecipação de tutela. Entretanto, é imperioso observar que, quando um cidadão comum procura o seu advogado para propor uma ação em juízo, ele pretende precipuamente o que tecnicamente se chama de efeitos da tutela jurisdicional, uma vez que ele busca não o resultado de um processo executório posterior à declaração do direito pelo magistrado após um longo processo de cognição, mas sim fruir do bem da vida o mais rapidamente possível. Não é ousado asseverar que, ao peticionar em juízo, já está implícito qualquer requerimento para concessão do provimento judicial que garanta a fruição do bem da vida almejado.

Com efeito, pensar de modo diverso será conceber a possibilidade de algum cidadão entrar em juízo e não pretender de imediato o bem da vida. Em verdade, essa possibilidade existe, haja vista que o direito de mover a máquina estatal para solucionar lides é constitucionalmente garantido. O absurdo é que, impedindo o juiz de atuar de ofício nos casos autorizadores – previstos no "caput" e incisos do artigo 273 –, estar-se-á chancelando tais condutas levianas, o que se mostra absolutamente indesejável.

É inolvidável que a sentença de mérito e a coisa julgada são importantes para a segurança do ordenamento jurídico – razão pela qual não se dispensa a necessidade de o processo seguir até o final –, mas os efeitos antecipáveis dessa sentença deverão sê-lo, sem a necessidade de requerimento.

Curiosamente, a doutrina que aceita a incoação estatal na antecipação da tutela – doutrina já dissidente, diga-se – só o faz nos casos de perigo de dano irreparável para a parte. Isso ocorre porque, em tais casos, resta nítido o desprestígio a que ficaria submetido o Poder Judiciário, não sendo possível deixar o direito da parte perecer pela inércia de seu patrono.

No entanto, não há razões para impedir o juiz de agir de ofício mesmo nos casos de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, a uma pelas razões já expostas no que tange ao não ferimento dos princípios processuais citados, a duas porque em tais casos o Poder Judiciário também resta desacreditado, uma vez que as chicanas são perpetradas dentro do processo, à vista do juiz.

Resta evidenciado de forma incontestável, portanto, que não há razões para impedir a incoação estatal na antecipação de tutela, qualquer que seja a hipótese ensejadora. Entender o contrário significa estar arraigado a pensamentos vetustos e já não condizentes a moderna forma de conceber a prestação jurisdicional, pensamentos esses que, conforme alvitra Luiz Fux, confundem neutralidade com omissão e imparcialidade com irresponsabilidade (Tutela de Segurança e Tutela da Evidência. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 74).

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Por fim, importante frisar que os operadores do direito, principalmente os advogados, estão lidando com direitos que não lhes pertencem, razão pela qual devem ter a máxima cautela para que o processo confira aos demandantes a melhor e mais rápida forma de tutela possível. A demora em conferir aos postulantes o direito por eles buscado, mormente se injustificadas – haja vista que baseadas em violações inexistentes, como se buscou demonstrar –, interessa apenas às partes que se valem das aberturas conferidas pelo processo para retardá-lo e aos magistrados que, ainda presos a antigas concepções de imparcialidade, permanecem inertes frente a manifestas injustiças.

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Sobre o autor
Paulo Eduardo Pinto de Almeida

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Paulo Eduardo Pinto. Tutela antecipada ex officio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -973, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/885. Acesso em: 23 dez. 2024.

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