Aplicação das leis sistêmicas no Direito de Sucessões.

Ampliação do olhar para os conflitos relacionados à herança

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Resumo:


  • Relações jurídicas derivam de relações humanas e podem ser influenciadas por emaranhamentos sistêmicos, que precedem o conflito aparente.

  • A aplicação das leis sistêmicas no Direito de Sucessões permite ampliar a visão sobre a herança, considerando as dinâmicas ocultas e a raiz dos conflitos entre herdeiros.

  • Estudos de casos e pesquisa bibliográfica demonstram que o respeito às leis sistêmicas pode resolver conflitos de herança, harmonizando as relações entre as partes e trazendo compreensão e paz ao sistema familiar.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. O DIREITO SISTÊMICO

O Direito Sistêmico surge em meados de 2012, com o Dr. Sami Storch, juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Bahia, que deu um passo a mais na sua postura e atuação, pois trouxe uma nova possibilidade de cultura de paz e uma justiça humanizada, reverberando no Sistema de Justiça do Brasil.

Da observação do Dr. Sami Storch dos emaranhamentos sistêmicos refletidos nos processos judiciais e através da sua “[...] análise do direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações sistêmicas.” (STORCH, 2010) possibilitou a ele a aplicação das referidas leis nas demandas sob a sua competência para julgamento, proporcionando às partes ampliarem o olhar para entenderem a raiz do conflito, além do aparente, do que apresentavam e percebiam.

Assim, o Direito Sistêmico, com fulcro na Hellinger Sciencia, traz um avanço ao incluir a possibilidade de ampliar o olhar em relação ao conflito e à herança, além do sentido meramente patrimonial. Tornando-se possível aos herdeiros, apesar do “peso”, valorizarem e reconhecerem, com gratidão aquilo que seus pais e antepassados construíram com amor. Além de ser um recurso bastante eficaz na resolução de conflitos relativos à herança como será demonstrado adiante.

Através da vasta bibliografia desenvolvida por Bert Hellinger, somado aos estudos de sua esposa, Sophie Hellinger, percebemos como sendo a raiz dos conflitos jurídicos, a inobservância das ordens do amor, aqui denominadas como leis sistêmicas: pertencimento, hierarquia (ordem) e equilíbrio entre dar e receber, que dão origem aos emaranhamentos sistêmicos familiares.

Para Bert Hellinger (2012, p. 193), “Os emaranhamentos mais incisivos são os sistêmicos. Eles também são, em sua maioria, inconscientes.”

Por isso, o objetivo aqui é focarmos, então, como as leis sistêmicas podem ser aplicadas no Direito de Sucessões, especialmente no que tange aos conflitos oriundos da herança, e quando não são observadas, afetam as relações das partes envolvidas, bem como, as relações jurídicas relacionados a partilha do patrimônio/bens.


6. OS REFLEXOS DA INOBSERVÂNCIA DAS LEIS SISTÊMICAS NOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DA HERANÇA

A primeira herança tomada de nossos pais é a imaterial. Quando censurada, de alguma forma, traz emaranhados. Quando aceita como um grande presente, pode estar à serviço da vida.

Quem toma a vida, e reconhece essa grandiosidade tem força para tomar a herança e fazer algo de bom com ela, de seguir adiante.

Para tanto, Bert Hellinger nos ensina que ajudar é uma arte, e como tal pode ser aprendida e desenvolvida (HELLINGER, 2013, p. 13).

A ajuda é algo essencial para o desenvolvimento da vida e da espécie humana, pois o ser humano (conhecido como Homo Sapiens Sapiens), dentro do reino animal, é o mamífero que mais depende do outro para sobreviver, crescer e desenvolver-se. Sem a ajuda, a vida do ser humano, torna-se impossível.

Assim, têm-se as condições prévias e básicas, para esses relacionamentos humanos, que são complexas e complementares entre si, as leis sistêmicas.

De forma sucinta podemos definir o pertencimento como o igual direito de todos os membros de um mesmo clã de pertencer. A hierarquia ou ordem se orienta pela precedência no tempo em um determinado clã, ou seja, quem chegou tem prioridade sobre aquele que chegou depois. Ao passo que o equilíbrio pode ser sentido nas relações entre o dar e tomar.

Bert Hellinger nos trouxe grandes reflexões sobre os relacionamentos entre homens e mulheres e entre pais e filhos. Ele nos ensina que “As relações humanas começam com o dar e o tomar, e com o dar e tomar começam também nossas experiências de culpa e inocência. Pois quem dá tem também direito de reivindicar, e quem toma se sente obrigado.” (HELLINGER, 2006, p. 17).

No olhar sistêmico, a inocência e culpa são experimentadas todo momento, e estão intrinsecamente ligadas as ordens do amor, pois podem ser experienciadas de formas diferentes, conforme o vínculo, a ordem e o equilíbrio.

A inocência está ligada a boa consciência do sistema familiar, ou seja, quando estamos conectados, de igual forma, com os nossos pensamentos, desejos e ações com o sistema familiar. Ao passo que a culpa está ligada a má consciência, ou seja, quando afastamos os nossos pensamentos, desejos e ações do sistema familiar, emergindo a sensação de medo de perder a ligação com o seu sistema (HELLINGER, 2017, p. 53). Ambas as consciências estão a serviço da conscientização do todo (HELLINGER, 2007, p. 152).

Há, contudo, que deixar registrado que a boa consciência é a força propulsora por trás de quase todos os grandes conflitos.

Ao passo, que somente experimentando a culpa, podemos crescer e abrir-se para algo novo no sistema familiar. Essa culpa é experienciada com respeito a tudo como foi, da forma que foi, assumindo as consequências das escolhas.

Nesse sentido, quando se trata de herança imaterial, cada ser humano, está vinculado à consciência familiar, que pode sobrepor, de forma inconsciente à consciência individual.

As consciências são campos diferentes, e estão ligados à boa e má consciência.

A consciência pessoal (individual) é limitada, pois, está vinculada à sua percepção dos julgamentos quanto ao bom e mal. De tal sorte que poderá reconhecer o direito para alguns de incluir e de outros de exclusão (HELLINGER, 2017, p. 53).

A consciência coletiva (familiar) é um pouco mais ampla, pois inclui os excluídos da consciência pessoal, no entanto, também está restrita a inclusão aos membros do seu próprio clã.

E a consciência espiritual é mais ampla, acolhe a tudo e a todos, pois não há diferenciação entre bom e mau, e pertencimento e exclusão (HELLINGER, 2017, p. 53).

Assim, a nossa consciência individual nos vincula ao nosso grupo familiar, uma comunidade de destino. A comunidade de destino é formada “[...] com aqueles que através de cujos sacrifícios nos beneficiamos. Também formamos uma comunidade de destino com aqueles que, através de nossas perdas ou danos, ou através de nossa saída antes do tempo, obtiveram alguma vantagem.” (HELLINGER, 2014, p. 44).

Por isso, o desrespeito às leis sistêmicas, leva a emaranhamentos, que impedem uma profunda e real solução para o conflito, especialmente quando tratamos da herança imaterial, aqui entendida como a herança de comportamentos, saúde, valores, crenças, religião, cultura, língua etc.

De um lado os pais dão o que receberam de seus pais, e do outro lado os filhos tomam a sua vida dos seus pais e tudo que veio antes deste. O nascimento com vida é, sem dúvida, o primeiro grande êxito na vida do ser humano. Depois, no futuro, os filhos poderão dar o que receberam antes, garantindo o fluxo da vida (HELLINGER, 2015).

Dos nossos pais, herdamos tudo, na totalidade, que vem de ambos os sistemas ao preço que custou a cada um: do amor à dor; do sucesso ao fracasso; de ser visto às exclusões; da prosperidade à escassez; da alegria à tristeza. É importante observar que os filhos recebem dos dois sistemas, ao mesmo tempo, da linhagem do pai e da mãe. Por tal fato, receber a vida com honra e dádiva, sem qualquer outro desejo, sem recusa e sem medo, traz força e flui a nossa vida com harmonia (HELLINGER, 2017, p. 36).

O ato de tomar a vida deve ser de forma humilde, é assentir “[...] à vida e ao destino tal como foi predeterminado; aos limites que foram impostos, às possibilidades que foram dadas, aos emaranhamentos no destino dessa família, na culpa dessa família ou no que haja de pesado e de leve nela, seja o que for.” (HELLINGER, 2017, p. 36).

E mais. Quando o filho assente com tudo isso que vem de seus pais e de sua ancestralidade, de forma profunda e sem censura, aceita-se integralmente a vida e o seu lugar, e entra em conexão com a sua real herança, a imaterial.

Os filhos tomam a vida e seu lugar, sua função no sistema familiar e sua missão a serviço de Algo Maior.

Ao passo que a recusa dessa herança imaterial, através do julgamento, tira a força de fluição da vida, e rejeita a si mesmo, sentido-se, na mesma medida, os emaranhados sistêmicos, de irrealização, cego e vazio (HELLINGER, 2017, p. 37).

Nesse sentido ainda, pode emaranhar-se através da reivindicação ou arrogar-se de algo que não faz jus, seja por ausência de realização própria ou pelo preço de algo que não pagou.

Do mesmo modo, inconscientemente, pode tomar para si uma culpa, uma obrigação, ou doença por seus pais ou ancestrais, gerando, com isso, violação ao princípio sistêmico de hierarquia, que pode levar ao conflito por disputa de lugar ou punição que leva ao fracasso e ruína.

Outro fator que pode trazer emaranhados para os filhos, por lealdade e inconsciente, é quando estes não respeitam o destino e as escolhas de seus pais, pois tiram a sua dignidade e estes filhos arrogam-se de um lugar da qual não possuem, já que os pais têm prioridade na ordem de chegada (principio sistêmico da hierarquia), ou seja, os pais são os “grandes” e os filhos são “pequenos” (HELLINGER, 2020, p. 175).

Acresça-se ainda, que muitos pais, além de darem a vida, são responsáveis pela alimentação, educação e tudo que permite o desenvolvimento e crescimento dos filhos, inclusive com a imposição de limites necessários. Aliás, para Bert Hellinger, a ordem precede o amor.

Assim, quando adulto, esse filho, em sintonia com a vida, poderá sentir que recebeu o suficiente e fará o restante sozinho, deixando os pais em paz, e por tal fato, não precisará mais fazer exigências aos pais, pois será responsável pelo seu destino (HELLINGER, 2020, p. 178).

Por isso, entendemos que quando tratamos do Direito de Sucessões, no que tange ao direito sucessório da herança, é imprescindível, entender que antes da transmissão do patrimônio (herança material), as nossas relações com a nossa família e sociedade derivam de uma herança imaterial.

“A palavra patrimônio vem do latim “patrimonium”, junção da palavra “pater” (pai) e “monium” (recebido)”. A sua origem estava ligada a ideia de herança pelo qual a figura do pai transmitia aos seus filhos o patrimônio (PATRIMÔNIO…, 2020).

Para efeitos do presente artigo, patrimônio pode ser entendido, em sentido amplo, como “[...] o complexo de direitos e obrigações pecuniariamente apreciáveis inerentes a uma pessoa. No patrimônio se compreendem as coisas, os créditos e débitos, enfim todas as relações jurídicas de conteúdo econômico das quais participe a pessoa, ativa ou passivamente.” (GOMES, 2001).

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Muito embora tenham diversos posicionamentos doutrinários quanto à definição e natureza jurídica do patrimônio, é importante ressaltarmos que o Código Civil vigente, no LIVRO II, da Parte Geral, no artigo 79 e seguintes, dispõe sobre os bens.

Aqui, para o presente trabalho, entendemos que o patrimônio é a universalidade de bens corpóreos, que possui existência física, concreta, como por exemplo, veículo, obra de arte etc., bem como os bens incorpóreos, são abstratos, mas possuem cunho econômico, como por exemplo, direitos autorais, crédito etc.

Quando um filho espera ou reivindica uma herança, no fundo, de forma inconsciente, deseja a morte desses pais, pois se arroga de algo que não lhe pertence e em nada construiu para consegui-lo (HELLINGER, 2014).

Nesse sentido o Direito de Sucessões pátrio, ao legislar sobre a herança, está em sintonia com esse pensamento, pois coloca o falecido como autor da herança. No entanto, limita o seu direito livre de dispor sobre ela. Trazendo, por muitas vezes conflitos nas relações jurídicas.

Por isso, no campo sistêmico, a herança material, pode ser vista como uma benção ou maldição, pois carrega todo o peso que vem com ela. Com força de servir a vida ou levar as perdas financeiras, saúde e até a morte.

Impende esclarecermos, que assim como ocorre com as pessoas, o patrimônio, representado pelos bens (corpóreos e incorpóreos) possuem uma memória, no qual carrega o peso ou a leveza de como foi adquirida, se fruto do trabalho ou resultado de vantagens sobre algo ou alguém, ainda que não haja responsabilidade pela perda, dano ou morte (HELLINGER, 2016).

Assim, através do estudo de casos, com o olhar amplo e sistêmico, concluímos que a raiz do conflito, origina-se nos emaranhamentos sistêmicos, e com a observância das leis sistêmicas possibilita às partes a encontrarem uma solução, que efetivamente traga paz profunda na Alma de todos no sistema familiar.

Assim, denota-se claramente com a revisão bibliográfica, que só há paz no sistema, quando todas as partes entram em sintonia com as leis sistêmicas, através de um olhar amplo que possibilite tomar a herança com tudo (pesado, leve), sem julgamento, sem censura, tal como é.


7. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Após revisão bibliográfica, em especial literatura das constelações, observamos que a metodologia mais adequada para atender ao objetivo pretendido seria o estudo de caso.

Dois casos com dinâmicas bem distintas revelaram como o não respeito às leis sistêmicas geram consequências no campo das relações jurídicas da herança.

Trata-se o primeiro caso da partilha de bens deixados pela mãe de 6 irmãos maiores de idade em que um dos irmãos discordava com a divisão proposta, provocando dificuldade na tramitação do processo. Esse relato revela a violação das leis sistêmicas de ordem e pertencimento.

No primeiro caso, uma das autoras no papel de facilitadora de constelações familiares, através da vivência de constelação familiar, pôde levar as clientes a observarem o essencial no seu sistema de origem.

A vivência de constelação familiar abre um movimento de conhecimento no campo fenomenológico, no qual observa o todo de forma plena e vazia, sem intenção de modificar ou avaliar, sendo verificada no indivíduo.

Para estar em sintonia com o campo da fenomenologia é necessário para facilitadora “[...] esvaziar-se, tanto em relação às ideias preexistentes quanto aos movimentos internos, sejam eles da esfera do sentimento, da vontade ou do julgamento.” (HELLINGER, 2007, 14). Essa postura de observação requer um centramento, vazio, sem intenção, destemor ao que se verá, sem expectativa, em sintonia com a realidade que se apresenta poderá levar o indivíduo a um passo a mais de compreensão.

No segundo caso, temos a descrição de um atendimento ocorrido dentro de uma consultoria sistêmica conduzido por uma das autoras deste artigo, que possibilitou à cliente a reflexão sobre a sua dinâmica de não tomar a herança.

As profissionais atuaram de um lugar neutro, sem intenção, sem medo, sem expectativa e sem amor romântico, assim como nos ensinou Bert Hellinger, através de uma observação fenomenológica.

Ressaltamos que as autoras, dentro dos papéis desempenhados, estavam a serviço do sistema das clientes, levando-as à essência dos emaranhamentos do sistema familiar de origem de cada uma. Foi revelado o essencial, de forma a possibilitar às clientes darem o próximo passo, e cada profissional retirou-se com respeito ao atendimento e aos sistemas familiares de cada cliente, sem julgamento.

7.1 Relato da dinâmica 1

A primeira dinâmica trata-se de uma vivência de constelação familiar procurada por duas irmãs que relataram o conflito entre irmãos, decorrente da partilha de bens deixados pela mãe após seu falecimento. Relatam que são seis irmãos, todos maiores de idade, e apenas um não concordava com a partilha, trazendo conflito entre eles e dificuldades na tramitação do processo, que já durava há mais de sete anos.

A facilitadora sugere fazer a constelação de forma velada, sem revelar os elementos ou pessoas do sistema que seriam representadas. Então, são definidos pela consteladora cinco representantes para iniciar a constelação. A cliente (irmã mais velha) escolhe pessoas para entrar na constelação identificadas por crachás numerados: representante do processo (1), o irmão em conflito que aqui será chamado por “irmão adotado”2 (2), o representante dos bens (3), a cliente (4) e representante dos outros irmãos (5). Com o desenvolvimento da vivência, os seguintes representantes foram acrescidos: representante do irmão natimorto (6); a mãe da cliente (7), o pai da cliente (8) e os pais biológicos do irmão adotado (9).

É solicitado aos representantes que se esvaziem, observem os movimentos, sem intenção de ajudar e façam movimentos lentos a cada passo.

Os representantes procuram o seu lugar dentro do campo de constelação. Logo percebe-se que o representante do irmão adotado (2) olha fixamente para o chão, no centro do campo. Os demais representantes não se olham. O representante do processo (1) olha para fora, para longe, do campo. O representante dos bens (3) está próximo do irmão adotado (2). A cliente (4) olha de longe para o campo sem se fixar em alguém de forma específica.

Aguardam-se os movimentos dos representantes. Após um tempo, a facilitadora pede para a cliente escolher mais um representante, identificado com o crachá 6, para ser posicionado no chão para onde o irmão adotado (2) olha fixamente.

Com a inclusão do representante (6), deitado no chão, este também fixa o olhar para o representante do irmão adotado (2). E permanece assim por algum momento. A cliente, espontaneamente, informa que os pais tiveram um filho que morreu logo após o nascimento (natimorto), e que em razão da dor da perda, a mãe convenceu o pai a adotar um bebê que, por isso, está sendo denominado de irmão adotado (2). Elas só tiveram conhecimento desse fato recentemente e nem sequer sabem o nome desse irmão que faleceu e da procedência dos pais biológicos do filho tomado em adoção (2).

Com a fala da cliente, a facilitadora percebe que há uma um relaxamento do semblante de todos os representantes, especialmente do representante do irmão adotado (2) e do representante do irmão natimorto (6).

Assim, a facilitadora pergunta a ambos qual é sensação/sentimento presente para cada um. O irmão adotado (2) informa que não tem lugar. O representante do irmão natimorto (6) informa que também não tem lugar e não se sente visto.

Os demais representantes percebem o que está acontecendo. O representante do processo (1) e o representante dos bens (3) informam que ouvem, mas não é algo que lhes chama a atenção. A cliente (4) e o representante do irmão natimorto (6) ficam atentos aos movimentos do irmão adotado (2) e do representante dos outros irmãos (5), como se esperassem algo. A facilitadora então inclui mais três representantes, a mãe da cliente (7), o pai da cliente (8) e os pais do filho adotado (9). E logo percebe-se novo movimento no campo. O representante dos pais do filho adotado (9) se coloca atrás do filho adotado (2) e se sente bem. A mãe (7) e o pai da cliente (8) olham primeiro para o representante dos outros irmãos (5) e logo em seguida para o filho adotado (2). Algo acontece no campo. E o representante dos pais do filho adotado (9) informa que quer ser e precisa ser visto, muito embora sinta que não faz parte.

Os demais representantes percebem o que está acontecendo. O representante do processo (1) e o representante dos bens (3) informam que ouvem, mas não é algo que lhes chamam a atenção. A cliente (4) e o representante do irmão natimorto (6) ficam atentos aos movimentos do irmão adotado (2) e o representante dos outros irmãos (5), como se esperassem algo. A facilitadora então inclui mais três representantes, a mãe da cliente (7), o pai da cliente (8) e os pais biológicos do irmão adotado (9). E logo, percebe-se novo movimento no campo. Os pais biológicos do irmão adotado (9) se colocam atrás do irmão adotado (2) e este se sente bem. A mãe da cliente (7) e o pai da cliente (8) olham primeiro para o representante dos outros irmãos (5) e logo em seguida para o irmão adotado (2). Algo acontece no campo. E os pais biológicos do irmão adotado (9) informam que querem e precisam ser vistos, muito embora sintam que não fazem parte.

Assim, a facilitadora sugere frases para serem ditas pelos pais da cliente (7 e 8): “Eu vejo a dor de vocês”; “Vocês têm o lugar de vocês”; “São os pais biológicos e certos para ele” (apontando para irmão adotado (2); “Eu vejo vocês”; “Vocês vieram antes e nós depois para cuidar dele”; “Agradecemos a renúncia de vocês”. Os pais biológicos do irmão adotado (9) então diz que estão aliviados e se sentem vistos e reconhecidos. Assim, como o irmão adotado (2) vira-se para trás, faz uma reverência e volta a olhar para o centro do campo, mas ainda olhando para o representante do irmão natimorto (6), sentindo-se mais tranquilo nesse momento. Os pais da cliente (7 e 8) olham para o representante do irmão natimorto (6) no chão, sendo que a mãe da cliente (7) está mais próxima dele. Ela se senta no chão, ao seu lado, e coloca a cabeça do representante (6), em seu próprio colo.

A facilitadora sugere agora frases para a mãe da cliente (7) dizer para o representante do irmão natimorto (6) no chão: “Eu senti muita dor com a sua morte”; “Por amor quis substituir você e agora vejo que você tem o seu lugar na nossa família e no meu coração”; “Assim como ele...” (apontando para o irmão adotado (2) “...também tem o lugar dele”; “Você seguiu o seu destino e agora posso cuidar de você”. A mãe da cliente (7) olha para o pai da cliente (8): que está um pouco mais afastado, e é orientada a dizer: “Eles têm o lugar deles”; “Ele faz parte e tem um lugar no meu coração.” O pai da cliente (8) se aproxima e dá a mão para o representante do irmão natimorto (6) no chão. Todos os demais se sentem aliviados. O representante do processo (1) diz que não faz mais parte e não tem lugar ali. Pede para retirar-se e a facilitadora concorda. O representante dos bens (3) sorri para os pais da cliente (7 e 8) e fica mais perto deles. A facilitadora orienta para a cliente (4) dizer para o representante do irmão natimorto (6) no chão: “Agora eu vejo você”; “Alegro-me com seu lugar e recebo a herança dos nossos pais como um presente”; “E farei algo de bom em sua honra.” Facilitadora pede então para a cliente olhar para o irmão adotado (2) e dizer: “Eu vejo você”; “Você tem o seu lugar”; “Eu vejo a força que vem dos seus pais”; “Agora olho para você e seu destino com amor, pois permitiu que ele (apontando para o representante do irmão natimorto (6) no chão, meu irmão, fosse visto e reconhecido”.

Todos se sentem aliviados com as frases. Aguarda-se mais um tempo e a facilitadora se retira com respeito a tudo vivenciado na constelação e dá por encerrado.

Percebe-se que há algo que precisa ser dito (frases de solução ditas), mas há algo que ocorre invisível aos olhos deduzido pela mudança de qualidade das sensações e percepções compartilhadas pelos representantes que são captadas e compreendidas pela facilitadora, trazendo alívio às representadas e igualmente percebido por todos no recinto que estão observando a vivência de constelação.

7.2 Relato da dinâmica 2

Uma cliente, para uma consulta jurídica, com enfoque sistêmico, relatou sentir muita angústia com relação à herança que havia recebido de seu pai. No momento em que ela nos procurou não havia nenhum processo judicial em trâmite, também nenhum conflito entre as herdeiras, apenas o sentimento de peso, tristeza profunda e a grande dificuldade em lidar com todas as questões relativas ao patrimônio que o pai dela transmitiu após sua morte para a mãe dela (que está viva) e as três filhas, sendo ela a mais nova.

A herança é composta de três imóveis, fruto do trabalho do pai, bem como da herança que ele mesmo recebeu de seus pais. Ainda em vida e já com a saúde debilitada, estes imóveis foram alugados para fins comerciais e passaram a ser fundamentais para o sustento da família, mas, por outro lado, os aborrecimentos decorrentes dessas relações de locação eram constantes. Muitos desses conflitos com locatários se tornaram processos judiciais.

Após o falecimento do pai, há quase trinta anos, os conflitos e disputas judiciais continuaram. Os imóveis permanecem alugados para os mesmos locatários da época do pai. A dor, o peso, a angústia só aumentavam, segundo a cliente. A sua mãe, apesar de ser uma pessoa extremamente organizada e inteligente, nunca conseguiu administrar o patrimônio e lidar com os conflitos, delegando à filha mais velha essa função que foi por ela aceita num primeiro momento.

Com o passar do tempo, a irmã mais velha passou a administração dos imóveis para a mais nova (a cliente). Neste momento, já era advogada e passou a assumir tal responsabilidade. A irmã do meio nunca se envolveu nessas questões.

A cliente informou que a herança havia se tornado de fato uma carga/peso para às herdeiras. Em muitos momentos, por conta desses conflitos constantes com os locatários ela pensou em vender sua parte ou até mesmo renunciá-la em favor das outras herdeiras, acreditando que isso traria paz.

Cumpre esclarecer que seu pai faleceu aos cinquenta e quatro anos, quando ela tinha apenas quinze anos de idade. Ele foi acometido de uma cardiopatia grave que se iniciou dez anos antes do falecimento. A cliente relatou que o seu pai teve uma relação extremamente conturbada com um de seus tios, que era seu sócio na empresa, fundada pelo seu avô, e transmitida por herança para três dos seus sete filhos. Estes filhos foram, na ordem de chegada, o terceiro, o pai da cliente (quarto) e o quinto.

Ela narrou que o tio (o terceiro filho) e o pai viveram em conflito por muitos anos. Até que o pai conseguiu comprar a parte do referido tio, continuando a sociedade apenas com o quinto filho, com o qual mantinha uma relação mais amistosa. Apenas um ano e meio após a compra da parte do irmão, o pai foi acometido pela grave doença cardíaca, que o levou a óbito. Com o avanço da doença, encerraram as atividades da empresa e passaram a alugar o imóvel onde funcionava essa empresa. O valor do imóvel passou a ser dividido entre o pai e o tio, sendo que o primeiro recebia dois terços e o segundo um terço do valor. E assim segue até hoje entre as herdeiras dos dois sócios.

Nesse atendimento jurídico, com enfoque sistêmico, foi explicado sobre as três “ordens do amor” descritas por Bert Hellinger; as consequências da exclusão daqueles que pertencem ao sistema familiar, bem como a importância de dizer sim ao destino difícil daqueles vieram antes.

A cliente mencionou ainda que tinha em sua posse vários documentos antigos que continham a história do imóvel, bem como de sua família paterna. Sua mãe, que reside em outra cidade, havia deixado com ela, há mais de um ano, mas que até aquele momento, ela ainda não teria encontrado coragem para entrar em contato com aquilo, pois segundo ela, apenas olhar para aquela pilha de documentos trazia muita tristeza.

Então foi marcado um próximo atendimento, com uma tarefa a ser cumprida: fazer a leitura dos documentos deixados pela mãe dela e depois relatar a experiência.

Ao retornar, a cliente nos contou que saiu do primeiro atendimento com muita coragem e sentindo a força necessária para entrar em contato com os documentos, ainda que soubesse que seria doloroso. Ela percebeu que havia chegado o momento de se apossar da própria história e que não queria transmitir aquele sofrimento adiante para seu filho.

Narrou que encarou todos os papéis que estavam na pilha de documentos, um a um. Sentiu toda a angústia e tristeza que eles traziam. Eram documentos onde o pai desfazia a sociedade com o tio, onde o avô paterno transferia bens aos seus filhos. Documentos sobre os imóveis, alguns datavam da década de 1960. Por fim, disse que sentiu muita dor e chorou muito durante esse processo, mas depois sentiu compreensão e um grande alívio.

Além de examinar os documentos, ela entrou em contato com a mãe e tios para saber mais detalhes sobre o passado e acabou encontrando mais dores e destinos difíceis na família. Relatou que um tio faleceu precocemente aos quinze anos por causa de uma doença grave. Outro tio, o mais velho, que não figurava como herdeiro de nenhum dos imóveis constantes daqueles documentos, perdeu contato com a família. Além de documento contendo instruções do avô para seus filhos que na falta dele, cuidassem da sua filha mais nova e custeassem seus estudos. De fato, a tia ficou sem os pais, ainda muito pequena.

Foi dada sequência ao atendimento individual da cliente colocando representantes para o pai, todos os tios, os avós, a herança e ela própria através de bonecos. Ela olhou para todos e fez o movimento de incluí-los em seu coração, além de concordar com os destinos deles, fazendo reverências a todos.

Ao final, ficou muito emocionada ao compreender e sentir internamente que a herança é um grande presente que ela pôde ganhar do seu pai. Passou a sentir profunda gratidão pelo que recebeu e por tudo que o dinheiro dos aluguéis lhe trouxe de bom, os estudos que foram pagos e todo o conforto material que recebeu. Conseguiu se conectar ao amor e à vida que fluíram do pai para ela e suas irmãs. Nas palavras dela, aquilo que era um fardo passou a ser uma benção. A gratidão trouxe leveza.

Após aproximadamente três meses, ela nos deu o seguinte retorno: desde o último atendimento passou a agradecer todos os dias ao pai por tudo, pelo tempo que ele viveu com ela, com a mãe e com as irmãs e por todo carinho, cuidado e generosidade dele em deixar imóveis e que passou a reconhecer que isso tudo é fruto de muito amor.

Com relação aos imóveis, a situação já estava começando a melhorar e que um deles já havia sido colocado em uma empresa administradora de imóveis e que isso já estava facilitando o trato com o locatário desse imóvel. Isso trazia ainda mais leveza para ela, pois quem tomou a iniciativa de terceirizar a administração do imóvel foi sua irmã mais velha.

Passado um mês do contato anterior, a cliente nos disse que decidiu e comunicou à irmã mais velha que “não seria mais advogada da família e que entendeu que este não é o seu papel”. E as duas chegaram à conclusão que outra pessoa deveria administrar todos os imóveis. Dessa forma, a cliente relatou que já fazia uma semana que os três imóveis já estavam sendo administrados por uma empresa especializada, e que a funcionária da empresa conseguia resolver com facilidade as questões envolvendo a relação locatícia. Assim, tudo teria ficado ainda mais leve. O medo e a angústia em entrar em contato com a locatária diminuíram consideravelmente com essa medida.

Sentiu que algo voltou ao lugar e fluir.

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Sobre as autoras
Roberta Aparecida Moreira Reis dos Santos

Advogada sistêmica. Presidente da Comissão de Direito Sistêmico da OAB Subseção de Itaquera (2019-2020) Vice Presidente da Comissão de Direito Sistêmico da OAB Subseção da Lapa (2017-2018) Facilitadora de Constelação Sistêmica Pós-Graduada em Constelação Familiar aplicada ao Direito Sistêmico pela Hellinger Schule e Faculdade Innovare Docente de Direito Sistêmico na Pós-Graduação em Constelação Familiar pela USCS Pós Graduanda em Direito Civil e Processual na Faculdade Legale Coordenadora sistêmica do projeto Oficina de Direito Sistêmico #pazparatodos no Fórum Regional de Santo Amaro, Voluntária nos Projetos Sistêmicos no âmbito do Sistema de JustiçaConstelação Familiar Ipiranga e Justiça Terapêutica no JECRIM, ambos no Fórum Regional do Ipiranga, Projeto Integração no Fórum Regional do Jabaquara. Fundadora do Círculo Sistêmico de Amor Co-autora dos livros O Poder da Constelação em 27 relatos e Pensamento Sistêmico - Abordagem Sistêmica aplicada ao Direito.

Maria dos Remédios da Silva

Facilitadora de constelação sistêmica

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado para a conclusão da Pós graduação de Direito Sistêmico pela Hellinger Schule e Innovare.

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