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Constitucionalização do Direito Privado e seu reflexo na relação contratual moderna

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26/08/2006 às 00:00
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3. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito não é norma isolada, e sim um sistema de normas de um ordenamento social (daí decorrendo que uma norma particular apenas possa ser considerada jurídica se pertencente a esse ordenamento); essa premissa somada à força normativa das disposições constitucionais, podemos iniciar o exame do que vem sendo chamado de Direito Civil Constitucional. [156]

Por Direito Civil Constitucional deve-se entender, na definição de Flores-Valdés, como um sistema de normas e princípios institucionais integrados na Constituição, relativos à proteção da pessoa em si mesma e suas dimensões fundamentais familiar e patrimonial, na ordem de suas relações jurídico-privadas gerais, e concernentes àquelas outras matérias residuais consideradas civis, que tem por finalidade firmar as bases mais comuns e abstratas da regulamentação de tais relações e matérias, nas que são suscetíveis de aplicação imediata, ou que podem servir de ponto de referência da vigência, da validez e da interpretação da norma aplicável da pauta para o seu desenvolvimento. [157]

Nesse contexto a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito; toda a ordem jurídica deve ser lida, entendida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. [158] A constitucionalização do direito infraconstitucional não identifica apenas a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucional. [159]

O respeito à Constituição implica não somente a observância de certos procedimentos de validade para a emanação da norma infraconstitucional, mas também a necessidade de que seu conteúdo atenda aos valores presentes e sistematizados na própria Constituição, decorrentes das opções político-jurídicas do legislador constituinte. [160]

Assim, no campo contratual, acompanhando Enzo Roppo [161], podemos enumerar duas premissas que movem as alterações jurídicas:

a)Não há declaração de vontade livre e vinculante se os desiguais, social e economicamente considerados, não foram tutelados com normas jurídicas distintas tendentes a conferir-lhes isonomia e a realizar a máxima constitucional: todos são iguais perante a lei. Igualdade substancial (e não meramente formal) pressupõe tratamento isonômico para os semelhantes.

A exposição da vontade não é livre quando à parte hipossuficiente ou economicamente mais vulnerável não é dada a liberdade de escolha de contratar ou não contratar, ou de estabelecer as condições mínimas que preservem seus interesses juridicamente tutelados.

b)Por outro lado, a regulamentação dos contratos é instrumento de regulação e planejamento econômico, de realização de políticas sociais, promoção do progresso e manutenção da estabilidade social.

O Estado Social Moderno constatou a falsidade das premissas do Estado Liberal. Não havia igualdade entre os homens. Passou, então, a buscar seus ideais de justiça, de paz e segurança social e de igualdade e dignidade humana, apesar das desigualdades econômicas e sociais, através da intervenção nas relações privadas. E tais ideais não se alcançam nem com a irrestrita autonomia individual, tampouco com a improvável e ineficaz atuação absolutista e onipotente do Estado, seja o juiz, o legislador ou o administrador.

É no equilíbrio entre direitos e liberdades individuais e interesses públicos e sociais que se obtém, com maior eficiência, o que se pode chamar de relação jurídica justa e economicamente equilibrada, preservando-se, ao mesmo tempo, os valores erigidos na Constituição Federal, tais como a propriedade privada e a livre iniciativa.

A autonomia contratual não é mais vista como um fetiche impeditivo da função de adequação dos casos concretos aos princípios substanciais contidos na Constituição e às novas funções que lhe são reconhecidas. Por esta razão desloca-se o eixo da relação contratual da tutela subjetiva da vontade à tutela objetiva da confiança, diretriz indispensável para a concretização, entre outros, dos princípios da superioridade do interesse comum sobre o particular, da igualdade (em sua face positiva) e da boa-fé em sua feição objetiva. [162]

Enfim, no novo sistema de Direito Civil, fundado pela Constituição, a prevalência é de ser atribuída às situações existenciais, ou não patrimoniais, porque à pessoa humana devem o ordenamento jurídico inteiro e o ordenamento civil, em particular, dar a garantia, a tutela e a proteção prioritárias. Por isso, nesse novo sistema, passam a ser tuteladas, com prioridade, as pessoas das crianças, dos adolescentes, dos idosos, dos consumidores, dos não proprietários, dos contratantes em situação de inferioridade, dos membros da família, das vítimas de acidentes anônimos. [163]

O princípio constitucional não garante o respeito e a proteção da dignidade humana apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não degradante, nem tampouco traduz somente o oferecimento de garantias à integridade física, psíquica e moral do ser humano. A Constituição Federal considera essa dignidade "fundamento da República". Dados o caráter normativo dos princípios constitucionais e a unidade do ordenamento jurídico, para o que nos interessa nesta sede, para o Direito Civil, isso vem significar uma completa transformação, uma verdadeira transmutação. [164]

A igualdade – formal e substancial, a solidariedade e a dignidade da pessoa humana se tornam os parâmetros axiológicos da jurisprudência e de todo o aparato jurídico conceitual, estando aptos a fundar uma verdadeira revolução nos conceitos jurídicos próprio do Direito Privado e, sobretudo, na função atribuída a esses conceitos. [165]


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Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. Constitucionalização do Direito Privado e seu reflexo na relação contratual moderna. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1151, 26 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8856. Acesso em: 18 dez. 2024.

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