A Polícia Civil na Velha Desterro

23/02/2021 às 17:37
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De acordo com Sun Tzu, “comandar muitos é mesmo que comandar poucos. Tudo é uma questão de organização”. No âmbito da polícia civil, o problema a ser equacionado se traduz na escassez do fator humano, que se agrava com os passar dos anos. Entenda como isso repercute na polícia da velha Desterro.

“A polícia civil é uma máquina de triturar sonhos e aniquilar pensamentos, enquanto perdurar a perspectiva carcomida de Narciso entorpecido nas glebas do Dante Negro” – Juarez Espindola[1]

O presente texto tem como fito descrever a situação da Polícia Civil na velha Desterro, no que tange ao desfomento do fator humano.

De acordo com Sun Tzu[2], “Comandar muitos é mesmo que comandar poucos. Tudo é uma questão de organização”. No âmbito da instituição, o problema a ser equacionado se traduz na escassez do fator humano, que se agrava com os passar dos anos.

E nesta seara, a falta de policiais funciona como justificativa para baixa resolução dos crimes ou pelo estado de letargia de algumas unidades policiais. No entanto, como bem descreve Sun Tzu, quando o gestor não tem pleno conhecimento das capacidades e o potencial de cada integrante, pouco será relevante a quantidade de funcionários a sua disposição.

É justamente essa visão de bom gestor que o conhecimento prévio das habilidades de cada servidor, muitas vezes ocultas no ambiente policial, poderá ser a mola propulsora para o aproveitamento adequado do quadro funcional, que, em regra, é insuficiente em números.

Cabe destacar que, mesmo com esse óbice nas delegacias, temos homens e mulheres obstinados em restaurar a terra árida em solo propício para o paradigma da renovação.

Porém, apenas essa determinação individual de alguns dilapida a energia no bojo das frivolidades de cada cargo, que, salvo melhor juízo, concretiza-se na expressão latina “Vanitas Vanitatum ominia vanitas”.

A praxe da fogueira das vaidades favorece a mirada individual de cada grupo, e amputa a visão do todo, num processo degenerado de antropofagia corporativa que está além da nomenclatura da função. Nessa perspectiva, nada importa a viração alísia a favor, se não sabemos para onde irmos. Se faz necessário canalizar as energias proativas existes para o questionamento cerne, ou seja, a Polícia Civil quer estar onde daqui há uma década?

Para equacionar a indagação retratada, poderia se efetivar uma semana dedicada à corporação, no qual por intermédio da apresentação de trabalhos de cunho acadêmico, minicursos e outras atividades cientificas, seria capaz de municiar a Polícia Civil frente aos desafios a serem superados nos próximos anos, além de conceber os anais do encontro, em ferramenta na sistematização de pontos fortes e conscientização daqueles que precisam ser aperfeiçoados.

Pode-se afirmar que não olhar a Polícia Civil sob esse prisma é mesmo que fazer uma analogia ao adágio popular: “Que insanidade consiste em efetuar sempre o mesmo modelo de pensamento, e esperar um desfecho adverso”.

Por isso, a valorização do fator humano é uma questão sine qua non para que o ar da metamorfose percorra os corredores da Polícia Civil, e encontre as portas e janelas do pensar abertas.

Um dos grandes obstáculos enfrentados pela Marinha e pelo Exército Brasileiro no teatro Guerra do Paraguai, foi o completo desconhecimento da geomorfologia daquele país. Guardada as devidas proporções, a falta de entendimento dos gestores da Polícia Civil acerca dos meandros da geografia relativa aos recursos humanos, contribui significativamente para o êxito ou insucesso na propositura de uma política pública de Estado.

Neste contexto, verifica-se uma triste realidade de alguns colegas de labor, que consiste no fenômeno da desaposentação, sob o qual alguns funcionários inativos há dois anos ou mais tiveram que retornar as atividades. Salienta-se que não se adentrará na questão do remédio constitucional do Mandado de Segurança Coletivo, utilizado para garantir em tese um pretenso direito, mas se enfatiza, nesse momento, a carência de apreço aos policiais civis que regressaram sem qualquer apoio para adaptar-se novamente à rotina, sem mencionar a disputa judicial que instalou-se, e que fez um determinado grupo retornar por duas vezes no período de dois meses.

Transportando a situação para a contemporaneidade, frise-se que a gerência de recursos humanos na capital do Estado realiza um trabalho louvável, no que tange à orientação dos policiais civis que pleiteiam a aposentadoria, como forma de minorar e prepará-lo para uma nova etapa de vida.

Contudo, faltou esse suporte aos colegas que foram reconduzidos ao fronte, bem como, seria oportuno desadormecer da Instituição dos braços do Morfeu ou melhor de Hipnos, no reconhecimento dos policiais através de uma placa ou diploma, além de implementar homenagens pelos 10, 20, 30 ou mais anos na entidade.

Essa deveria ser uma atitude institucional e não de gestores isolados, e assim, por intermédio desse simples ato, alçar o poder simbólico de prestar a devida vênia àqueles (as) que nos antecederam, rompendo com a ideia equivocada do descartável.

Muito conhecimento construído de forma empírica se finda com a aposentadoria do policial, em virtude de não termos a prática em realizar a pesquisa cientifica de maneira institucionalizada.

Aprender com o passado nos fortalece. Nesse sentido Cicero[3], alerta-nos que “A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos”. Em resumo, olhar para o tempo pretérito com o propósito de não efetuar os equívocos do passado, até mesmo porque existe uma zona abissal entre teoria e prática, principalmente nas atividades ligadas à polícia judiciária em que o crime está em constante adaptação.

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O passado tem lições relevantes a serem transmitidas, e, para isso, temos que criar o ambiente propício no que concerne a escutar, observar e colocar em prática. Posto que o conhecimento empírico poderá converter-se em saber cientifico.

Alguns desavisados, numa análise rasa e revestida de anacronismo, efetuam a projeção de uma realidade pautada em laços de liquidez, como frisa Zygmunt Bauman[4], em sua obra o Amor Líquido, onde a condição humana está fragilizada em torno das relações de índole efêmera e na decrescente falta de contanto entre os seres humanos.

Então, a edificação deverá ser estruturada na rocha ou na areia? A passagem bíblica já alerta-nos em que terreno se deve construir, ou seja, na base estável.

Não é prudente ficar observando o trem da História passar, como mero expectador, mas sim tornar-se protagonista dessa transição. Logo, a memória de homens e mulheres da Polícia Civil, que foram pioneiros nos rincões do estado Barriga-verde, não pode ficar no ostracismo institucional, até mesmo porque a história se percebe com o olhar do presente para o passado, e não o contrário.

Conforme Saldanha[5] (2006, 75) ressalta: “Na visão tradicional, uma organização pública é organizada e controlada por autoridade legítima, que estabelece objetivos, define a estrutura, escolhe e administra os dirigentes e buscas formas de garantir seu funcionamento de maneira consiste com os objetivos do governo”. Porém, na atualidade, o autor destaca que se faz necessário a divisão do trabalho com colaboradores em áreas especificas, com a finalidade de aperfeiçoar a gestão pública na utilização adequada do fator humano, com foco na celeridade e eficiência.

Urge resgatar o fulgor no olhar daqueles que adentraram na instituição, e, com passar dos anos, essa percepção vai se deteriorando pela erosão da indiferença, pois, de acordo com Chiavenato[6] (2003, p. 119) “O comportamento humano é motivado”.

Desse modo, almeja-se que esse modesto e limitado texto seja o crepitar do ardor transformador, que perpassa pela valorização do servidor ao exercer, de forma plena, sua atividade de investigar, na qual esse agente imbuído dos ditames do planejamento organizacional será o arauto da Polícia Civil, conectada aos desafios do século 21, visto que, juntos, temos uma possibilidade de mudança estrutural. Todavia, fragmentando-nos, penetra-se na rota de colisão com interesses não republicanos.

Neste seguimento, é salutar parafrasear Miguel de Cervantes Saavedra, que diz: “Quando se sonha sozinho é apenas um sonho. Quando se sonha juntos é o começo da realidade”. Portanto, que a utopia possível seja edificada sob a égide do enaltecimento do recurso humano.


Notas

[1] In memoriam – Policial Civil que trabalhou por três décadas na Polícia Civil de SC, além de ocupar o cargo de Diretor do Presídio Regional de Joinville/SC por quase uma década. Ele representou o repositório considerável de informantes na referida urbe.

[2] BUSHIDO, Nikko. A arte da guerra: os treze capítulos originais/ Sun Tzu. São Paulo: Jardim do Livros, 2007

[3] TEIXEIRA, Felipe Charbel. Uma construção de fatos e palavras: Cícero e a concepção retórica da histórica. Belo Horizonte: 2008. 

[4] BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

[5] SALDANHA, Clezio. Introdução _a gestão Pública. São Paulo: Saraiva, 2006.

[6] CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria da administração das organizações. Rio de Janeiro: Elsever, 2003.

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Sobre o autor
Paulo Sergio Lopes

Policial Civil em SC. Graduando em Geografia pela UDESC e em Ciências Jurídicas pela CNEC/Joinville. Especialista em políticas pela UDESC e inteligência Criminal (UNIDAVI). Mestrado em Educação - UNINORTE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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