Caro(a) leitor(a), hoje quero compartilhar com você a decisão de um processo judicial no qual atuei em causa própria.
Disclaimer (aviso legal): não necessariamente o desfecho do caso será o mesmo em demandas similares. Trato neste artigo do entendimento do magistrado neste caso específico, não existindo qualquer compromisso ou promessa de repetição de resultado caso seja utilizada a fundamentação trazida.
Como produzo bastante conteúdo online, optei por comprar um novo microfone de lapela e escolhi a maior loja de fotografia do mundo, a BH Photo e Vídeo, localizada na icônica cidade de Nova Iorque.
O produto me custou cerca de 90 dólares norte americanos.
Quando recebi o produto, tive a ingrata surpresa que muitos brasileiros têm ao realizar uma compra diretamente do exterior, seja dos Estados Unidos, da China, ou qualquer outro lugar do mundo, a cobrança do imposto de importação.
O valor inclusive cobrado naquela oportunidade era bastante alto comparado ao valor do produto, foi então que decidi realizar uma vasta pesquisa acerca da legalidade da cobrança da taxa de importação.
Vale destacar que a Receita Federal considera que são isentos do tributo produtos de até 50 dólares, conforme Portaria 156 de 1999.
Foi então que tomamos como base para nosso estudo o Decreto-Lei n.º 1.804/80, que dispõe sobre tributação simplificada das remessas postais internacionais.
O referido decreto, traz em seu artigo 2º, II, que as remessas de até 100 dólares, quando destinados a pessoas físicas, são isentas do imposto de importação, senão vejamos:
Art. 2º O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá:
(...)
II - dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas.
Portanto, a Portaria MF 156/99, bem como a IN SRF 096/99, contraria o disposto em norma hierarquicamente superior, razão pela qual entendi ser cabível a restituição do imposto pago.
Detalhe importante, optei por pagar o imposto, pois não queria que o produto fosse devolvido ao remetente. Sendo assim, a restituição se deu contabilizando juros e correção monetária ao final da demanda.
Importante destacar, ainda, que a jurisprudência vem reiteradamente se manifestando sobre a ILEGALIDADE da cobrança de imposto de mercadorias cujo valor seja inferior a US$ 100,00 (cem dólares norte-americanos) e cujo destinatário seja pessoa física, INDEPENDENTEMENTE SE O REMETENTE FOR PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA, vejamos:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. DECRETO-LEI N.º 1.804/1980. PORTARIA MF N.º 156/99 e IN SRF N.º 96/99. ILEGALIDADE. DECRETO Nº 1.789/96. 1. Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80, art. 2º, II, as remessas de até cem dólares, quando destinadas a pessoas físicas, são isentas do Imposto deImportação. 2. A Portaria MF 156/99 e a IN 096/99, ao reduzir o valor para cinquenta dólares e ao exigir que tanto o remetente quanto o destinatário sejam pessoas físicas, restringiram o disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80. 3. Não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo, extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, eis que vinculada ao princípio da legalidade. 4. O inciso V do art. 41. do Decreto 1.789/96 prevê a inexistência de cobertura cambial da remessa como condição para dispensa da formalização do despacho de importação e não para isenção de que trata o art. 2º, II do Decreto-Lei nº 1.804/80.
(TRF 4, REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL 5043235-70.2016.4.04.7000, Relator(a):ROGER RAUPP RIOS, PRIMEIRA TURMA, Julgado em: 13/12/2017, Publicado em: 13/12/2017)
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. DECRETO-LEI N.º 1.804/1980. PORTARIA MF N.º 156/1999 e IN/SRF N.º 096/1999. ILEGALIDADE. 1. Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/1980, art. 2º, II, as remessas de até US$ 100,00 (cem dólares), quando destinadas a pessoas físicas, são isentas do Imposto de Importação. 2. A Portaria MF nº 156/1999 e a IN/SRF nº 096/1999, ao exigir que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas, restringiram o disposto no Decreto-Lei nº 1.804/1980. 3. Não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo (portaria), extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, pois está vinculada ao princípio da legalidade. 4. Apelação e remessa oficial desprovidas.
(TRF 4, 5044645-03.2015.404.7000, PRIMEIRA TURMA, Relatora MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 07/07/2016)
Desta forma, entendo que independente da qualificação como pessoa física ou jurídica do remetente, a isenção é estabelecida para destinatário pessoa física cujo valor do objeto não ultrapassar a US$ 100,00 (cem dólares), sob pena de grave ofensa ao princípio da Legalidade.
Na decisão, o Julgador do 10º Juizado Especial Federal do Rio de Janeiro acatou a fundamentação trazida, determinando a restituição do valor pago a título de imposto de importação, em razão da fundamentação trazida.
Aproveitando o ensejo do processo, também sustentei a ilegalidade da cobrança da taxa de despacho postal cobrada pelos Correios, que corresponde a R$ 15,00.
Na mesma decisão, o juízo entendeu também pela ilegalidade da cobrança, entretanto, em recurso julgado pela 8ª Turma Recursal do Rio de Janeiro, o Relator entendeu pela reforma da sentença, no que diz respeito à taxa de despacho postal, decidindo pela legalidade da cobrança, não tendo alterado a sentença nos demais aspectos.
Espero que este relato possa auxiliar milhares de pessoas que constantemente fazem compras pela internet e acabam sendo taxadas em compras de valor inferior a 100 dólares e não tenham o conhecimento do referido decreto lei.