16. ESTATÍSTA DAS CASSAÇÕES DE MANDATOS POR LEGISLATURA
Perquirindo em torno da estatística das cassações de mandatos de parlamentares por legislaturas, observa-se que a partir do ano de 1946 até o ano de 2020, foram cassados 207 parlamentares, entre deputados federais e senadores. O período que mais cassou parlamentares foi entre os anos de 1967 a 1971, com a cassação de 102 deputados federais e 06 senadores. O segundo período que mais cassou foi entre 1963 a 1967, quando em vigor os atos institucionais 01 e 02, com 66 cassações de parlamentares. Na vigência do AI-5, no período de 1975 a 1979, foram cassados 07 deputados federais e 01 senador. No período mais aproximado do atual, entre 2019 a 2021, apenas 01 deputado federal foi cassado, ocorrido na data de 05 de novembro de 2020.
17. DA DECISÃO DA CÂMARA FEDERAL MANTENDO A PRISÃO
Rebuscando o resultado da votação pela Câmara Federal, que decidiu pela manutenção da prisão do deputado federal, Daniel Silveira (PSL-RJ), perante a estatística precitada, observa-se a presença de um julgamento sui generis , com relação a atual conjuntura política, uma vez que dentre os 513 deputados, bastaria apenas o voto de 257 parlamentares para a manutenção da prisão de Daniel Silveira. Contudo, vislumbrou-se os excessivos votos de 364 deputados federais, para mantê-lo preso, onde em sua maioria, como acima delineado, pertence aos partidos de esquerda, contrários ao atual Governo Federal ou responde a processos no Supremo Tribunal Federal, pela prática de diversos crimes, conforme acima anunciado.
Neste sentido, há duas motivações para manter os parlamentar preso, a primeira não é meramente a obrigação de exercer a oposição política, mas para impedir que o Presidente Jair Bolsonaro governe, enquanto a que segunda exsurge o temor de contestar a decisão do ministro, Alexandre de Moraes, do STF, mormente porque, por unanimidade de votos, os demais membros da Corte Maior votaram em favor do entendimento do ministro relator do inquérito administrativo judicial, preservando o “direito” de não ser julgados pelo STF, até o final de seus mandatos.
18. DA CONCLUSÃO
Pelo tudo que foi exposto, chega-se à seguinte conclusão:
1) A ilegitimidade do Inquérito Administrativo Judicial nº 4.781-DF, instaurado pelo STF é um ato atípico e antijurídico, que refoge a competência do Poder Judiciário, sendo este ato típico do Poder de Polícia, exercido pela Polícia Judiciária da União, nos termos do artigo 144 e seguintes da Constituição Federal vigente.
2) Presente está também a incompetência ratione materiae por parte do STF, uma vez que a matéria ora tratada está relacionada a Lei de Segurança Nacional, que dispõe especificamente de crimes que aviltam a segurança interna do país, e que a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, esses crimes passaram a ser da competência da Justiça Comum Federal, competindo aos Juízes Federais processar e julgar os crimes políticos, salvante a competência da Justiça Militar e Eleitoral, nos termos do inciso IV, do artigo 109, da Carta Política de 1988, uma vez que os crimes políticos são tipificados como praticados contra a Segurança Interna do País, in verbis:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar”:
“IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”. (Grifos nossos).
3) As imputações apontadas pelo ministro Alexandre de Moraes, compiladas do vídeo divulgado em redes sociais, via internet, não configuram a prática de crimes contra a segurança nacional, em razão da Lei nº 7.170, de 1983, onde seus verbos do tipo penal, denominado núcleo do tipo, no pertinente a descrição da conduta legal, cujo verbo tem o escopo de demonstrar qual a ação que, se praticada, ocasionará, a princípio, uma responsabilidade penal individual, mas determinada por determinado grupo.
Destarte, há tipos uninucleares, com a presença de apenas um verbo, a exemplo do artigo 121 do CPB, que conduz o verba matar, enquanto que os tipos plurinucleares, também conhecidos por crime de ação múltipla, possuidores, em sua descrição, de vários verbos, a exemplo da Lei nº 7.170, de 1983, que trata da Segurança Nacional, que somente pode ser cometido pelos meios de execução de grupos subversivos. Enquanto que a conduta de divulgar conteúdo, via internet, é tido como um crime formal, que se consuma sem a produção do resultado naturalístico, embora ele possa ocorrer; é instantâneo, pois a consumação não se prolonga no tempo; é monossubjetivo porque pode ser praticado por um único agente; é simples porque atinge um único bem jurídico, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada ou pública da vítima.
Ademais, a LSN é uma norma extravagante, cujo conteúdo é por demais criticado a partir de sua gênese, pela doutrina nacional, sendo taxada como inconstitucional por várias motivações, a exemplo das medidas processuais que interferem nos direitos fundamentais, além dos tipos penais que se afastam do princípio da legalidade, que discrepa do direito penal moderno e democrático. Porquanto, os confusos mal elaborados tipos penais não coadunam para a aplicação do Estado Democrático de Direito, inclusive confundindo como o real Estado Democrático de Direito, invocado por uma lei de espírito ditatorial, que foi aplicada à época, em face da necessidade, conforme alhures explicada.
Diante deste contexto, perquire-se em torno do entendimento de um ministro do STF, e professor de Direito Constitucional, em empregar a Lei de Segurança Nacional, tão combatida pelos próprios constituintes, para o enquadramento da conduta do parlamentar, em um inquérito administrativo-judicial do STF, como se palavras de um só homem, acobertadas pela imunidade parlamentar, prevista no artigo 53 da Constituição Federal vigente, transformassem em crimes praticados contra a segurança interna do Brasil.
4) No pertinente a hipótese de cabimento da prisão em flagrante delito, o artigo 302 do CPP, dispõe sobre de situações em que haja cabimento da aplicação da medida prevista no artigo 301 do mesmo Diploma Legal, tais como: (1) é flagrado cometendo a infração penal; (2) acaba de cometê-la, ou seja, em instantes após o ato, porém não necessariamente em fuga; (3) é perseguido após situação que se faça presumir ser o autor da infração, na hipótese de tentativa de fuga; (4) é encontrado, logo após a inflação, com elementos que indiquem ser sua a autoria do fato criminoso.
Consequentemente, o artigo 303 do CPP, reza que “Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito, enquanto não cessar a permanência”.
Nessa Inteligência, a própria jurisprudência do STF já entendeu que a inflação permanente é aquela que acontece ininterruptamente. Dessa forma, estará sujeito à prisão em flagrante delito, aquele que cometer o ato durante o período de permanência de infração, ou seja, exaurida a infração, não há mais que se falar em flagrante delito, salvante as hipóteses do incisos II, III e IV, do artigo 302 do CPP, acima apontados.
Por outro lado, tem-se com crimes permanentes o tráfico de drogas, o porte e a posse ilegal de arma de fogo, o sequestro, dentre outros.
No presente questionamento, por conseguinte, não há como enquadrar as figuras dos crimes virtuais de propagar notícias fraudulentas (fake news ), de denunciação caluniosa, de ameaças e em detrimento da honra, como infrações de cunho permanente.
No caso das notícias fraudulentas – fake news , que significa “notícias falsas”, definindo-se como quaisquer informações ou notícias falsas ou não verdadeiras, que são compartilhadas como se fossem verdadeiras, divulgadas em contextos virtuais, mais precisamente em redes sociais. Diante desse fato, perquire-se atualmente a utilização do fake news no Brasil é considerado crime?
Nos termos do inciso XXXIX do artigo 5º da CF/88, reza-se que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Trata-se do Princípio da Legalidade em matéria penal – Nullo crimen, nullo poena sine lege paevia. Porquanto, pela carência de lei penal, sem fato anterior à criação da norma incriminadora, não há que se falar em crime. Na verdade, embora estejamos diante de divulgações de fatos imorais, da prática de uma ilicitude civil ou até de grave pecado, não há como condená-los, em razão da carência de lei anterior que os definam e os cominem penas, não há crimes!
Por outra monta, a criminalização das fake news no Brasil, somente existe no âmbito do Direito Penal Eleitoral, por meio da Lei nº 13.834, de 2019, inserindo o artigo 326-A no Código Eleitoral, criminalizando a prática de denunciação criminosa eleitoral, cujo tipo reza que “dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil u ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral”. Assim sendo, podemos afirmar que as fake news já estão criminalizadas no âmbito específico do Direito Eleitoral.
É cediço que há vários projetos tramitando no Congresso Nacional, objetivando à criminalização das fake news , a exemplo do PL nº 2630, de 2020, de autoria do senador, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que pretende criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
No pertinente as demais infrações apontadas no inquérito administrativo-judicial, como a denunciação caluniosa, ameaças e em detrimento da honra, praticadas pelo parlamentar, considerando-as como crimes permanentes, diante da situação fática de que o vídeo permaneceu sendo visualizado por determinado tempo, na redes sociais, via internet, não há considera-los permanentes, com pretexto único de mantê-los em situações de flagrantes delitos, por se tratarem de crimes formais, instantâneos com efeitos permanentes, cujos resultados não depende do agente, monossubjetivo e simples, cujo exaurimento ocorreu no momento em que o ministro tomou conhecimento do teor do vídeo, como já manifestado alhures.
5) No que concerne a expedição do mandado de prisão em flagrante, além de ter sido considerado uma inovação jurídica, não prevista em nosso ordenamento jurídico, foi cumprido ilegalmente, em razão das precitadas alegações de fato e de direito, corroborado com a previsão do inciso XI, do artigo 5º, da Constituição Federal vigente, dispondo que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Evidentemente, caso cabível a situação de flagrância, não havia a necessidade da expedição de ordem judicial, para o seu reconhecimento, uma vez que o artigo 283 do CPP é cristalino ao prescrever que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”. Ademais, o artigo 285 do mesmo Diploma Legal, estabelece que quem ordenar a prisão deverá fazer expedir o respectivo mandado.
Diante do exposto, observa-se que o mandado, com a formalização da ordem judicial, tem a sua exclusividade para os casos de prisão cautelar, seja ela preventiva ou temporária. É sabido que, nos termos do artigo 301 do CPP, qualquer pessoa poderá realizar a prisão, de quem estiver em flagrante delito. No caso em análise, o ministro do STF, deveria ter-se limitado ao reconhecimento da situação de flagrância, determinando a captura do deputado federal, porém ao impor sua força de mandado de prisão à prolação de sua decisão, de acordo com a fundamentação da questão, deixou transparecer tratar-se de decretação em outra modalidade de prisão cautelar. (Grifei).
De efeito, é sabido que na hipótese de flagrante delito, nos termos do inciso XI, do artigo 5º da CF/88, a prisão é admitida a qualquer hora do dia ou da noite, inclusive com o ingresso forçado na residência do agente a ser preso. No caso da prisão cautelar, decorrente de mandado judicial, tem que ser obedecido “as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”, nos termos do § 2º, do artigo 283, do CPP, de que a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. (Inserido pela Lei nº 12.403, de 2011). (Grifei).
Por conseguinte, a expedição de mandado de prisão é considerada uma regra, nos casos de prisão cautelar preventiva ou temporária, contudo, em se tratando de uma prisão de parlamentar federal, a Constituição Federal veda essa espécie de cautelar, tampouco poderia ser decretada de ofício, mas tão somente por meio de provocação, de acordo com as previsões dos artigos 282, § 2º e 311, ambos do Código de Processo Penal.
Porquanto, vislumbrando-se os termos finais do Despacho do ministro Alexandre de Morais, determinando (a) “Imediata efetivação da prisão em flagrante delito, por crime inafiançável do deputado federal Daniel Silveira. (...). (c) “que a autoridade policial providencie a preservação do conteúdo do vídeo (...); servirá essa decisão como mandado que deverá ser cumprido imediatamente e independentemente de horário por tratar-se de prisão em flagrante delito. Encaminhe-se imediatamente ao Diretor-Geral da Polícia Federal, para cumprimento imediato, independente de horário, em razão da situação de flagrante (...)”.
Neste sentido, chega-se em suma a dedução de que o parlamentar foi preso ilegalmente, devendo ser libertado de forma imediata, por se tratar de medida extrema contra o estado de liberdade do cidadão, cujo direito é universalmente garantido, somente é admitido quando determinada por ordem legal e emanada de autoridade competente, além de respeitado o devido processo legal. Ademais, a prisão ilegal é representada como toda providência decretada em processo penal que prive alguém de sua liberdade de locomoção, sem a observação mínima dos requisitos exigidos por lei. Porquanto, toda prisão não decorrente de flagrante delito ou por meio de mandado judicial é ilegal, cuja regra é prevista na Constituição Federal vigente.
De efeito, a prisão ilegal, todavia, tem a sua significação, antes de qualquer coisa, a presença flagrante da ilegalidade. Assim sendo submetido alguém a prisão ilegal, sem importar perquirir a motivação, este fará jus à indenização, às custas do Estado, cujo encargo é assumido pelos cofres públicos da União, com a indenização, que fará a recomposição patrimonial do indivíduo lesado.
FONTES DE CONSULTAS
Constituição Federal de 1988
Código Penal Brasileiro
Código de Processo Penal
Leis Infraconstitucionais vigentes.