INTRODUÇÃO
O texto trata da exposição do direito e do procedimento administrativo inerente a elegibilidade ou não dos militares, o qual, em regra, é desconhecido do público civil, utilizando-se para isso do método dedutivo e expositivo.
1. DIREITOS POLÍTICOS
Desde os primórdios da construção do atual Estado Democrático de Direito, percebe-se a inobservância ao princípio da isonomia na esfera militar, principalmente como pode ser observado nos direitos políticos na Constituição de 1824, onde somente:
Podiam votar todos os homens de 25 anos ou mais que tivessem renda mínima de 100 mil-réis. [...] As mulheres não votavam, e os escravos, naturalmente, não eram considerados cidadãos. Os libertos podiam votar na eleição primária. A limitação de idade comportava exceções. O limite caía para 21 anos no caso dos chefes de família, dos oficiais militares, bacharéis, clérigos, empregados públicos, em geral de todos os que tivessem independência econômica. [...] A lei brasileira permitia ainda que os analfabetos votassem. (grifo nosso).[1]
Diferentemente da Carta Magna de 1824, a Constituição de 1891, foi taxativa quanto à exclusão do direito ao voto de determinada classe de militar, pois “A principal barreira ao voto, a exclusão dos analfabetos, foi mantida. Continuavam também a não votar as mulheres, os mendigos, os soldados, os membros das ordens religiosas.” [2]
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de1988 caíram por terra as barreiras do direito ao voto, porém se mantiveram alguns cerceamentos ao exercício dos direitos políticos dos militares.
1.1. Atuação de Militares em Campanha Eleitoral
O militar candidato a cargo eletivo, nos termos da legislação que disciplina o assunto, está autorizado a participar da campanha eleitoral. Todavia, existem algumas vedações que são impostas aos militares, inclusive aos da reserva remunerada ou reformados, candidatos aos diversos cargos eletivos da República.
Por essa razão, veda-se ao militar, por exemplo, participar de campanhas eleitorais fardado (nº 58, Anexo I do RDE) ou fazer campanha em área sob administração militar (nº 56, Anexo I do RDE).
Algumas proibições de natureza disciplinar, no entanto, não serão absolutas durante o período eleitoral. Por exemplo, ao militar da ativa não é permitida a manifestação pública, discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos político-partidários (nº 57 e 59, Anexo I do RDE). Ora, estando em campanha política, o militar candidato estará, necessariamente, discutindo assuntos político-partidários, mas não será, por esse fato, punido, visto que a própria constituição o autoriza a assim proceder, ao permitir que o militar se candidate a cargo eletivo.
Entretanto, assuntos de natureza eminentemente militar, tais como a defesa externa, planos de atuação das Forças Armadas, entre outros, não deverão ser abordados sem a permissão de quem de direito. Esta regra vale para os militares inativos, como bem estipula o art. 28, XVIII, 'a' e 'd' do Estatuto dos Militares e o Decreto 92.092/85.
Ainda quanto à atuação de militares nas eleições, deve ser destacado que a Lei 9.504/97 não permite aos agentes públicos ceder servidores ou usar seus serviços em comitês de campanha eleitoral, partido político ou coligação. Tal proibição, porém, resume-se ao horário de expediente.
Somente aqueles que estão em serviço militar obrigatório, legalmente chamados de conscritos não podem se eleger.
Em conclusão, o militar pode atuar em campanha política, em favor de um candidato, desde que o faça em horário fora do expediente, ou em gozo de licença ou férias, e não esteja fardado.
1.2. Filiação em Partido Político
É mister destacar que o militar da ativa, que se candidata a cargo eletivo, não se filia a partido político. Basta a ele que seu pedido de registro, como candidato, apresentado pelo partido, seja aprovado pelo Tribunal Eleitoral, para que possa disputar a eleição.
Nesse sentido firmou-se o Tribunal Superior Eleitoral, a partir do acórdão 11.314, em 30 Ago 1990, relatado pelo Ministro Octávio Gallotti:
Militar da ativa (subtenente), com mais de dez anos de serviço.
Sendo alistável e elegível, mas não filiável, basta-lhe, nessa condição excepcional, como suprimento da prévia filiação partidária, o pedido do registro da candidatura, apresentado pelo Partido e autorizado pelo candidato.
Só a partir do registro da candidatura e até a diplomação ou o regresso à Força Armada, manter-se-á o candidato na condição de agregado (Constituição, art. 14, §§ 3º, V e 8º, II e art. 42, § 6º; Código Eleitoral, art. 5º, parágrafo único e Lei Nr 6.880-80 art 82, XIV e § 4º).
1.3. Agregação ou Licenciamento do Militar
Obtido o registro da candidatura, se o militar candidato contar menos de dez anos de serviço será excluído do serviço. Cabe ao Comandante da Organização Militar iniciar, incontinenti, o processo de demissão ou licenciamento do militar, assim que for comunicado do registro da candidatura, conforme a Port. 043 – Departamento Geral do Pessoal, de 16 de Agosto de 2000.
Noutra vertente, se o militar candidato contar mais de dez anos de serviço, será agregado, com direito à remuneração, até o seu regresso ao Exército, se não tiver sido eleito, podendo permanecer na condição de agregado até o ato da diplomação, se eleito.
Agregação consiste na situação temporária na qual o militar da ativa deixa de ocupar a escala hierárquica, nela permanecendo, sem número, no lugar que ocupava e ficando adido para efeito de remuneração e sujeito às obrigações disciplinares (artigo 80, 82, XIV, § 4º, 83 e 84, 98, XVI, Estatuto dos Militares).
O militar candidato com mais de dez anos de serviço deverá ser afastado do serviço ativo, no mínimo, três meses antes do pleito. Trata-se de condição estabelecida pela Lei Complementar nº 64, de 18 de Maio de 1990.
A agregação militar, é contada a partir da data do registro como candidato até sua diplomação ou seu regresso à Força Armada a que pertence, se não houver sido eleito.
Por fim, é conveniente destacar que a Constituição Federal não recepcionou o parágrafo único e as alíneas “a” e “b” do art. 52, e o inciso XIV e o § 4º do art. 82 do Estatuto dos Militares. Os mencionados dispositivos da Lei Nr 6.880 / 80 disciplinavam que o militar candidato que contasse menos de 5 (cinco) anos e serviço seria excluído do serviço das Forças Armadas, ao passo que o militar candidato com tempo de serviço superior a 5 (cinco) anos ficaria agregado e considerado em Licença para Tratar de Interesse Particular.
1.4. Reversão dos militares candidatos a cargos eletivos
A proibição do conscrito a se candidatar ou até mesmo votar, explicita o caráter discriminatório político aos militares, uma vez que estes tem capacidade de fato para tanto (capacidade eleitoral ativa aos dezesseis anos), não sendo sua eleição nenhum óbice ao bom andamento da atividade militar seja ela de caráter administrativo ou tático/operacional por serem esta classe, a grande maioria do efetivo da tropa, não ensejando prejuízos a atividade militar de fim eleitoral prescrita no Art. 142, caput, da CF.
Pela Resolução nº 21.538/04, o Tribunal Superior Eleitoral ordena a suspensão do título de eleitor, gerando uma crise de constitucionalidade. Joel J. Cândido alerta que:
Não se poderia tomar esse dispositivo como substrato para impedir o voto dos conscritos alistados antes da incorporação, que, nessas circunstâncias, poderiam exercer o direito de voto. Todavia, havendo impedimento em decorrência de ordem administrativa de seu superior hierárquico, não poderá o eleitor conscrito ser punido pela ausência ao pleito. [3]
Ademais, a Constituição, no artigo 15º, quando definiu as hipóteses taxativas de suspensão ou perda dos direitos políticos, não fez qualquer menção aos conscritos e, sendo norma de eficácia plena, não admite a interpretação restritiva pela utilização do poder normativo da Justiça Eleitoral.
O voto é um direito adquirido de primeira geração e agasalhado por cláusula pétrea, não podendo ser subtraído por critérios hermenêuticos.
Através da seguinte análise evidencia-se o caráter discriminatório e por que não dizer revanchista que permeia a CRFB/88; uma vez que faz acepções aos militares com menos de dez anos de efetivo serviço, critério este também aplicável a estabilidade no emprego, o que no funcionalismo público civil é de três anos ou 36 meses (período de conclusão do estágio probatório).
Reversão consiste no retorno do militar agregado ao serviço ativo, tão logo cesse o motivo que o determinou, voltando a ocupar o lugar que lhe competir na respectiva escala numérica na primeira vaga que ocorrer (art. 86, Estatuto dos Militares).
Os militares, quando de carreira, por ocasião da Reversão, são enquadrados nas vagas respectivas de seus postos e graduações, na maioria das vezes, não em suas Organizações Militares de origem, mas sim em outras, chamadas de difícil completamento (o que não ocorre com militares do Quadro Especial - QE - por não terem prerrogativa às transferências), por interesse da Força (necessidade do serviço militar), por serem evitadas pela maioria dos militares, por apresentarem baixo índice de qualidade de vida (alto índice de violência, alto custo de vida, transporte urbano ineficiente...), guarnições estas, em regra, situadas em grandes metrópoles.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, conclui-se que os militares são muito restringidos no exercício de seus direitos eleitorais se comparados com a sociedade como um todo, como demonstrado no presente estudo. Seus limites, em grande parte, não são ostensivos ao público civil e devem ser amplamente reconsiderados, sob pena de exclusão indevida do cenário político desta parcela da sociedade.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em 30 ago. 2020.
BRASIL. Estatuto dos Militares: instituído pela Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6880.htm>. Acesso em 30 ago. 2020.
BRASIL. Regulamento Disciplinar do Exército (R-4): aprovado pelo Decreto nº 4.346, de 26 de Agosto de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/2002/D4346.htm>. Acesso em 20 ago. 2020.
CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 8. ed. Bauru: Edipro, 2000.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
Notas:
[1] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 29-30.
[2] Ibidem, p. 40.
[3] CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 8. ed. Bauru: Edipro, 2000. p. 80.