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Fundamentos objetivos da aplicabilidade da teoria da imprevisão na revisão contratual

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2- Revisão Contratual no Direito Pátrio

O Código Civil de 1916, tendo sofrido forte influência européia, incorporou o liberalismo do Código Napoleônico e não fez qualquer referência à Teoria da Imprevisão. A partir de 1930 é que esta teoria passou a ser estudada no Brasil e mencionada em algumas legislações esparsas (Decreto n. 19.573/31 e Decreto n. 24.150/34, art. 31), ainda que de forma tímida. No entanto, somente foi acolhida em nosso ordenamento jurídico com a Lei n. 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, dispondo acerca da onerosidade excessiva, em seu artigo 6º, inciso V.

Através da Lei n. 10.406/2002 a Teoria da Imprevisão definitivamente restou expressa na legislação brasileira, conquanto já viesse sendo admitida pela doutrina e jurisprudência. O Código Civil de 2002 traz três artigos específicos sobre a matéria (artigos 478, 479 e 480), também podendo ser encontrada espalhada em outros dispositivos.

2.1- Código Civil Brasileiro

Conforme mencionado, a Teoria da Imprevisão está prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil. O Código Civil de 2002 regulou a chamada "resolução por onerosidade excessiva" nos arts. 478 a 480. Contudo, não o fez com a amplitude elogiada no texto, pois estabeleceu várias condições dispensadas pelo CDC: a resolução será possível se os fatos supervenientes causadores da onerosidade excessiva forem de caráter extraordinário e imprevisível; e se à onerosidade excessiva corresponder "extrema vantagem" para o outro contratante. Por outro lado, a revisão (em lugar da resolução) por onerosidade excessiva superveniente está condicionada, a teor do art. 479, a ato de vontade do réu no sentido de oferecer a modificação eqüitativa da equação contratual. Da mesma forma, ao disciplinar a lesão, a opção expressa do Código Civil de 2002 foi a de não permitir a revisão judicial salvo quando assim for oferecido pelo beneficiário. Conduto, já se percebem os esforços doutrinários no sentido de criar mecanismos hermenêuticos capazes de justificar uma interpretação diversa, de modo a ampliar a possibilidade de revisão judicial, com apoio, por exemplo, no disposto no art. 317 do Código Civil. (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª e. São Paulo: Renovar, 2004, p. 222.).

Portanto, de acordo com o artigo 478, pode-se pedir a resolução do contrato, mas não a sua modificação ou adequação. Somente ao réu é facultado optar por modificar eqüitativamente o contrato. No entanto, na grande maioria dos casos, a resolução não é a melhor solução. A regra e o fim buscado pela Teoria da Imprevisão deverá ser a possibilidade de revisão e adequação do contrato, garantindo sua conservação (os contratos não foram feitos para serem descumpridos – artigo 421, CC/2002).

Conforme o Enunciado n. 176 do Conselho da Justiça Federal:

Art. 478: Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.

Vale destacar que alguns doutrinadores têm proposto a utilização do artigo 317 como forma de suprir a redação do artigo 478, a fim de possibilitar a revisão dos contratos.

O artigo 478 do Código Civil traz ainda, como requisitos de aplicação da Teoria da Imprevisão para resolução dos contratos, a onerosidade excessiva e superveniente das prestações, a extrema vantagem para uma das partes e a imprevisibilidade. Quanto a este último requisito, necessário ressaltar que o fato imprevisível é aquele ocorrido após a celebração do contrato, sem a vontade ou interferência da parte.

Já o artigo 480 do Código Civil estabelece como requisito para a revisão judicial a onerosidade excessiva, decorrente de fato superveniente, suportada unilateralmente pelo devedor.

Acredita-se que a manutenção dos contratos deve ser buscada em primeiro lugar, com aplicação da Teoria da Imprevisão no sentido de permitir sua revisão e adequação, ainda que esta não esteja amparada pelo artigo 478 do Código Civil de 2002. Acerca do tema vale colacionar o ensinamento do jurista Humberto Theodoro Júnior:

(...) Daí a conclusão inevitável no sentido de que incumbe ao Poder Público (e o instrumento para tanto está na "ação de revisão" do contrato) o dever de tornar a comutatividade "plenamente eficaz" em todas as fases da execução do negócio contratual, pois é garantia fundamental a de que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito deixará de ser conhecida e reparada pelo Poder Judiciário (Constituição Federal, art. 5º, n. XXXV).(p. 157).

2.2 - Código de Defesa do Consumidor

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 5º, inciso XXXII, a defesa do consumidor, tornando-a princípio geral da ordem econômica (art. 170, V). Já no art. 48 das Disposições Transitórias, determinou que o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias de sua promulgação, elaborasse o Código de Defesa do Consumidor. Assim, em 11.09.1990 foi promulgada a Lei n. 8.078 que, no tocante aos contratos, traz o princípio geral da boa-fé (art. 51, IV), da obrigatoriedade da proposta (art. 51, VIII), da intangibilidade das convenções (art. 51, X, XI e XIII), além dos princípios da lesão dos contratos e da excessiva onerosidade (art. 51, §1º).

O CDC, sem qualquer sombra de dúvida, consagrou expressamente a Teoria da Imprevisão ou Teoria da Base Negocial, esta, para alguns, considerada mais ampla que a primeira, pois não apenas resolve o contrato, mas possibilita sua adequação (art. 6º, V). Se o contrato se tornar inexeqüível também poderá ser aplicada.

O artigo 6º, inciso V, do CDC, estabelece como requisitos para a revisão a ocorrência de fato superveniente e a excessiva onerosidade. Em outras palavras, analisa-se a situação existente quando da celebração do contrato e se ela for rompida posteriormente (quebra da base negocial), o contrato poderá ser revisado. Veja-se que o legislador não incluiu o requisito da imprevisibilidade, daí porque alguns doutrinadores entendem que o CDC não adotou a Teoria da Imprevisão, prevista no artigo 478 do CC/02, com a possibilidade de resolução do contrato, mas a Teoria da Onerosidade Excessiva e/ou da Lesão Enorme (laesio enormis), que possibilita a revisão judicial do contrato e dispensa o fato imprevisível.

Todavia, não obstante as inúmeras posições em contrário, entende-se que tanto o Código Civil de 2002, quanto o Código de Defesa do Consumidor, consagraram a Teoria da Imprevisão que, como visto, tem natureza jurídica indeterminável, é definida por várias teorias e confunde-se ainda com outros institutos do Direito bastante semelhantes ou correspondentes. A existência de acontecimento imprevisível não é indispensável à aplicação da Teoria da Imprevisão, cujo fundamento está, de fato, no equilíbrio contratual (função social do contrato), em razão da ocorrência de onerosidade excessiva que proporciona o desequilíbrio das prestações, causando desvantagem a uma das partes.

Forçoso admitir, no entanto, que o CDC traz manifestação mais benéfica e favorável ao consumidor – talvez em razão de sua vulnerabilidade, uma vez que além de permitir não apenas a resolução, mas também a revisão dos contratos (manutenção dos contratos), não exige como requisito da revisão a existência de fato imprevisível.

O artigo 478 do Código Civil não preconizou a manutenção dos pactos, mas, ao revés, estabeleceu como regra geral e faculdade exclusiva do devedor, a resolução do contrato. Além disso, determinou como requisito da resolução a ocorrência de fato imprevisível, o qual configura conceito vago e subjetivo, que pode sofrer variações, dependendo da pessoa e do seu grau de instrução e informação. Enfim, o Código Civil de 2002, acolhendo a Teoria da Imprevisão trasladada do Código Civil Italiano (artigos 1.467 a 1.469), sem qualquer estudo mais aprofundado dos fundamentos essenciais deste Instituto, perdeu a ocasião favorável de inserir em seu bojo mecanismo eficaz e que atendesse a nova realidade contratual.


3- Posicionamento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça acerca da imprevisibilidade enquanto fundamento para a revisão contratual

A jurisprudência brasileira vem acatando a Teoria da Imprevisão desde 1938, com o julgamento do RE n. 2675, o qual concluiu que a regra rebus sic stantibus não é contrária a texto expresso de lei nacional. Os seguintes julgados do c. Superior Tribunal de Justiça tratam da matéria:

CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE PAGAMENTO DE COMPRA E VENDA DE DIREITOS MINERÁRIOS. PARTE VARIÁVEL. PERCENTUAL SOBRE FATURAMENTO BRUTO PAGO TRIMESTRALMENTE ATÉ O ESGOTAMENTO DA JAZIDA. QUITAÇÃO TRIMESTRAL. INFLAÇÃO EXACERBADA. DEFAZAGEM DO VALOR DA MOEDA ATÉ A DATA DO PAGAMENTO TRIMESTRAL. TEORIA DA IMPREVISÃO. CLÁUSULA REBUS SIC STANDIBUS. RECONHECIMENTO DA PERDA EXCESSIVA PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA RECURSAL. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. SÚMULAS N. 5 E 7 – STJ.

I. (...)

II. Firmado no aresto a quo que a explosão inflacionária, aliada à cláusula da avenca que permitia uma defasagem de até três meses entre a data da apuração do montante a ser pago e a sua efetiva quitação junto às vendedoras dos direitos minerários, constituía fato ulterior, imprevisto e extremamente oneroso às alienantes, causando desequilíbrio em relação ao pacto e ulteriores ratificações convencionadas sobre parte variável do preço, a controvérsia recai no reexame fático e contratual, obstado em sede especial, ao teor das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.

III. Dissídio jurisprudencial indemonstrado, dada à dessemelhança entre as espécies confrontadas.

IV. Recurso especial não conhecido. (grifei).

STJ – Resp. n. 46.532/MG. 4ª T. Relator Min. Aldir Passarinho Junior. DJ. 05.05.2005.

(...) De referência aos dispositivos da teoria da imprevisão, capitulados no Código Civil e na Lei de Introdução ao Código Civil, entendo que o acórdão impugnado não merece reparo. A inflação brasileira era algo inteiramente previsível, sendo IPC o índice oficial que media a inflação real dos meses de março e abril/90. (grifei). STJ – Resp. n. 476.634/DF. 2ª T. Relª. Minª. Eliana Calmon. DJ. 03.08.2004.

(...). A nulidade não se proclama senão em atenção a um fim. Na espécie, sub judice, desde que a vontade seja viciada, ou quando, posteriormente, fatos não previsíveis alterarem de modo significativo a relação jurídica, de maneira a que se perceptíveis teriam levado a parte a comportamento diverso.

O contrato de locação foi celebrado no dia 1º de agosto de 1987 (fls. 23/29).

A ação proposta em 1991 (fls. 02).

Notório e conhecido entre 1987 e 1991, e nisso a responsabilidade da inflação é significativa, ao lado do desenvolvimento da cidade de São Paulo, o valor locatício passou por profundas variações. Os mais experientes especialistas, certamente, não tinham possibilidade de prever a sucessão de fatos no mencionado lustro.

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Assim, a renúncia, em si mesma é irrelevante.

O Direito não ser reduz à norma. Trabalha também com o fato.

Cumpre, assim, repor o equilíbrio contratual.

Data venia, a teoria da imprevisão não encontra obstáculo apesar da convenção das partes.

Conheço do Recurso Especial por ambos os fundamentos a fim de lhe dar provimento. (grifei). STJ – Resp. n. 61.342-6/SP. 6ª T. Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. DJ. 04.07.1995.

(...) O preceito insculpido no inciso V do art. 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor. STJ – Resp. 417.927. 3ª T. Relª. Min. Nancy Andrighi. DJ 01.07.2002.

CIVIL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CONTRATO COM CLÁUSULA DE REAJUSTE PELA VARIAÇÃO CAMBIAL. VALIDADE. ELEVAÇÃO ACENTUADA DA COTAÇÃO DA MOEDA NORTE-AMERICANA. FATO NOVO. ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. REPARTIÇÃO DOS ÔNUS. LEI N. 8.880/94, ART. 6º. CDC, ART. 6º, V.

I. (...).

II. Admissível, contudo, a incidência da Lei n. 8.078/90, nos termos do art. 6º, V, quando verificada, em razão de fato superveniente ao pacto celebrado, consubstanciado, no caso, por aumento repentino e substancialmente elevado do dólar, situação de onerosidade excessiva para o consumidor que tomou o financiamento.

III. (...).

IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (grifei). STJ – Resp. n. 473.140/SP. ª Seção. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJ. 12.02.2003.

(...) Entendimento referendado pela Súmula 297 do STJ, de 12 de maio de 2004. DIREITO DO CONSUMIDOR À REVISÃO CONTRATUAL. O art. 6º, inciso v, da Lei nº 8.078/90 consagrou de forma pioneira o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do Pacta Sunt Servanda e permitindo ao consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso contemporâneo à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente (Teoria da Imprevisão).

Hipótese dos autos em que o desequilíbrio contratual já existia à época da contratação uma vez que o fornecedor inseriu unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, a serem suportadas exclusivamente pelo consumidor.(grifei). STJ – Resp. n. 797.918. Relª. Minª. Nancy Andrighi. DJ. 06.12.2005.

Da análise dos julgados transcritos, vê-se que caminha o e. Superior Tribunal de Justiça, ora no sentido de não exigir a imprevisibilidade do acontecimento como fundamento para a revisão do contrato, notadamente quando examina relações de consumo, ora decide no sentido de que o direito à revisão nas relações civis, tem como fundamento essencial a existência de fato superveniente imprevisível.

No entanto, parece-me mais sensata, com já mencionado, posição evolutiva no sentido de desconsiderar a imprevisibilidade como fundamento de aplicação da Teoria da Imprevisão, inclusive nas relações civis. O direito à revisão que busca o equilíbrio contratual pode ser exercido ainda que o fato seja previsível e restando configurada a onerosidade excessiva superveniente (requisito).


4- Conclusão

Ante todo o exposto, forçoso concluir que a Teoria da Imprevisão tem como fundamentos objetivos de sua aplicação o equilíbrio contratual, em consonância com a função social do contrato, a boa-fé objetiva, a eqüidade e o bem comum. Assim, a existência de fato superveniente à formação do contrato, capaz de tornar as prestações excessivamente onerosas para uma das partes, causando-lhe prejuízos, autoriza a sua revisão, com o fundamento objetivo de restabelecer o equilíbrio contratual.

Finalmente, enfatizo na presente exposição minha crença e fé no Poder Judiciário, como órgão ao qual foi conferido amplo poder de aplicação da Teoria da Imprevisão, e capaz de transformá-la em instrumento eficaz e concreto, utilizado na busca de uma sociedade mais justa.


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Nota

01 MELO, Lucinete Cardoso de. O Princípio da boa-fé objetiva no Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 523, 12 dez. 2004. Disponível em:www.jus.com.br/artigos/6027, Acesso em: 01 jul. 2005.

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Sobre a autora
Gláucia Alvarenga Soares Quintão

Pós-graduada em Direito Civil pela PUC Minas, assessora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTÃO, Gláucia Alvarenga Soares. Fundamentos objetivos da aplicabilidade da teoria da imprevisão na revisão contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1160, 4 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8895. Acesso em: 2 nov. 2024.

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