2. DOS ATOS DO JUIZ
O processo desenvolve-se e encerra-se através de atos processuais, ora praticados pelas partes, ora pelo juiz ou seus serventuários. [31]
No presente estudo, será dada especial atenção aos atos do juiz, que consistirão em decisões interlocutórias, despachos de mero expediente e sentenças.
De logo, menciona-se a relevância da análise dos atos do juiz, sobretudo, a sentença, uma vez que o presente estudo objetiva demonstrar a possibilidade de manutenção da tutela antecipada ante a sentença de improcedência.
2.1.Despachos de Mero Expediente
Despachos de mero expediente são os atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma. [32] Visa o impulso oficial do procedimento, cuja característica peculiar importante para o presente trabalho é se tratar de ato não recorrível, sem conteúdo decisório.
Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário. [33]
2.2. Decisões Interlocutórias
Nos termos do parágrafo segundo, do artigo 162, do CPC, decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente. [34]
No caso da Tutela Antecipada, o provimento que a concede no início do processo ou antes do proferimento da sentença trata-se de decisão interlocutória, recorrível por recurso de agravo de instrumento.
Ressalte-se que se trata de decisão com conteúdo decisório, resolvendo incidente no curso do processo, sem encerramento do mesmo, enquanto a sentença também possui conteúdo decisório, todavia, é proferida ao cabo do procedimento. [35]
Ainda, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal, a decisão interlocutória, assim como a sentença e o acórdão, deverá sempre vir fundamentada, sob pena de nulidade.
2.3. Sentenças
A sentença, na dicção da lei, é o ato através do qual o juiz põe fim ao procedimento. É através da sentença que o Estado satisfaz ao direito subjetivo de ação conferido ao jurisdicionado, declarando a vontade concreta da lei aplicada ao caso concreto. [36]
Para proferir a sentença, como também os demais atos privativos do juiz, deve o mesmo estar investido de jurisdição, conforme preceitua a norma constitucional, além de respeitar a sua competência É certo que, através de seu provimento, depois de transitado em julgado, fará lei entre as partes litigantes.
Cumpre salientar que, inobstante o Código de Processo Civil conceitue a sentença como o ato do juiz que põe termo ao processo, deve ser observado que apenas encerra-se o ofício jurisdicional do juiz, visto que a parte poderá interpor o recurso de apelação, o que manterá o processo em prosseguimento. [37]
A extinção do processo ocorre quando se opera a coisa julgada, o que pode ocorrer em primeiro grau de jurisdição, quando as partes não interpõem recursos, ou, em segundo grau de jurisdição, quando o acórdão transita em julgado.
As sentenças são classificadas pelo doutrinador Moacyr Amaral Santos em terminativas e definitivas, a primeira, quando o juiz decide questão controvertida, contudo não conhece do mérito da demanda, a segunda, quando o juiz conhece o mérito da demanda, ou seja, decide o pedido deduzido pela parte autora ou ré, acolhendo-o ou rejeitando-o. [38]
Nos termos do art. 463 do CPC, após publicada a sentença, esta se torna irretratável, só podendo ser modificada em caso de erro material ou mediante a interposição de recurso (embargos declaração ou recurso de apelação).
Com propriedade, Alexandre Freitas Câmara faz ressalva acerca do momento em que a sentença é publicada, elucidando que, quando proferida em audiência, não há qualquer dúvida, contudo, quando se trata de sentença elaborada no gabinete do juiz, a publicidade se dá com a juntada aos autos, esclarecendo que a publicação no diário oficial trata-se de intimação das partes litigantes. [39]
As sentenças que enfrentam o mérito da demanda podem ser classificadas em condenatórias, declaratórias e constitutivas, ressalvando que as duas primeiras produzem efeitos ex tunc, enquanto a última produz efeitos ex nunc. [40]
A prolação da sentença produz vários efeitos, como por fim à função do julgador de 1ª instância no processo, criar título executivo judicial, de modo que os principais efeitos da sentença são a condenação, a declaração e a constituição de direitos.
Conforme ensinamento do processualista Humberto Theodoro Júnior, a coisa julgada trata-se de qualidade desses efeitos, que representa a imutabilidade da sentença. [41]
Com bastante propriedade, o supracitado autor expõe: "Enquanto sujeita a recurso, a sentença não passa de "uma situação jurídica". Os próprios efeitos da sentença só ocorrerão no momento em que não mais seja suscetível de reforma por meio de recursos". [42]
Nesses termos, a sentença não tem eficácia material definitiva enquanto não operada a coisa julgada, tendo a parte direito ao princípio do duplo grau de jurisdição.
Exceto os embargos declaratórios, contra qualquer espécie de sentença, terminativa ou definitiva, o recurso cabível é a apelação, que, regra geral, impede a eficácia material da sentença, salvo as exceções legalmente previstas que permitem a eficácia imediata.
3.OS RECURSOS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
3.1. Fundamento do Direito de Recurso
A decisão judicial apresenta o fundamento material e formal, dizendo respeito o primeiro à justiça e o segundo à legalidade da decisão [43].
Os recursos no processo civil em acepção técnica e restrita apresentam-se como o meio ou "o poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter a sua reforma ou modificação" [44], ressaltando que, quando a irresignação disser respeito à aspecto formal da decisão, poderá o recurso objetivar a invalidação da mesma, como também poderá visar o esclarecimento ou integração, suprindo omissão, contradição ou obscuridade contida na decisão.
Os recursos processuais possuem natureza jurídica de elemento do direito de ação, constituindo direito subjetivo da parte.
O direito de recorrer, psicologicamente, é originado da tendência de o cidadão de não se contentar com a primeira decisão que lhe é conferida, sempre buscando uma decisão prolatada por órgão hierarquicamente superior, como também da possibilidade da decisão judicial estar equivocada ou ter sido prolatada erroneamente em virtude de corrupção de seu prolator. [45]
A interposição de recurso apresenta-se como ônus processual, vez que a parte sucumbente não é obrigada a recorrer, em não recorrendo, operar-se-á a coisa julgada ou a preclusão da decisão judicial, salientando que se trata de faculdade/prerrogativa garantida à parte vencida. [46]
Ademais, a matéria é regida por alguns princípios gerais que alicerçam o sistema recursal, conferindo ao jurisdicionado a garantia do direito de recorrer, entre os quais podemos citar o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, da Vedação da Reformatio in Pejus, da Singularidade dos Recursos, da Correspondência e da Fungibilidade, a seguir explicitados.
3.1.1. Princípio do Duplo Grau de Jurisdição
Inobstante o princípio do duplo grau de jurisdição não vir expresso no texto da Constituição, entende-se que o mesmo está ínsito na Carta Política, garantindo ao jurisdicionado o direito de submeter a decisão judicial à uma nova apreciação por um órgão hierarquicamente superior, proporcionando a segurança jurídica em face de erro ou má-fé do prolator originário.
O princípio do duplo grau de jurisdição é garantido exatamente pela via recursal, que possibilita o conhecimento da matéria discutida em primeiro grau de jurisdição pelo órgão de segunda instância, assegurando o devido processo legal consagrado pela Carta Magna pátria.
A possibilidade de reapreciação da decisão por um órgão superior sugere ao juiz singular maior cuidado na prolação de suas decisões, como também o aprimoramento intelectual do mesmo, objetivando ascender na sua carreira profissional Ressalte-se que uma questão apreciada duas vezes é melhor decidida, considerando que normalmente o órgão superior é composto por membros mais experientes e trata-se de órgão colegiado. [47]
3.1.2. Princípio da Vedação da Reformatio in Pejus
Malgrado com a reforma do Código de Processo Civil não constar expressamente proibição à reforma da decisão judicial para agravar a situação do recorrente, a referida proibição "continua vigente por força de princípio inerente ao sistema estrutural do processo de prestação jurisdicional". [48]
No julgamento do recurso a decisão a ser prolatada poderá acolher ou não a pretensão deduzida pelo recorrente em seu recurso, podendo também não conhecer do mesmo em sede de juízo de admissibilidade conforme será visto adiante, mas não poderá decidir de ofício contra o recorrente, salvo questão de ordem pública, sob pena de decidir-se extra ou ultra petita, contrariando o art. 2º do Código de Processo Civil que dispõe: "Nenhum juiz prestará tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos caso e forma legais."
Tal proibição à reformatio in pejus explica-se por conta de que o objetivo do recurso é obter uma decisão mais favorável ao recorrente. Desse modo, o mesmo não poderá ter sua situação agravada, até porquê, caso não recorresse, operar-se-ia a coisa julgada ou preclusão.
3.1.3.Princípio da Singularidade dos Recursos
O presente princípio diz respeito à impossibilidade de interpor simultaneamente dois recursos contra a mesma decisão judicial, também denominado unirecorribilidade do recurso, inobstante não haver vedação expressa na legislação adjetiva [49].
Conforme já demonstrado quando tratado o tema da recorribilidade da decisão concessiva da tutela antecipada, a jurisprudência pátria prega a singularidade do recurso.
Contudo, há previsão de exceções no ordenamento jurídico, podendo ocorrer a interposição simultânea de recurso especial e extraordinário, como também a interposição de embargos infringentes e recurso especial/extraordinário, salientando que o julgamento do recurso extraordinário fica sobrestado até o julgamento do outro recurso.
3.1.4.Princípio da Correspondência
Também denominado princípio da adequação, por tal princípio pode ser entendido que contra cada decisão judicial cabe um recurso próprio, de forma que nos termos do ensinamento de Humberto Theodoro Júnior, "o recurso é cabível, próprio ou adequado quando corresponda à previsão legal para a espécie de decisão impugnada". [50]
Os atos judiciais classificados como decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos sujeitam-se a recursos específicos, dispostos no Código de Processo Civil e na Constituição Federal.
Desse modo, a parte deverá usar o recurso em correspondência ao previsto na legislação, como por exemplo, em caso de sentença não cabe agravo de instrumento, mas sim recurso de apelação ou embargos de declaração, ressalvando que o último pode ser interposto em face de qualquer decisão, com conteúdo decisório ou não.
3.1.5.Princípio da Fungibilidade
Não obstante a necessidade de correspondência entre os recursos e as decisões, o princípio da fungibilidade flexibiliza tal formalismo, visto que o recurso é uma manifestação de irresignação da parte sucumbente, defendendo seus direitos, de modo que nas palavras de Luiz Fux, "qualquer manifestação dessa ordem deve ser aproveitada, devendo rejeitar-se a sobrevalência da questão formal sobre a questão de fato". [51]
Fundado no "princípio da instrumentalidade das formas", o princípio da fungibilidade vem sendo aplicado, fazendo com que seja aproveitado recurso interposto como se fosse o meio de impugnação cabível e não utilizado.
Muitas vezes, apesar da sistemática quase perfeita do sistema recursal brasileiro, surgem dúvidas quanto à qual recurso é o cabível para determinada decisão judicial, de tal forma que a jurisprudência mesmo sem haver previsão expressa na legislação, vem conhecendo dos recursos interpostos sem respeitar a correspondência correta, desde que inexista "erro grosseiro" ou má fé do recorrente.
Um dos critérios utilizados para aferir a boa-fé da parte recorrente é a tempestividade do recurso, de tal forma que um recurso de prazo menor é aceito se interposto no lugar daquele que possuía um prazo mais longo, todavia, o contrário não á admitido, vez que evidencia a má-fé do recorrente em tentar burlar a legislação processual civil pátria.
Nesse sentido, oportuna a jurisprudência do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DETERMINADA EX OFFICIO. APELAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. ERRO GROSSEIRO. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. CABIMENTO. PRECEDENTES. ART. 40 DA LEF. VIOLAÇÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que, reconhecendo a prescrição intercorrente, determinou o arquivamento dos autos. Recurso incorretamente proposto porquanto o adequado seria a apelação. Inexistência de erro grosseiro ou má-fé. Fungibilidade.
2. O defeito de forma só deve acarretar a anulação do ato processual impossível de ser aproveitado (art. 250 do CPC) e que, em princípio, cause prejuízo à defesa dos interesses das partes ou sacrifique os fins de justiça do processo. Consagração da máxima pás dês nulité sans grief.
3. Por força da influência do "princípio da instrumentalidade das formas", tem-se admitido, no campo da inadequação recursal, a aplicação do vetusto princípio da fungibilidade dos recursos, cuja incidência permite o aproveitamento do recurso interposto como se fosse o meio de impugnação cabível e não utilizado. Fundando-se em ordenação pretérita, a jurisprudência consagrou essa possibilidade, desde que "ausente o erro grosseiro" e a "má-fé do recorrente".
4. Um dos critérios utilizados tem sido a escorreita verificação da tempestividade; por isso, um recurso com prazo de interposição menor é admissível se interposto no lugar daquele cabível, cujo prazo de oferecimento é mais alongado. A recíproca, contudo, não é verdadeira.
5. Revela malícia do recorrente aproveitar-se de recurso com maior devolutividade e procedimento mais delongado, circunstância inocorrente na hipótese.
6. Precedentes da Corte.
7. Dispositivo tido por violado não examinado pelo acórdão recorrido, o que demonstra a falta de prequestionamento da questão federal debatida no recurso especial. O prequestionamento é requisito especial e pressuposto específico de admissibilidade do recurso especial. Essa exigência significa que, não obstante tenha a parte sucumbente suscitado a questão em suas razões recursais, a matéria questionada necessita ser apreciada pelo Tribunal de origem. Inocorrendo a análise, deve a parte provoca-la mediante embargos declaratórios, o que não se verificou no tocante à alegada violação do art. 40 da Lei de Execuções Fiscais.
8. Recurso especial parcialmente provido para que o Egrégio Tribunal a quo receba o agravo de instrumento com recurso de apelação.
(STJ - Recurso especial n. 641431 - RN - 1ª Turma - Relator: Luiz Fux – Data julgamento 24/11/2004 – Data publicação 17/12/2004)
3.2.– Admissibilidade dos Recursos
Os recursos submetem-se ao juízo de admissibilidade e ao juízo de mérito, dizendo respeito o primeiro aos requisitos previstos em lei a serem preenchidos pela parte recorrente, sem os quais o recurso não será apreciado em seu mérito. Ressalva-se que o mérito do recurso pode versar sobre uma questão formal, havendo, portanto, distinção entre o mérito da ação e o mérito do recurso, visto que quando trata-se de recurso pode ocorrer do mesmo visar atingir uma decisão extintiva do processo sem julgamento do mérito, com base no artigo 267 do Código de Processo Civil.
Seguindo as palavras de Humberto Theodoro Júnior:
"Subordina-se a admissibilidade do recurso a determinados requisitos ou pressupostos. Subjetivamente, estes requisitos dizem respeito às pessoas legitimadas a recorrer. Objetivamente, são pressupostos do recurso: a) a recorribilidade da decisão; b) a tempestividade do recurso; c) a singularidade do recurso; d) a adequação do recurso; e) o preparo; f) a motivação; g) a forma". [52]
Note-se que a admissão do recurso é sujeito ao controle pelo juiz perante o qual foi interposto e pelo tribunal, ressalvando que no caso do juiz não admitir determinado recurso, a parte recorrente poderá sujeitar a decisão de inadmissão à apreciação do órgão responsável pelo julgamento do mérito do recurso. Ainda, o juízo a quo declara os efeitos em que recebe o recurso.
O agravo, de instrumento e retido, e os embargos de declaração constituem exceções, visto que o juízo de admissibilidade é exercido por apenas um órgão julgador.
Nesse diapasão, precisa a lição do Min. Luiz Fux: "Assim, antes de se verificar se o recorrente tem ou não razão, analisa-se a admissibilidade do recurso. Recurso admissível diz-se conhecido e inadmissível não conhecido". [53]
Desse modo, tratando-se de juízo de admissibilidade falar-se-á em conhecimento do recurso ou não, e, quando tratar-se do mérito do mesmo ocorrerá o provimento total, parcial ou não acolhimento da irresignação da parte recorrente.
Como ressaltado anteriormente, deverão ser preenchidos os requisitos de admissibilidade subjetivos e objetivos para que o órgão julgador possa conhecer do mérito do recurso, requisitos esses que serão a seguir elucidados.
a) Legitimação para Recorrer: A legitimidade para interposição de recurso exige o interesse recursal, da mesma forma que se dá para propositura da ação. Dessa forma, apenas o sucumbente na relação processual, ainda que parcialmente, terá legitimidade para recorrer. O autor, o réu, o assistente, o opoente poderão interpor o recurso cabível, desde que tenham sido atingidos pela decisão vergastada. Nas palavras do Min. Luiz Fux, "Legitimado a recorrer é aquele que figurou como parte ou que poderia ter figurado como tal no processo." [54]
Ademais, pode ocorrer de tanto o réu como o autor recorrerem da mesma decisão, no caso de haver sucumbência recíproca.
b) Recorribilidade da decisão: Tal requisito diz respeito à própria natureza das decisões, vez que, regra geral, só admitem recurso as sentenças, os acórdãos e as decisões interlocutórias, de modo que os despachos de mero expediente não admitem recursos, por não possuírem natureza decisória, mas, apenas impulsionadora da marcha procedimental.
c) Cabimento: O cabimento, conforme já explicitado quando estudado o princípio da correspondência, diz respeito à adequação do recurso interposto à decisão proferida, vez que de acordo com a Lei de Ritos cada decisão desafia um recurso previamente estabelecido. Saliente-se que tal requisito foi flexibilizado pelo princípio da fungibilidade e da instrumentalidade das formas que pode acarretar o conhecimento do recurso interposto erroneamente, desde que atingida a sua finalidade e que não haja má-fé ou erro grosseiro do recorrente. [55]
d) Inexistência de Fato Impeditivo do Direito de Recorrer: Condição de admissibilidade do recurso de caráter negativo, a inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer trata da impossibilidade de ocorrência de algumas situações, as quais, em ocorrendo, impedem o conhecimento do recurso manejado. Como exemplo, cita-se a desistência, a renúncia, a aceitação da decisão e a transação acerca do objeto da ação, o que acarreta a preclusão lógica, impedindo o conhecimento do recurso. [56]
e) Tempestividade: Cada espécie de recurso possui o prazo para sua interposição disciplinado no Código de Processo Civil, sendo dito prazo peremptório, não sendo passível de dilação ou redução em virtude de convenção entre as partes litigantes. [57] Desse modo, a não observação por parte do recorrente do prazo estabelecido para interposição do recurso importará o não conhecimento do recurso manejado.
f) Regularidade Formal: Cada recurso tem sua forma específica disciplinada no CPC, de tal maneira que a não observância da forma prescrita pode acarretar o não conhecimento do mesmo. Por exemplo, o agravo de instrumento reclama sejam acostadas às razões de fato e de direito alguns documentos obrigatórios, o que, em não sendo observado, importa a inadmissibilidade do recurso. [58]
g) Preparo: O preparo constitui requisito de admissibilidade de caráter econômico, que impõe ao recorrente, salvo as exceções legais (beneficiário da justiça gratuita, Fazenda Pública, entre outros), a, em prazo, certo recolher as custas processuais para processamento do recurso, despesas estas fixadas previamente, cuja não observação acarreta o não conhecimento do recurso por deserção. [59]
3.3. Efeitos dos Recursos
O principal efeito dos recursos é prorrogar a formação do trânsito em julgado da decisão judicial prolatada, conforme interpretação do art. 467 do CPC, ressalvando-se que o recurso também pode visar impedir a preclusão, nos casos de decisões interlocutórias. Com a interposição do recurso, a parte objetiva seja proferida uma nova decisão acerca da matéria discutida em juízo. [60]
Além do efeito de obstar o trânsito em julgado da decisão, permanecendo ela mutável, os recursos podem ter os efeitos devolutivo, substitutivo, regressivo e suspensivo.
3.3.1. Efeito Devolutivo
Nos termos do art. 515 do Código de Processo Civil, "A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada", de modo que o efeito devolutivo significa que o recurso submete ao conhecimento do Judiciário decisões proferidas anteriormente, podendo tal exame e novo julgamento ser realizado pelo próprio juízo prolator ou por instância superior [61].
Quando ocorre a devolução para nova análise da matéria discutida em juízo, o órgão revisor julgará de acordo com a extensão e profundidade da impugnação. Vale salientar que tal exame cinge-se apenas à matéria impugnada pelo recorrente, autorizando o órgão recursal a reexaminar somente o que estiver contido nas razões do recurso (tantum devolutum quantum appellatum).
A extensão da irresignação é limitada pelo pedido do recorrente, de forma que o julgador não poderá decidir aquilo que não foi requerido, como por exemplo, reformar a decisão para condenar a devolução de valor pago, quando houve requerimento apenas de substituição de um aparelho defeituoso. [62]
No tocante à profundidade do recurso, o julgador poderá trabalhar com todos os fundamentos jurídicos e factuais coligidos aos autos sobre a matéria discutida no âmbito recursal, independente de ter sido apreciada ou não pelo julgador de 1ª instância. [63]
O efeito devolutivo representa manifestação do princípio dispositivo,uma vez que a parte estabelece os limites em que o órgão recursal poderá apreciar o pedido de reforma da decisão guerreada, excetuando-se as matérias que poderão ser apreciadas de ofício pelo órgão recursal, como por exemplo as questões de ordem pública previstas no art. 267, § 3°, do Código de Processo Civil.
Desse modo, no tocante à decisão recorrida, o recurso sempre gera efeito devolutivo, submetendo a questão impugnada ao julgador. [64]
3.3.2. Efeito Substitutivo
Quando presentes os pressupostos necessários à admissibilidade do recurso, a nova decisão prolatada irá substituir a vergastada pela parte recorrente, como por exemplo, uma sentença proferida em sede de embargos de declaração com efeitos infringentes deverá substituir a anterior no aspecto em que foi modificada.
Sendo o recurso não conhecido, não haverá substituição da decisão guerreada, pois o mesmo não será apreciado no mérito, permanecendo o provimento originário.
Mesmo que a decisão prolatada em sede recursal não acate as razões meritórias aduzidas no recurso, a referida decisão irá substituir a anteriormente proferida, vez que não poderá existir no mesmo processo duas decisões vigentes sobre a mesma matéria.
3.3.3. Efeito Regressivo
O recurso poderá ocasionar o efeito regressivo, que representa a possibilidade de retratação do magistrado que proferiu a decisão vergastada, em decorrência da interposição do recurso, em situações especiais previstas no Código de Processo Civil.
A interposição do agravo, de instrumento ou retido, confere ao prolator da decisão a faculdade de proferir uma nova decisão acatando as razões recursais, como também o juiz poderá acatar as razoes recursais em caso de apelação interposta contra sentença que indefere a petição inicial, nos termos do art, 296 do CPC.
3.3.4. Efeito Suspensivo
Em vista da grande relevância do estudo do efeito suspensivo dos recursos no âmbito do presente trabalho, especialmente do efeito suspensivo do recurso de apelação contra sentença que julga improcedente o pedido contido em processo que houve a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, procurar-se-á estudar detalhadamente a matéria, visto que o efeito suspensivo irá interferir exatamente na eficácia da referida sentença de improcedência.
3.3.4.1. Conceito
Ao contrário do efeito devolutivo, que se encontra no âmago de todos os recursos, o efeito suspensivo não é encontrado em todos os recursos, mas, apenas em alguns, de modo que impeda que a decisão recorrida produza sua eficácia própria.
Dessa forma, o efeito suspensivo do recurso susta a eficácia da decisão combatida, valendo salientar que o referido efeito decorre da própria recorribilidade da decisão e não do recurso propriamente dito, vez que o fato de a decisão poder ser combatida por recurso com efeito suspensivo impede a sua eficácia até o trânsito em julgado ou preclusão da decisão. [65]
Oportuna a distinção entre os termos efeitos e eficácia, vez que a sentença, mesmo sujeita a recurso com efeito suspensivo, produz alguns efeitos, como o término da atividade jurisdicional do juiz, salvo algumas exceções, início da contagem de prazo para apelar ou embargar. A eficácia aqui apontada diz respeito à produção de efeitos no plano material, no mundo dos fatos, eficácia esta que é obstada pelo efeito suspensivo ora estudado.
Dessa forma, o recurso dotado apenas do efeito apenas devolutivo possibilita a execução provisória e o com efeito suspensivo obsta a execução da decisão combatida pelo recurso.
Saliente-se que apesar da denominação "efeito suspensivo" do recurso, o mesmo não suspende a eficácia da decisão guerreada, visto que a execução da mesma sequer iniciou-se, mas, impede o início da execução da mesma.
Nesse sentido, cumpre trazer à baila a crítica doutrinária à denominação do efeito suspensivo, uma vez que o termo leva a interpretação de que aquilo que vinha sendo executado foi suspenso, quando, na verdade, o referido efeito não está a suspender a eficácia da decisão, a qual sequer se iniciou.
Assim, Barbosa Moreira expõe a inexatidão da denominação efeito suspensivo, indicando que seria mais correto denominá-lo efeito obstativo ou impeditivo, vez que obsta a eficácia da decisão sujeita a recurso dotado de tal efeito. [66]
2.3.4.2 – Incidência do Efeito Suspensivo
A publicação da decisão, como dito alhures, produz alguns efeitos no plano formal, contudo, a eficácia material da mesma depende a que recurso está sujeita, indagando-se os efeitos em que será o mesmo recebido.
No caso de decisão sujeita a recurso dotado de efeito obstativo, o referido efeito incide a partir do momento em que a decisão é publicada, uma vez que a simples sujeição a recurso dotado do efeito obstativo impede a execução da mesma, que poderá ser efetivada somente após o trânsito em julgado. [67]
Dessa forma, a existência de previsão legal de recurso com efeito obstativo faz com que a decisão mantenha sua ineficácia desde a sua publicação.
Contrario Sensu, a decisão submetida a recurso com efeito apenas devolutivo poderá ter sua eficácia no mundo dos fatos desde a sua publicação, salientando que trata-se de faculdade da parte vencedora na ação, visto que a mesma poderá optar por esperar o pronunciamento definitivo do Poder Judiciário para iniciar a execução do provimento recorrido.
2.3.4.3 – Efeito Suspensivo com base no art. 558 do CPC
Nos termos do art. 520 do Código de Processo Civil, regara geral a apelação será recebida nos efeitos suspensivo e devolutivo, excetuando o referido artigo os casos em que o recurso será recebido apenas no efeito devolutivo. [68]
Ressalve-se que existem casos em que há previsão legal para recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo.
Dessa forma, os casos em que o recurso será recebido apenas no efeito devolutivo tratam-se de exceções à regra geral, como por exemplo no agravo, recurso especial e extraordinário, porém, mesmos nesses casos poderá o recurso ser dotado do efeito suspensivo ope judicis em decorrência do contido no art. 558 do CPC, desde que preenchidos os requisitos exigidos no mencionado artigo.
O referido efeito suspensivo com base no art. 558 do CPC é importante para a salvaguarda de direitos das partes, em especial naqueles casos em que há risco de dano irreparável ou de difícil reparação, em que a eficácia da ordem proferida pelo Poder Judiciário necessita ser suspensa até a decisão final do recurso interposto contra a sentença recorrida. Tal efeito é previsto em relação ao recurso de apelação nos art. 520 e 558, parágrafo único, consubstanciado no poder geral de cautela, evitando um dano à parte recorrente.
A concessão do efeito suspensivo depende de pedido da parte recorrente dirigido ao relator do recurso através de petição à parte ou nas próprias razões recursais, demonstrando a existência do periculum in mora ensejador da concessão do efeito suspensivo do recurso, impedindo dessa forma a execução provisória da ordem jurisdicional. [69] Ressalte-se ainda que o efeito suspensivo poderá ser obtido através de agravo de instrumento contra decisão que recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo, demonstrando preencher os requisitos para obtenção do efeito suspensivo com base no art. 558.
O efeito suspensivo ope judicis, nas sábias palavras de Luiz Fux, "trata-se de poder conferido ao relator, assemelhado àquele que se defere ao juiz para concessão da antecipação de tutela, tanto que se exige possibilidade de dano irreparável e relevante fundamento (segurança e prova inequívoca)." [70]
Destarte, apesar de haver previsão legal para os efeitos de recebimento de cada recurso, a eficácia da ordem judicial poderá ser obstada por uma decisão proferida por órgão jurisdicional superior, impedindo a execução provisória, mesmo que para tal recuso seja previsto inicialmente apenas o efeito devolutivo.