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A subsistência dos efeitos da tutela antecipada ante a sentença de improcedência

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4– MANUTENÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA ANTECIPADA ANTE A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA

            O presente capítulo trata do objeto propriamente dito do presente estudo, fundando-se no efeito suspensivo do recurso de apelação, e, sobretudo, no perigo de dano irreparável ou de difícil reparação em caso de revogação imediata do provimento antecipatório em face de eventual sentença de improcedência.

            4.1. Sentença de Improcedência

            Nos termos do art. 162 do Pergaminho Processual Brasileiro e como dito alhures, os atos do juiz classificam-se em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Para praticar tais atos, deve preencher os pressupostos subjetivos do juiz, ou seja, investidura, competência e inexistência de impedimento ou suspeição para julgar a lide posta em juízo. [71]

            A definição dos atos do juiz apresenta-se importante para a sistemática dos recursos, mormente em virtude da necessidade de adequação do recurso para cada tipo de decisão, sob pena de não conhecimento da irresignação. Contra a sentença o recurso cabível é a apelação, contra a decisão interlocutória o agravo e contra os despachos de mero expediente não cabe recurso. [72]

            O já citado artigo 162 do Código de Processo Civil conceitua a sentença como o ato que põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. Ocorre que, como bem delineado por Vicente Greco Filho:

            "O conceito de sentença como o ato do juiz que põe termo ao processo deve ser entendido em caráter figurado, ou seja, como o ato do juiz que está apto a provocar a extinção do processo se não houver recurso, ou ainda o ato do juiz que põe termo à fase do processo em primeiro grau de jurisdição". [73]

            Após a marcha procedimental, o juiz deverá elaborar a sentença do processo, quando atenderá ou não o pedido inicial, podendo também não analisar o mérito do processo, como também atender em parte o pleito exordial.

            A publicação da sentença, regra geral, encerra o ofício jurisdicional do magistrado, produzindo alguns efeitos processuais e também podendo produzir eficácia material imediata, dependendo se o recurso de apelação cabível possua efeito obstativo ou não. [74]

            O presente estudo irá se ater à sentença de improcedência, em que o juiz rejeita a pretensão deduzida na peça vestibular, especialmente no caso em que anteriormente havia concedido a antecipação dos efeitos da tutela em vista do preenchimento dos pressupostos estatuídos no art. 273 do Código de Processo Civil.

            É que poderá ocorrer do juiz entender, initio litis, que a prova colacionada aos autos era inequívoca, levando à verossimilhança das alegações, como também presente o manifesto propósito protelatório do réu ou o periculum in mora. Contudo, após a instrução do processo, com a produção de provas por parte do réu e do autor, ter o entendimento de que aquela prova que se apresentava inequívoca no início não mais assim se apresenta, prolatando sentença contrária à decisão interlocutória concessiva do provimento antecipatório.

            Por exemplo, imagine-se que o juiz concede a antecipação dos efeitos da tutela à parte autora, para que a parte ré se abstenha de negativá-la perante os órgãos de proteção de crédito uma vez que a mesma alega que pagou a dívida, juntando para tanto um recibo firmado pelo demandado, mas, na instrução processual o réu alega que o mencionado recibo se trata de documento falsificado, o que é comprovado por uma perícia.

            Note-se que mesmo que o entendimento do magistrado sentenciante seja de que a prova constante nos autos leva à improcedência da pretensão autoral, poderá persistir o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação em caso de revogação imediata da liminar antes deferida, como no caso do magistrado haver concedido a tutela antecipada para que a seguradora de saúde fosse compelida a manter o pagamento do tratamento de um indivíduo com patologia grave.

            A parte vencida em primeira instância, não conformada com a sentença de improcedência proferida, poderá interpor o recurso de apelação, que, regra geral, será dotado dos efeitos obstativo e devolutivo.

            A sentença de improcedência poderá não revogar automaticamente a tutela antecipada anteriormente deferida, ante o efeito obstativo do recurso de apelação, e, mormente, em virtude da persistência do periculum in mora, como se pretende demonstrar no presente trabalho monográfico.

            4.2. Periculum in Mora

            O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, pressuposto alternativo previsto no inciso I, do art. 273 do Código de Processo Civil, assimilado como o periculum in mora típico das tutelas de urgência, possibilita a antecipação da tutela a fim de que o direito que o autor diz ser detentor não pereça, ou sofra dano considerável.

            No caso de tutela antecipada não ratificada quando da prolação da sentença, o magistrado ou relator do Recurso de Apelação poderá conferir o efeito obstativo ope judicis ao recurso, nos termos do Parágrafo único do art. 558 do CPC, desde que permaneça o periculum in mora.

            Apesar da previsão legal de concessão do efeito suspensivo à apelação interposta contra sentença que não ratificou a antecipação de tutela pelo próprio magistrado de primeiro grau, tal concessão apresenta-se bastante improvável, vez que o juiz que proferiu a sentença já tem seu convencimento formado. [75]

            Inobstante poder o recurso de apelação ser dotado do efeito obstativo ope judicis, ou seja, conferido pelo juiz ou relator do recurso, tal decisão poderá vir a não ter nenhuma eficácia prática, em decorrência da natural demora para que o pedido de efeito suspensivo seja apreciado pelo órgão jurisdicional, cuja morosidade é assim elucidada pelo Professor Ricardo Paes Barreto:

            "Requerer ao juiz competente para receber a apelação, ou ao relator funcionalmente competente para processa-la, a reforma da decisão interlocutória liminar, nenhuma eficácia haveria, ante a demora procedimental que se afigura na tramitação processual seguinte – prazos, juntada de petições, subida dos autos, distribuição ao relator, conclusão." [76]

            Note-se que a revogação automática do provimento antecipatório em decorrência da prolação de sentença de improcedência poderá ocasionar o perecimento do próprio direito, de modo que o recurso de apelação a ser manejado contra a sentença improcedente perderá seu objeto em face do dano irreparável causado pela revogação da tutela antecipada.

            O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação há de possibilitar a manutenção da tutela antecipada anteriormente deferida, mesmo com a prolação de sentença improcedente, vez que o recurso de apelação interposto possui efeito obstativo, impedindo a eficácia material da sentença em decorrência do cabimento de recurso com efeito obstativo. Assim, o réu, vencedor da demanda judicial, poderá requerer ao relator da apelação ou ao próprio juiz de 1º grau que retire o efeito suspensivo da apelação, devendo o julgador avaliar as razões deduzidas. [77]

            4.3. Tutela Antecipada ante o Periculum in Mora

            Como dito acima, entre os pressupostos alternativos exigidos pelo art. 273 do Código de Processo Civil para concessão da antecipação da tutela que normalmente é conferida na prolação da sentença, o inciso I prevê tal possibilidade fundada no perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. [78]

            Note-se que o periculum in mora trata-se de pressuposto alternativo que sempre deverá estar acompanhado dos pressupostos genéricos da prova inequívoca e verossimilhança das alegações.

            É crescente a insurgência da sociedade contra a morosidade do Poder Judiciário, tanto assim que a recente reforma constitucional que culminou com a Emenda Constitucional nº 45 inseriu no texto do art. 5º o inciso LXXVIII, que dispõe: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

            O inciso I do art. 273 do CPC trata dos casos em que a falta de imediato pronunciamento jurisdicional pode ocasionar o perecimento do próprio direito, de modo que o Estado, detentor do poder jurisdicional, não pode acobertar situações dessa natureza; ao contrário, deve zelar para que a tutela pretendida seja eficaz e não fique apenas no plano processual, mas, no plano fático. [79]

            Bastante elucidativa a lição do renomado Min. Luiz Fux, quando expõe:

            "O dano irreparável, por outro lado, também se manifesta na impossibilidade de cumprimento da obrigação noutra oportunidade, ou na própria inutilidade da vitória do processo, salvo se antecipadamente. O esvaziamento da utilidade da decisão de êxito revela um dano irreparável que deve ser analisado em plano muito anterior ao da visualização da possibilidade de se converter em perdas e danos a não satisfação voluntária pelo devedor." [80]

            A antecipação da tutela jurisdicional em face do periculum in mora revela a proteção ao perigo da demora natural do processo inviabilizar o próprio direito, que Alexandre Freitas Câmara assim explicita: "uma vez que esta modalidade de tutela antecipatória é destinada a assegurar o direito material que se encontra em estado de periclitância." [81]

            O Estado, através do Poder Judiciário, como atuante em substituição às partes, às quais é vedado utilizarem-se da autotutela, salvo em casos excepcionais previstos em lei, não pode permitir que o autor tenha o seu direito perecido em virtude da demora do provimento jurisdicional, quando presentes a prova inequívoca que leve à verossimilhança das alegações, sob pena de não corresponder à expectativa de realizar o direito. [82]

            Veja-se o caso que atualmente se encontra em evidência na capital pernambucana, em que o jurisdicionado, encontrando-se enfermo não lhe é disponibilizado um leito na UTI de um hospital público, fato este que pode acarretar a sua morte. É lógico que ao propor uma ação para que o Estado providencie um leito na UTI de qualquer hospital, o autor não poderá esperar a sentença ao cabo do processo, sob pena de ter seu direito à vida perecido, ou seja, de nada adiantará uma sentença procedente, visto que não mais dispõe do próprio direito, a vida.

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            A satisfação antecipada do direito alegado em virtude do periculum in mora apresenta-se como remédio processual para evitar o perecimento do próprio direito reclamado em juízo, evitando o iminente dano irreparável ou de difícil reparação. [83]

            Note-se que a tutela antecipada fundada no perigo de dano irreparável ou de difícil reparação representa a essência do instituto da tutela antecipada, calcada na efetividade e celeridade do processo. Ainda, a circunstância de perigo deve ser concreta e real, jamais idealizada pela parte postulante, uma vez que em não estando o perigo no mundo dos fatos, jamais estará preenchido o requisito estatuído no inciso I do art. 273 do Código de Ritos brasileiro. [84]

            4.4.Suspensividade

            Conforme já dito no presente trabalho, o recurso de apelação, regra geral, é dotado dos efeitos devolutivo e obstativo, tendo o art. 520 do Código de Processo Civil excepcionado alguns casos em que a apelação é recebida apenas no efeito devolutivo, como também algumas leis extravagantes como é o caso da lei 8.245/91, em seu artigo 58, inciso V.

            O efeito obstativo impede a eficácia material da sentença, de forma que a sentença de improcedência só produzirá efeitos após o trânsito em julgado, ou nos casos em que desafiável através de recurso dotado apenas de efeito devolutivo.

            A ineficácia da sentença de improcedência ocorre desde sua publicação, visto que por ser atacável pelo recurso de apelação com efeito obstativo, não produz efeito material até que ocorra decisão do tribunal ad quem, quando a sentença poderá ter eficácia. [85]

            Diferentemente do efeito obstativo em razão da sujeição a recurso com tal característica, o efeito suspensivo ope judicis só passa a obstar a eficácia material da sentença a partir da decisão concessiva do referido efeito pelo órgão jurisdicional, mas, como já mencionado, tal concessão muitas vezes poderá se apresentar inócua.

            Referindo-se à sentença de improcedência, o Professor Joaquim Felipe Spadoni assim se reporta à eficácia da sentença sujeita à apelação com efeito obstativo: "É ato jurídico processual inócuo, tendo os seus efeitos suspensos até o transcurso do prazo recursal ou até o final do julgamento da apelação." [86]

            Dessa forma, o efeito obstativo da apelação, juntamente com o periculum in mora, como defendido no presente trabalho, terá o condão de manter a eficácia da decisão concessiva da tutela antecipada, resguardando o direito discutido em juízo.

            4.5. Incidência da Suspensividade e do Periculum in Mora

            No presente trabalho, o efeito obstativo do recurso de apelação interposto contra sentença de improcedência em que o juiz havia concedido a antecipação de tutela, como também o periculum in mora como pressuposto para concessão da antecipação dos efeitos da tutela apresentam-se como principais alicerces da subsistência dos efeitos da tutela antecipada ante a sentença de improcedência, tema do presente estudo, como forma de proteger o direito da parte autora, não usurpando da mesma o direito ao segundo grau de jurisdição, conforme adiante se procurará demonstrar.

            A incidência da suspensividade e do periculum in mora garantirão o julgamento da lide posta em debate pelo juízo ad quem, prestigiando o princípio do duplo grau de jurisdição, ressaltando que defendemos a subsistência da tutela antecipada ante a sentença de improcedência desde que presentes os dois aspectos acima mencionados, garantindo um efetivo acesso à justiça aos jurisdicionados.

            4.6. A Sobrevida da Tutela Antecipada

            Ao longo do presente trabalho, analisando o instituto da tutela antecipada, os atos processuais do juiz, como também os recursos no âmbito do direito processual civil brasileiro, adota-se o entendimento de que a cassação imediata da tutela antecipada ante a sentença de improcedência não deve ocorrer quando presente o recurso com efeito obstativo, como também presente o periculum in mora.

            Inegável que a maior parte da doutrina possui posicionamento diverso do defendido no presente estudo, sob o argumento de que uma tutela concedida com base numa cognição sumária não poderá prevalecer em face de uma sentença de improcedência prolatada em decorrência de um juízo exauriente, existindo incongruência lógica que impede a subsistência da tutela concedida em juízo sumário.

            Num estudo analógico com o trabalho levado a cabo pelo processualista Cássio Scarpinela Bueno, intitulado Liminar em Mandado de Segurança [87], quando o mesmo defende a subsistência da liminar ante a sentença denegatória da segurança, contrariando a Súmula 405 do STF, que assim dispõe: "Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária", também quanto à tutela antecipada, os juízes pátrios seguiram o entendimento firmado pela referida Súmula, o que, data venia, trata-se de um equívoco.

            De início, cabe esclarecer a respeito da mencionada Súmula do STF foi firmada na égide do CPC vigente à época e hoje revogado, que quando fala em agravo trata-se de agravo de petição, hoje não mais existente e substituído pelo recurso de apelação contra sentença que não conheceu o mérito da demanda.

            O referido Agravo de Petição também possuía o efeito suspensivo, de modo que entende o referido autor que a eficácia substantiva da sentença denegatória não se dá com a sua publicação, não atingindo, portanto, a liminar concedida anteriormente. [88]

            De fato, como elucidado quando visto o efeito obstativo do recurso de apelação, quando existe previsão de recurso dotado desse efeito, a sentença não produz eficácia material desde sua publicação, só vindo a produzi-la após o acórdão do tribunal.

            O autor Cássio Scarpinella Bueno cita entendimento do processualista Marinoni, importante para fortalecer o defendido no presente estudo:

            "não existe contradição entre a declaração de inexistência do direito e a necessidade de conservação da tutela, eis que tal declaração não elimina o fundado receio de dano, sendo certo que, quanto à afirmação do direito, o que valerá será o julgamento a ser feito pelo tribunal. De nada adiantaria, a final, ser provido o recurso ao beneficiário da medida concedida initio litis se a possibilidade de fruição plena de sua afirmação de direito frustrou-se por completo durante o segmento recursal." [89]

            O art. 798 do CPC confere ao juiz o poder geral de cautela, devendo o mesmo evitar dano à parte autora com a cassação imediata da tutela antecipada, mesmo com a sentença improcedente, sendo prudente a subsistência do provimento antecipatório quando presentes o efeito obstativo do recurso de apelação e o periculum in mora..

            O defendido aqui não é que em todas as oportunidades a tutela antecipada será mantida diante da sentença de improcedência, mas, nos casos em que a cassação imediata da mesma puder ocasionar dano irreparável, ou de difícil reparação, desde que a sentença seja atacada por recurso dotado do efeito obstativo, impedindo a eficácia material da decisão até que seja proferido o acórdão pelo tribunal ad quem.

            Na precisa lição de Eduardo Carreira Alvim e Cristiano Zanin Martins, "Existem alguns recursos cuja interposição tem o condão de manter suspensa a eficácia da decisão impugnada (v.g., a apelação). A apelação, como regra, possui efeito suspensivo (CPC, art. 520,caput)." [90]

            Também, a teor do efeito suspensivo do recurso de apelação como óbice à cassação imediata da tutela antecipada, o processualista Barbosa Moreira expõe com propriedade que lhe é peculiar:

            "a suspensão é de toda a eficácia da decisão, não apenas de sua possível eficácia como título executivo. Aliás, expressão "efeito suspensivo"é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeito, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não interpusesse o recurso". [91]

            Outrossim, em obra intitulada Tutela Antecipada, Cássio Scarpinella Bueno sustenta o mesmo entendimento quanto à liminar em mandado de segurança, enfatizando o efeito obstativo do recurso de apelação, que enseja a ineficácia no mundo dos fatos da sentença, veja-se:

            "Não é que a sentença, fundada em cognição exauriente, não tenha aptidão de ‘revogar’(cassar, modificar, extinguir, uso essas palavras como sinônimas aqui) a decisão que antecipou a tutela, fundada em cognição sumária. Não há dúvida de que há tal revogação. O problema, no entanto, não é esse; o problema, bem diferente, é saber a partir de que momento a revogação é eficaz, a partir de quando ela pode produzir seus regulares efeitos. E, se há o efeito suspensivo da apelação, os efeitos da sentença não são imediatos, inclusive o relativo à revogação da tutela antecipada pelo seu proferimento". [92]

            Muitas vezes, cassar de forma imediata a tutela concedida initio litis em decorrência de sentença de improcedência poderá significar o perecimento do próprio direito, usurpando da parte autora o direito de submeter a decisão denegatória ao 2º grau de jurisdição, visto que uma decisão favorável concedida pelo tribunal em nada servirá em face do dano ao direito do autor já haver se consolidado.

            Com a devida venia, discordamos do notável jurista Nelson Nery Júnior [93], que, como boa parte da doutrina e da jurisprudência, entende que o problema deve ser visto não pelo efeito suspensivo do recurso, mas, pela incongruência lógica da sentença de improcedência, fundada em juízo exauriente, com a subsistência da liminar.

            Cassar imediatamente a liminar concedida ante a sentença de improcedência representa não somente a superveniência da cognição exauriente sobre a cognição sumária, mas, sobretudo, a eficácia imediata da sentença mesmo guerreada por recurso dotado do efeito obstativo, o qual, impede a eficácia material da decisão.

            Com exemplo bastante elucidativo, Joaquim, Felipe Spadoni demonstra a ineficácia material da sentença em decorrência da sujeição a recurso dotado do efeito obstativo, senão vejamos:

            "Imagine-se que determinado paciente tome um remédio X que produz determinados efeitos que lhe amenizam a dor. Posteriormente, o médico entrega ao mesmo paciente um remédio Y que, quando tomado, fará cessar os efeitos do primeiro medicamento. É evidente que, enquando o remédio Y não produzir os seus efeitos sobre os do remédio X, este continuará eficaz, amenizando a dor do paciente. Enquanto o segundo remédio não exteriorizar a sua eficácia, a incompatibilidade entre os mesmos se limita ao plano das idéias, mas não ao plano dos fatos. É o que ocorre também com a decisão antecipatória e a sentença que lhe é posterior". [94]

            Outrossim, o periculum in mora não pode ser relegado pelo poder jurisdicional, retirando do jurisdicionado o direito ao segundo grau de jurisdição, como também tornando inócua uma decisão favorável no âmbito recursal.

            Oportuno o exemplo clássico de José Eduardo Carreira Alvim em que a revogação imediata da tutela antecipada em decorrência da prolação de sentença de improcedência pode aniquilar o próprio direito discutido em juízo, veja-se:

            "imagine-se que a vítima venha sendo tratada num hospital à custa do causador do dano, por força da antecipação parcial da tutela, e a sentença dê pela improcedência da ação. A paralisação, ainda que temporária, do tratamento pode comprometer irremediavelmente a saúde ou até a vida do paciente, além do consectário de agravar a extensão da responsabilidade daquele que sai vitorioso no primeiro grau de jurisdição, mas vem a perder a causa em grau de recurso", [95]

            O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação é que deve ser sopesado no caso concreto, valendo o bom senso em que o direito sempre deve pautar-se. Veja-se o caso em que é proferida decisão antecipatória para obrigar uma construtora a manter sob escoras o teto de uma escola construída pela mesma. No caso de sentença de improcedência e imediata revogação do provimento antecipatório, muitos alunos deixarão de assistir aulas, como também poderá ocorrer o desmoronamento do teto, de nada adiantando um eventual acórdão favorável à tese sustentada pela parte autora.

            O juiz, usando do poder geral de cautela que lhe é conferido, deve manter a tutela antecipada, mesmo proferindo sentença de improcedência, quando presente o periculum in mora, garantindo, dessa forma a efetividade de eventual acórdão confirmador da decisão de antecipação de tutela em sede recursal.

            Tal providência de natureza cautelar encontra-se, inclusive, permitida pelo parágrafo sétimo, do art. 273, do CPC, in verbis: "Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado".

            A cautela, nesse caso, garantirá não só o acesso ao segundo grau de jurisdição, mas, também e primordialmente, o próprio direito discutido em juízo, que, em caso de revogação imediata da tutela antecipada, poderá acarretar a perda do objeto da demanda. Nesse diapasão, cumpre transcrever entendimento do jurista Carreira Alvim:

            "é aconselhável que os juízes, tendo havido antecipação de tutela, cuja preservação se revele indispensável, mantenham de forma expressa a eficácia da liminar, pelo menos até o julgamento da apelação da sentença que lhe for contrária (como acontece nas ações de alimentos)." [96]

            Veja-se que a coexistência de duas decisões que se afastam em seu conteúdo, a concessiva da tutela antecipada e a sentença de improcedência poderão coexistir, como nos ensina o processualista Ovídio Batista da Silva:

            "Não se leva em conta a circunstância que a revogação prematura do provimento liminar, ou mesmo da medida cautelar concedida em sentença final cautelar, deixará o direito litigioso sem qualquer proteção assegurativa durante a tramitação dos recursos, em muitos casos extremamente demorada, de tal modo que a reforma da sentença, nos graus superiores de jurisdição, poderia deparar-se com uma situação de prejuízo irremediável ao direito somente agora reconhecido em grau de recurso. Para que situações desta espécie sejam evitadas, recomenda-se que o magistrado – sensível às circunstâncias especiais do caso concreto – disponha, em sua sentença contrária à parte que obtivera a provisional, para que esta medida liminar, não obstante a natureza do julgamento posterior divergente, conserve-se eficaz até o trânsito em julgado da sentença a ser proferida no juízo do recurso." [97]

            Assim, em persistindo o perigo de dano irreparável, a sentença não produzirá eficácia material, podendo, entretanto, com base no art. 800, parágrafo único, do CPC, o réu pleitear a exclusão do efeito suspensivo do recurso de apelação, comprovando que tem melhor direito e mais urg6encia de se beneficiar daquilo que é ineficaz, de modo que a manutenção da tutela antecipada lhe causa prejuízo, e, o julgador, usando do seu poder geral de cautela, poderá deferir ou não tal pleito. [98]

            Assim, a já referida súmula 405 do STF não deve ser aplicada analogicamente ao instituto da tutela antecipada, cabendo aos juízes usarem o bom senso, garantindo o acesso ao duplo grau de jurisdição e a proteção ao direito possível de ser tutelado pelo órgão jurisdicional de 2ª instância.

            Nestes termos, respeitando o posicionamento daqueles que entendem que a incoerência lógica entre a sentença de improcedência e a tutela antecipada levam à revogação imediata desta última, sustenta-se no presente trabalho monográfico que o efeito obstativo do recurso de apelação e, sobretudo, o perigo de dano irreparável, deve levar à coexistência das referidas decisões, garantindo a eficácia de eventual decisão de procedência proferida em sede recursal, como também assegurando o acesso ao duplo grau de jurisdição, prestigiando o efetivo acesso à justiça.

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Sobre o autor
Rodrigo Cavalcanti Pessoa de Moraes

advogado em Pernambuco, integrante do escritório Ricardo Pessoa de Moraes Advogados Associados, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil, professor universitário de Direito Empresarial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Rodrigo Cavalcanti Pessoa. A subsistência dos efeitos da tutela antecipada ante a sentença de improcedência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1174, 18 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8936. Acesso em: 22 nov. 2024.

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