Capa da publicação Os perigos interpretativos da Lei Antiterrorismo
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Algumas considerações sobre a Lei Antiterrorismo

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29/03/2021 às 14:30
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IV- CONVENÇÕES INTERNACIONAIS FIRMADAS PELO BRASIL NA MATÉRIA  

O Brasil ratificou pelo menos 15 convenções e protocolos internacionais de combate ao terrorismo. São eles: Convenção Relativa às Infrações e Certos Outros Atos Cometidos a Bordo de Aeronaves; Convenção para Repressão ao Apoderamento Ilícito de Aeronaves; Convenção Para Prevenir e Punir Atos de Terrorismo Configurados em Delitos contra as Pessoas e a Extorsão Conexa Quando Tiverem Eles Transcendência Internacional; Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil; Convenção Sobre a Prevenção e Punição de Infratores contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, incluindo os Agentes Diplomáticos; Convenção contra a Tomada de Reféns; Convenção Sobre a Proteção Física dos Materiais Nucleares; Protocolo para a Supressão de Atos Ilícitos de Violência nos Aeroportos a Serviço da Aviação Civil; Convenção sobre a Marcação de Explosivos Plásticos para Fins de Detecção; Convenção Interamericana Contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Correlatos; Convenção Internacional sobre a Supressão de Atentados Terroristas com Bombas (com reserva ao parágrafo 1 do artigo 20); Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento ao Terrorismo; Convenção Interamericana Contra o Terrorismo; Convenção para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima; Protocolo para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança de Plataformas Fixas localizadas na Plataforma Continental. Ademais, o Brasil assinou, em 13 de abril de 2005, a Convenção Internacional para a Supressão de Atos de Terrorismo Nuclear, mas ainda não a ratificou. 

Adito, ainda, os seguintes atos: o Decreto 8.521, de 28 de setembro de 2015, que dispõe sobre a execução, no território nacional, da Resolução 2161 (2014), de 17 de junho de 2014, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que trata de sanções a indivíduos, grupos, iniciativas e entidades da Al-Qaeda e associados; o Decreto 8.522, de 28 de setembro de 2015, que dispõe dobre a execução, no território nacional, da Resolução 2160 (2014), de 17 de junho de 2014, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que renova o regime de sanções aplicável ao Talibã e dá outras disposições; e, os Decretos n.8.526, de 28 de setembro de 2015 e n. 8.799, de 6 de julho de 2016 que dispõem sobre a execução, no território nacional, da Resolução 2199 (2015), de 12 de fevereiro de 2015, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, atualizando e fortalecendo as sanções da Resolução 1267 (1999), além de reafirmarem obrigações impostas aos Estados-membros para combater o terrorismo e o financiamento do terrorismo e para coibir o comércio de armas e materiais conexos com o Estado Islâmico no Iraque e no Levante, com a Frente Al-Nusra, e com indivíduos, grupos, empresas e entidades associados à Al-Qaeda.  


V – O DIREITO PENAL DO INIMIGO   

São conhecidos os problemas que uma legislação antiterror pode trazer dentro de um Estado democrático, em algo próprio do direito penal do inimigo, com a adoção de medidas, como aumento da duração da prisão preventiva, acesso a dados de caráter pessoal e criação de tribunais militares de exceção. 

Necessário cautelar para que não esteja perante um direito penal do inimigo. A noção do amigoxinimigo, parece comum nesses crimes.  

Essa doutrina jurídica foi criada na década de 1980 pelo jurista alemão Gunther Jakobs, mas ganhou força no governo de George W. Bush após o ataque às Torres Gêmeas de 2001, e, principalmente, a partir das invasões norte-americanas ao Afeganistão e ao Iraque. Sob o argumento de “segurança nacional”, “legítima defesa” ou de “combate ao terrorismo” – o proclamado mal do século XXI – certas pessoas, por serem consideradas inimigas da sociedade ou do Estado, não deteriam todas as garantias e proteções penais e processuais penais que asseguradas aos demais indivíduos. Em nome da “defesa da sociedade”, as garantias penais mínimas consagradas pelas constituições e pelos instrumentos internacionais de proteção dos Direitos Humanos, como a presunção de inocência, a vedação da condenação sem provas, o princípio da legalidade, a neutralidade do julgador, a proibição da tortura, bem como o impedimento de obtenção de provas por meios ilícitos, não se aplicam aos proclamados “inimigos sociais”. 

Jakobs propõe a distinção entre um Direito Penal do Cidadão, que se caracteriza pela manutenção das normas, das garantias penais e dos limites ao poder de punição e investigação do Estado, e um Direito Penal do Inimigo, totalmente orientado para combater os “perigos sociais”,  que permite que qualquer meio disponível, lícito ao não, seja utilizado para punir esses “não-cidadãos”. Não se trata, portanto, de contrapor duas esferas isoladas do Direito Penal, mas de descrever dois polos de um só mundo e de visibilizar duas tendências opostas em um só contexto jurídico-penal. 

Nesse contexto, há o Direito Penal do Cidadão, cuja tarefa é garantir a vigência da norma como expressão de uma determinada sociedade e o Direito Penal do Inimigo, ao qual cabe a missão de eliminar perigos. No último caso, ocorre uma verdadeira caçada ao autor de um suposto delito, pois o agente é punido pela sua identidade, por suas características e personalidade. Pune-se o autor, e não a conduta delitiva em si. Reprova-se a periculosidade do agente, e não sua culpabilidade. A aplicação do Direito Penal do Inimigo significa a suspensão de “certas normas” para “certas pessoas”, o que é justificado pela necessidade de proteger os “homens de bem”, a sociedade ou o Estado contra determinadas ameaças coletivas.” 

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E prossegue-se naquela leitura: 

“No contexto brasileiro, o Direito Penal do Inimigo tem sido usado na autoproclamada missão do Judiciário e do Ministério Público de “combate à corrupção”. Lula e demais políticos da esquerda estão sendo tratados como verdadeiros inimigos e não como cidadãos acusados em um processo crime; ou seja, os réus aqui não são sujeitos de direito, ou mesmo alvos de proteção jurídica. São, na verdade, objetos de coação, desprovidos de direitos e da proteção jurídica mínima a que todos os seres humanos têm direito, mesmo aqueles investigados por crimes. Cabe lembrar que a utilização do Direito Penal do Inimigo no Brasil não é uma inovação da Operação Lava Jato e de seus articuladores – nas operações policiais nas comunidades mais pobres e nas periferias, a regra é tratar, tanto os criminosos como a população em geral, de maneira equiparada a “inimigos sociais”, vide o episódio dos 80 tiros contra uma família negra no Rio de Janeiro. 


VI – A TEORIA DA ADEQUAÇÃO SOCIAL  

Ora, em um momento em que a Lei de Segurança Nacional, um verdadeiro “zumbi” da ditadura militar, editada em 1983, no fim daquele triste período antidemocrático, está sendo objeto de discussão na sociedade visando ao reconhecimento pelo STF de sua não recepção pela ordem democrática de 1988, é preciso ter cuidado com flertes autocráticos.  

Não há crime de terrorismo se há conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, dentro do âmbito da normalidade social, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade, aplicando-se a teoria da adequação social. O que há aí é atipicidade de conduta.  

A teoria social da ação, também chamada de teoria socialmente adequada (da adequação social ou normativa) surgiu para ser uma ponte entre as teorias causalista e finalista. Para essa teoria, a ação é a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana, como já dizia Wessels (Direito Penal: parte geral, 1976, pág. 22). A relevância social da ação é o critério conceitual comum a todas as formas de comportamento e, portanto, também ao crime. Entende-se que “o comportamento é a resposta do homem a uma exigência posta em determinada situação conhecida, ou a resposta do homem a exigência posta em determinada situação conhecida, ou pelo menos possível de ser conhecida, constituindo-se na realização de uma possibilidade de uma reação, de que ele dispõe em razão de sua liberdade. Como o direito penal só comina penas a condutas socialmente danosas e como socialmente relevante é toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio, sem relevância social não há relevância jurídico-penal. Só haveria fato típico, portanto, segundo a relevância social. 

Defenderam essa teoria: Johannes Wessels, Ebehardt Schimidt, Engish, Jescheck, Mezger, Fiore, Soler, Miguel Reale Jr., Nilo Batista, Everaldo Cunha Lima, dentre outros. 

Renato de Mello Jorge Silveira (Fundamentos da adequação social em direito penal, 2010, pág. 401) disse que se entende por adequação social o fato de uma conduta, ainda que aparentemente típica penalmente, ser considerada lícita em face das considerações de ordem histórica ou social. Ela só por ser admitida em sentido negativo, vale dizer, como razão de não aplicação penal, sendo vetado seu emprego como justificativa criminalizante. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Algumas considerações sobre a Lei Antiterrorismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6480, 29 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89453. Acesso em: 16 abr. 2024.

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