I – O FATO
Em reportagem do Estadão, em 27 de março de 2021, o Estadão divulgou que,
“em vigor há cinco anos, a Lei Antiterrorismo pouco tem sido utilizada em investigações da Polícia Federal e resultou na condenação de 11 pessoas. Nas maiores operações contra supostos terroristas no País, houve casos em que a Justiça recusou as acusações e de suspeitos que, após prisões preventivas, não foram processados. Nas últimas semanas, porém, o governo se movimentou para reabrir a discussão de um projeto que pode ampliar o alcance das ações de contraterrorismo.”
No Brasil, recentemente, o Ministério Público Federal no Estado de Goiás denunciou 11 brasileiros por formar uma organização criminosa e promover o Estado Islâmico no país. Segundo o documento, os denunciados tentaram recrutar pessoas, incluindo menores de idade, para possíveis atentados no Brasil e criação de uma célula e promoção das ideias do grupo terrorista.
Segundo a denúncia, assinada em 20 de abril pelo procurador da República Divino Donizette da Silva, em grupos de mensagens com nomes como “Uma bala na cabeça de todo apóstata” e “Na via de Alá, vamos”, os participantes trocavam materiais extremistas. Um dos participantes “afirma sempre conversar com vários recrutadores jihadistas [...] e que poderia ajudar na migração para o califado”, segundo as investigações.
II – A LEGISLAÇÃO DE TERRORISMO NO BRASIL
O tema tem perto de 100 anos no Brasil.
Em 1921, seguindo o modelo europeu da época, o Brasil publicou o Decreto 469 de 1921, criminalizando o anarquismo. Entendia-se que o país estava sob a ameaça de um terrorismo anarquista e que, portanto, era necessário reprimi-lo.
O termo “terror” foi utilizado na Lei 1 de 1938, responsável por emendar o art. 122, n. 13 da Constituição de 1937. Este art. 122, que fazia parte do título “Dos direitos e garantias fundamentais”, determinava que: Art 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 13) Não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a pena de morte será aplicada nos seguintes crimes: [...] h) atentar contra a segurança do Estado, praticando devastação, saque, incêndio, depredação ou quaisquer atos destinados a suscitar o terror.
Vivia-se o Estado Novo, e um país fulcrado em ideias totalitárias nacionalistas de direita, que contrapunha-se ao que chamava perigo comunista, em face dos fatos acontecidos em 1935, com a Intentona.
Veio a Constituição de 1946, própria de um modelo liberal populista que, após, foi vilipendiada por Atos Institucionais que tentaram legitimar a ditadura militar no país. Essa Constituição foi revogada pela de 1967.
Foi editado o Decreto-Lei 314, de 1967, que deixou clara a intenção de se criminalizar o terrorismo, incluindo o termo no seu art. 25, sem, contudo, estabelecer uma definição, restando, assim, em uma cláusula aberta, como se observa: Art. 25. Praticar massacre, devastação, saque, roubo, sequestro, incêndio ou depredação, atentado pessoal, ato de sabotagem ou terrorismo; impedir ou dificultar o funcionamento de serviços essenciais administrados pelo Estado ou mediante concessão ou autorização: Pena – reclusão, de 2 a 6 anos.
Esse período de 1964 a 1985 ficou caracterizado como o repúdio à ideologia comunista, num confronto diante do capitalismo que era adotado no Brasil, diante da chamada “guerra fria”. O combate à chamada luta armada da esquerda de competência da Justiça Militar, sem a possibilidade da prática do habeas corpus, em crimes que eram chamados de políticos, com a prática de tortura, possibilitou a uma série de arbitrariedades.
O clima, naqueles “anos de chumbo”, era perturbador. Havia uma guerra aberta entre o sistema e a oposição que optou pela luta armada. Veio a edição de norma penal que admitia a pena de morte por atos considerados terroristas contra o Estado brasileiro.
O General-de-Brigada Carlos de Meira Matos, em entrevista à revista Veja, em 01/10/1969 reafirmou o conteúdo da nota oficial justificando a atitude dos militares, pois o Brasil estava em Guerra Revolucionária. Quando perguntado se a pena de morte, de um ponto de vista estritamente militar, não violaria a Convenção de Genebra, uma vez que o terrorista é o militante da Guerra Revolucionária, o general apresentou evasivas ao afirmar que: GENERAL – Em nenhum lugar do mundo o terrorista é considerado um combatente. Em qualquer país do mundo, atentados e sequestros são crimes comuns. O terrorista é desleal, usa a chantagem, sua ação é condenada por todos os povos.” (...) VEJA – Mas a pena de morte não seria apenas tentar conter a violência com a violência? E violência não gera violência? GENERAL – Mas quem começou tudo? Foi o Governo que saiu por aí de arma na mão inquietando a população, incendiando, assaltando bancos e sequestrando pessoas? (fim da entrevista).
Veio a Constituição redentora de 1988.
A Constituição de 1988, em seu artigo 4º, elenca o repúdio ao terrorismo como um dos princípios que regem a República Federativa do Brasil em suas relações internacionais19; e o art. 5º, em seu inciso XLIII, enumerou o terrorismo como um dos crimes equiparados a hediondo, excluindo assim a possibilidade de fiança, de graça e anistia.
Nesse particular, o Brasil seguiu diversas outras Constituições sul-americanas que contém condenação, assumindo os mais diferentes matizes, tais como o Chile, Peru, Paraguai, Uruguai. Na mesma linha, temos as Constituições do México e da Espanha.
A Constituição levou em conta a preocupação crescente da humanidade com o desenvolvimento de um terrorismo de ramificações internacionais que, por vezes, chega a contar com o apoio dos próprios Estados.
Essas manifestações selvagens foram a prática conhecida nos atentados das torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001, na Espanha, em 2004, em Londres, em Paris, etc.
Somente anos depois, a matéria foi objeto de regulamentação por lei. Veio a Lei 13.260, que trata da matéria, dentro do princípio da reserva legal de Parlamento.
III – A LEI ANTITERROR
A Lei 13.260, de 16 de março de 2016, define o que é crime de terrorismo:
Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
§ 1o São atos de terrorismo:
Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa.
A redação do caput do art. 2º não requer um número determinado de vítimas para que se caracterize a disseminação do sentimento de terror, bastando apenas que esse seja o objetivo do ato. Contudo, deve-se exigir que a prática do ato seja ao menos capaz de espalhar um sentimento de terror, sob pena de caracterização de crime impossível.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa envolvida nesses atos.
O crime é de ação múltipla, de forma que é formal, de perigo.
A lei extravagante em tela pune os atos preparatórios.
Os atos preparatórios são aqueles realizados em momento anterior ao da execução do delito. Trata-se de uma fase entre a cogitação e a execução. Esses atos somente são puníveis quando constituírem, por si só, infração penal. Um exemplo de ato preparatório punível é o delito de petrechos para falsificação de moeda. Outro exemplo é o art. 5º da Lei n.º 13.260/2016 (lei antiterrorismo) em que os atos preparatórios do terrorismo foram tipificados de forma autônoma, de modo que a prática de tais atos configura crime independente do principal.
É certo que há controvérsias quanto a essa conduta. A teoria subjetiva trabalha com o psiquismo do autor, com sua representação. Assim, se o autor do fato criminoso representa sua conduta como um ato preparatório, será um ato preparatório; e se representa como um ato executivo, será tratado como executivo. Por sua vez, em oposição, à vista das dificuldades de prova, há a teoria objetiva individual (ou objetivo subjetiva), que, em sua dimensão subjetiva, é constituída pela representação do fato, segundo o plano do autor. Já em sua dimensão objetiva possui uma variante dominante e outra minoritária.
Os atos preparatórios são considerados criminosos para efeito da lei de Terrorismo.
Art. 5o Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:
Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.
§ lo Incorre nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar atos de terrorismo:
I - recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou
II - fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.
§ 2o Nas hipóteses do § 1o, quando a conduta não envolver treinamento ou viagem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade, a pena será a correspondente ao delito consumado, diminuída de metade a dois terços.
Os atos preparatórios, que o direito penal geralmente não tipifica como crime estão como tal inseridos na lei.
O terrorismo é um fenômeno internacional e o Brasil não está livre dele.
Segundo Robertson (A Dictionary of Modern Politics. New York: Oxford, 1993.p.5), “o terrorismo é o uso de violência política como forma de pressionar um governo e/ou sociedade para que aceitem uma mudança política ou social radical”.
Observo de Lessa e Suppo (O nacionalismo Basco e o ETA, 2010), ao tratar o tema do terrorismo:
“Sistema de terror, governo formado sob intimidação, política de terror. O terrorismo pode ser revolucionário e/ou de Estado. É um modo de coagir, ameaçar ou influenciar outrem ou de impor-lhe a vontade a vontade pelo uso sistemático da força, da violência, do terror. É também forma de ação política que combate o poder estabelecido mediante o emprego da violência. Em síntese, a palavra terrorismo remete, sempre, a um único significado: o terror provocado sobre o outro, sobre a sociedade, sobre o Estado ou sobre instituições. Sem possuir uma definição unívoca entre os especialistas, historicamente, porém, todos concordam que o terrorismo remete à realidades diferentes e à um grau maior ou menor de a/reprovação da sociedade a esse método de ação política.”
Na perda de cidades, na Síria e no Iraque, numa área que tornariam de califado, o Estado Islâmico partiu para outras condutas mais graves, como o atentado recente em aeroporto na Turquia e uma área de recreação na França.
A Al-Qaeda, Talibã, o Estado Islâmico passaram a ser tratados como inimigos da humanidade por suas práticas homicidas.
Necessário um amplo trabalho de inteligência para detectar essa atividades francamente nocivas a todo o corpo social.
O Anteprojeto do Código Penal prevê, em seu artigo 239, o crime de terrorismo, como crime contra a paz pública, com a seguinte redação: Causar terror na população mediante condutas descritas nos parágrafos deste artigo quando: tiverem por fim forçar autoridades públicas nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe; tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o estado democrático de direito; forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.
Ainda seria crime de terrorismo: sequestrar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer prédio público ou privado; interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados ou sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios ou comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares, com pena prevista de oito a quinze anos de prisão, além das sanções correspondentes á ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas, que viriam em concurso material.
Há uma forma qualificada prevista no Anteprojeto, no parágrafo sexto, que retrata conduta praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos, com pena de prisão de doze a vinte anos, além das penas correspondentes a ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas.
São ainda crimes ali previstos: financiamento do terrorismo (oferecer ou receber, obter, guardar, manter em depósito, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativos, bens e recursos financeiros com a finalidade de financiar, custear ou promover a prática do terrorismo, atos relativos a este não venham a ocorrer, que se trata de crime formal e de perigo abstrato); favorecimento pessoal no terrorismo (dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saiba ou se tenha fortes motivos para saber, que tenha praticado ou esteja por praticar crime de terrorismo, crime de fusão, formal). No entanto, o Anteprojeto estabelece, para este último tipo penal, como forma de escusa absolutória, forma de exclusão da punibilidade, se o agente for ascendente ou descendente em primeiro grau, cônjuge, companheiro estável ou irmão da pessoa abrigada ou recebida. Tal escusa não alcançaria os partícipes, que não ostentem idêntica condição.
No Projeto do Senador Jucá as penas são mais pesadas, podendo variar de quinze a trinta anos de reclusão.
O terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população, destinado a incutir medo, terror, com o objetivo de obter efeitos psicológicos que ultrapassem o círculo das vítimas.
Listam-se cerca de 16 (dezesseis) tratados internacionais que acabaram por constituir o regime global de repressão ao terrorismo. A isso se somaram diversas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas a respeito da Al Quaeda e do Talibã. Penso que tal regime se aplica ao Brasil, pois é Estado parte dos tratados e membro da ONU, aplicando-se, sempre, o princípio da boa-fé, essencial na interpretação dos tratados, do que se lê da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, adotada em 22 de maio de 1969, que codificou o direto internacional consuetudinário referente aos tratados, entrando em vigor em 27 de janeiro de 1980. Aliás, o Brasil é parte da Convenção de Viena desde 25 de outubro de 2009, aceitando os princípios do livre consentimento, da boa-fé e da norma pacta sunt servanda.
Mas, no entanto, o próprio Anteprojeto do código Penal, de forma salutar, no parágrafo sétimo do artigo 239, exclui o crime, apresenta forma atípica, quando há conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, dentro do âmbito da normalidade social, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade. Assim, quem desvirtuar esse sentido de manifestação deve ser enquadrado nos crimes previstos no Código Penal, como incêndio, dano, inclusive o qualificado, outros crimes contra a incolumidade pública, homicídios, sejam dolosos ou culposos, lesões corporais, dolosas ou culposas, e, ainda, se for o caso, a lesão corporal grave ou gravíssima seguida de morte, em sua forma preterdolosa. Sabe-se que, nas teorias sobre a conduta, a teoria social considera que o direito penal somente deverá cominar pena às condutas socialmente dolosas e como socialmente relevante tem-se toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio.
Sem relevância social, não há relevância jurídico-penal. Somente haverá fato típico, portanto, segundo a relevância social da ação, isto porque a ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo, porque se realiza dentro do âmbito da normalidade social.