Capa da publicação Morte em intervenção militar e recusa de apresentação dos instrumentos do crime
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Morte por intervenção policial operada por militar estadual:

providências no caso de recusa injustificada de apresentação de partes, objetos e armas de fogo

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09/04/2021 às 14:20

Resumo:


  • O artigo discute a atribuição investigativa de infrações penais militares e a competência para julgamento de delitos praticados por policiais militares, especialmente em casos de morte decorrente de intervenção policial militar.

  • A Lei nº 13.491/17, que alterou o Código Penal Militar, não modificou a competência do Tribunal do Júri para julgar crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, mantendo a atribuição investigativa das polícias civis.

  • Em casos de recusa da Polícia Militar em entregar objetos ou armas relacionados a intervenções policiais, a Polícia Civil pode tomar medidas como representar por mandado de busca e apreensão ou solicitar ao juiz que determine a entrega dos objetos à autoridade policial civil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. Providências por parte da Polícia Civil no caso de recusa de entrega de objetos ou armas de fogo

Pode ocorrer, como vimos, que a Polícia Militar se negue a apresentar a ocorrência ou a ofertar os objetos implicados (geralmente, armas) para apreensão. Antes de adotar qualquer medida, é recomendável que a autoridade policial, até mesmo por ato de nobreza e boa fé, faça contato com o oficial responsável para se certificar, formalmente, se a ocorrência será ou não apresentada, nada impedindo que aquela, inclusive, alerte este último sobre as consequências de tal omissão. Em insistindo na negativa, não restará outro meio a não ser adotar, segundo a sua convicção técnica e jurídica, as medidas julgadas cabíveis.

O boletim de ocorrência será registrado de ofício e sob a supervisão da autoridade policial, com os dados que ela, no momento, possuir. Importante nele consignar o modo de como a notícia-crime chegou ao conhecimento da polícia judiciária (geralmente por ciência telefônica ou prévia/pessoal ultimada por guarnição destacada para tanto); a tentativa de recepcioná-la junto a seara adequada; a qualificação o responsável pela negativa; os pormenores gerais do caso e, principalmente, como foram e se foram ultimadas intervenções periciais (quem as requisitou e quem, porventura, as acatou). É de se ressaltar que, no Estado de São Paulo, os oficiais da Polícia Militar, por força da Resolução SSP-113/01, podem, em feitos para a apuração de infrações militares – repise-se, “militares” –, requisitar exames diretamente aos órgãos de perícia. Note-se que a norma alude a “infrações militares” e não a qualquer evento, mormente o ora sob análise, cuja atribuição investigativa, segundo entendemos, não lhes impende de maneira expressa. 

No caso de recusa de entrega de objetos ou armas de fogo pela Polícia Militar à Polícia Civil, a autoridade policial poderá optar por três caminhos: a) Poderá representar pela concessão de mandado de busca e apreensão para as dependências do quartel (mirando a derradeira apreensão dos artefatos)[10]; b) Poderá representar ao juiz de direito, a fim de que este determine ao oficial responsável pela persecução castrense, o encaminhamento das armas de fogo (e demais documentos pertinentes) à Delegacia de Polícia[11] ou c) Poderá requisitar, diretamente ao órgão de perícia, para que este remeta, física ou eletronicamente, cópia dos laudos já ultimados, caso os fatos lhe tenham sido reportados de maneira posterior (e em lapso temporal extenso), juntando-os, assim, aos autos de inquérito policial. Dentre essas medidas, todas com precedentes, cremos que a segunda seja a mais viável.

Acresça-se a isso que a autoridade policial, no registro preliminar da ocorrência, poderá, desde que o faça de forma fundamentada, descrever eventuais infrações penais a rigor por ela constatadas nas ações e omissões dos implicados, tais como usurpação de função pública (que pode ser praticada por funcionário que atue fora da sua área de atribuição); prevaricação (desde que demonstre, ainda que precariamente, indícios de satisfação e interesse pessoal no deslinde da ocorrência); fraude processual (desde que demonstre, ainda que precariamente, indícios de elemento subjetivo) etc., comunicando a quem de direito e, principalmente, sua hierarquia.


5. Considerações finais

De toda sorte, independente da estratégia a ser abarcada, o importante é agir com serenidade e adotar, com espeque na lei, a medida julgada cabível, sem prejuízo do preliminar registro das circunstâncias que, à revelia da autoridade policial, impediram ou dificultaram a adoção imediata das providências de polícia judiciária[12] (inclusive pelos órgãos oficiais de perícia), a fim de que se busque, num segundo momento, a responsabilização dos causadores do impasse ou de prejuízos a investigação.

É de se ressaltar, por fim, que a alteração havida no artigo 9º do CPM (parágrafo 2º), sobre delitos cometidos por militares das forças armadas contra civis, não são extensíveis aos policiais militares, ante a própria redação restritiva do dispositivo, mantendo-se a redação do artigo 82 do CPPM.

No mais, antes da adjetivação das polícias operada pela Constituição, é mister estabelecermos que, em âmbito estadual, todas servem e estão subordinadas à mesma bandeira. Por isso, bom senso! 


Notas

[1] Note-se que não há expressa menção aos termos “especial” ou “extravagante” na nova redação do artigo 9º, II do CPM pela Lei 13.941/17, mas, tão somente, “legislação penal”.

[2] “Conceito de crime militar não foi ampliado pela Lei 13.491/17”. Henrique Hoffmann. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jan-15/academia-policia-conceito-crime-militar-nao-foi-ampliado-lei-1349117>. Acessado em 31 ago. 2020.

[3] Processo Digital nº 1506694-91.2019.8.26.0050.

[4]  Crimes militares praticados contra civil - Competência de acordo com a lei 13.491/17. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/267525/crimes-militares-praticados-contra-civil-competencia-de-acordo-com-a-lei-13491-17>. Acessado em 01 out. 2020.

[5] Competência da Justiça Militar e Lei n°13.491/2017 - Breves Apontamentos. Centro de apoio Operacional das Promotorias. Ministério Público do Paraná. Disponível em: <https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/Estudo_Lei13491_2017_Competencia_Justica_Militar_2.pdf>. Acessado em 22 set. 2020.

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[6] “Polícia Civil é competente para investigar homicídio de militar contra civil”. Lara Teles Fernandes. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-ago-04/tribuna-defensoria-policia-civil-competente-investigar-morte-civil-militar#sdfootnote5sym>. Acessado em 22 set. 2020. 

[7] Competência da Justiça Militar e Lei n°13.491/2017 - Breves Apontamentos. Centro de apoio Operacional das Promotorias. Ministério Público do Paraná. Disponível em: https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/Estudo_-_ATUALIZACAO_-_competencia_da_justica_militar_-_versao_final.pdf>. Acessado em 22 set. 2020.

[8] LEITÃO JUNIOR, Joaquim. “A celeuma trazida com o advento da Lei nº 13.491/17 sobre atribuição para investigação do homicídio (ou óbito) praticado por policial militar contra civil, no exercício da função”. Tratado Contemporâneo de Polícia Judiciária. Umanos Editora, 2019, p. 210.

[9] “Polícias Civil e Militar: diretrizes de interação e trabalho”. LESSA, Marcelo de Lima. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/67902/policias-civil-e-militar-diretrizes-de-interacao-e-trabalho>. Acessado em 27 nov. 2020.

[10] Precedentes de uma representação da lavra do delegado de polícia Paulo Florentino Machado, da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul, elaborada com espeque na Correição Parcial nº 70016030181, da 3ª Câmara Criminal da Comarca de Novo Hamburgo, com acolhimento do voto do relator, desembargador Newton Brasil Leão, pela devolução de uma arma de fogo custodiada pela Brigada Militar à Polícia Civil.

[11] Nesse sentido, Processo Digital nº: 1501650-51.2020.8.26.0537, da 5ª Vara Criminal do Foro de São Bernardo do Campo. 

[12] Em São Paulo, vide o item V da Recomendação DGP-2, de 12 de setembro de 2008.

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Sobre o autor
Marcelo de Lima Lessa

Formado em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos (1994). Delegado de Polícia no Estado de São Paulo (1996), professor concursado de “Gerenciamento de Crises” da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Ex-Escrivão de Polícia. Articulista nas áreas jurídica e de segurança pública. Graduado em "Criminal Intelligence" pelo corpo de instrução do Miami Dade Police Department, em "High Risk Police Patrol", pela Tactical Explosive Entry School, em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça, em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo grupo de respostas a incidentes críticos do FBI - Federal Bureau of Investigation e em "Gerenciamento de Crises", "Uso Diferenciado da Força", "Técnicas e Tecnologias Não Letais de Atuação Policial" e "Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial", pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Atuou no Grupo de Operações Especiais - GOE, no Grupo Especial de Resgate - GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Marcelo Lima. Morte por intervenção policial operada por militar estadual:: providências no caso de recusa injustificada de apresentação de partes, objetos e armas de fogo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6491, 9 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89695. Acesso em: 22 dez. 2024.

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