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Dimensões da linguagem e a efetividade dos direitos fundamentais.

Uma abordagem lógica

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30/09/2006 às 00:00
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5. PLANO PRAGMÁTICO

Este nível, dado a sua amplitude, carece de estudos mais precisos. Para muitos ele compõe o objeto da sociologia jurídica. Entretanto, é aqui onde de fato toda a produção normativa começa e se efetiva. No pragmático está o princípio e o fim da atividade jurídica.

A afirmação de Andreas Joachim KREEL, de que a questão da interpretação dos direitos sociais não é lógica, mas de consciência social, 64 além de lançar o problema da efetivação das normas como uma questão extrajurídica de conteúdo eminentemente subjetivo, não leva em consideração que o próprio sistema constitucional impõe ao administrador metas a serem efetivadas. Estas determinações são jurídicas e sob este prisma deve ser analisado, sob pena de a ciência negar o seu próprio objeto. Sendo jurídico, deve se guiar pelos cânones da lógica, como se passa a expor.

No nível pragmático, o discurso é voltado para a aplicação da norma jurídica e a serventia desta linguagem no mundo social. Não é uma dimensão extralógica, como já se afirmou, mas compõe o universo lógico no entrelace entre o sintático, o semântico e o pragmático, como bem salienta Rupert SCHREIBER, "estos três aspectos de la investigación de um lenguaje se encuentran entre sí em la siguinte relación: la pragmática presupone la sintaxis y la semántica, la semántica presupone la sintaxis". 65 Neste sentido, Lourival VILANOVA afirma: "altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito". 66 67 Até mesmo Hans KELSEN irá condicionar a eficácia da Constituição à efetividade e à aplicabilidade global da ordem que ela inaugura. 68 Com premissas distintas, mas com as mesmas conseqüências, vê-se o trabalho de Marcos Bernardes de MELLO quando explicita as dimensões do mundo jurídico, dividindo-o em dimensão política, dimensão normativa e dimensão sociológica. 69 Por mais que se queira afastar do plano pragmático, o direito depende dele para se realizar. A produção de sentido depende de atuação pragmática da autoridade do sistema – todo aquele que esteja autorizado pela ordem jurídica para inová-lo. 70 O teórico do direito não elabora norma, mas a propõe. Quem produz a norma é o aplicador, no caso concreto.

No relato de Lênio Luiz STRECK, para se atribuir sentido ao texto, mister se faz, segundo GADAMER, que haja uma pré-compreensão. Esta, por sua vez, é pré-figurada por uma tradição determinada onde vive o interprete modelando seus pré-juízos. A pré-compreensão decorre da relação intersubjetiva (sujeito x sujeito) que o intérprete tem do mundo. Aqui se rompe a relação cartesiana "sujeito x objeto", até porque o sentido não está no objeto, mas na comunidade discursiva. No caso do direito há uma especificidade. A Constituição é condição de possibilidade hermenêutica de outro texto. Ela é o produto de um pacto constituinte. Só a partir do sentido que se tem da Constituição se pode construir o sentido do Direito Positivo como um todo.

No plano pragmático a Constituição fixa as suas diretrizes. Exemplo disso encontra-se na prescrição do art. 3º da CF/88. 71 Estas disposições, dentre outras, são dirigidas aos aplicadores, devendo ser um dos guias na realização do Direito. Situações como mínimo vital, 72 rechaço ao argumento da reserva do possível 73 e outras, são facilmente encontradas dentro da teoria normativa do direito, aqui vista além do esqueleto da estrutura lógico-formal.

Colocar o aspecto pragmático para o núcleo mínimo do fenômeno jurídico – a norma jurídica – revela as falácias que escondem a não aplicação dos direitos sociais, a arbitrariedade do poder público, bem como a omissão de parte do judiciário em realizar materialmente o sistema jurídico positivo. A alegação de que a questão pragmática é sociológica ou política é ideológica. Na realidade, só existe normatividade por conta da atuação do plano pragmático.

O problema da "baixa compreensão" do texto constitucional, no que concerne ao âmbito do Estado Democrático (Social) de Direito, implica baixa aplicação e, via de conseqüência, prejuízo à concretização dos direitos, máxime, os sociais. É a partir desta questão que surge a possibilidade de (in)efetividade da Constituição. A interpretação constitucional, neste ponto, é fundamental para a força normativa da Constituição. 74 A conseqüência da "baixa compreensão" do texto constitucional gera a idéia de prevalência dos códigos frente à Constituição, a utilização de métodos antiquados e a equiparação de texto e norma, vigência e validade etc. 75

Uma classificação pragmática que leva a uma inefetividade das normas constitucionais é a elaborada por José Afonso da SILVA. Na realidade, com o pretexto de classificar as normas constitucionais pelos efeitos acabou por disseminar a crença de que existiria norma constitucional de eficácia plena, de eficácia contida e, por último, de eficácia limitada. 76 Não se trata aqui de classificação de normas mas de enunciados prescritivos. O motivo desta classificação decorre do fato de que o autor não faz a distinção entre lei e norma. Norma é eficaz. Se não produz o efeito, alterando o mundo social, norma não é.

Atinge o plano pragmático a não efetividade de diversos direitos catalogados como fundamentais, bem como o não controle judicial dos atos discricionários e dos conceitos (ou termos) jurídicos indeterminados. Em diversas passagens de sua obra, Andreas Joachim KRELL defende a efetividade e a possibilidade do controle judicial das políticas públicas, bem como da sindicabilidade dos conceitos (ou termos) jurídicos indeterminados e do poder discricionário.

É imperativo, na modernidade, que toda formulação jurídica seja apresentada em de maneira adequada. Esta formulação deve ser fundamentada, sob pena de se tornar um arbítrio, sendo esta conseqüência decorrente do Estado de Direito. 77 Além disso, as referidas decisões devem respeitar as leis lógicas, pois, como alega Rupert SCHREIBER, citando decisão do Tribunal Supremo da Zona Britânica de Ocupação da Alemanha, de 19 de outubro de 1948, "la violación contra las leys de pensamiento es, por consiguiente, uma violación del derecho material". 78 A proibição do arbítrio tem por destinatários os poderes do Estado. Se a administração, ao concretizar o direito material, não o justifica ou justificando, não toma como norte os paradigmas fixados na Constituição Federal, cabe a interferência judicial, ainda que mínima. 79 Ademais, como salienta Andreas Joachim KRELL, não há diferença qualitativa entre o ato vinculado e o discricionário, mas quantitativa. 80 Como ficou demonstrado, a diferença está no modal deôntico. No vinculado, a conduta da administração é obrigatória, no ato discricionário o modal deôntico é o permissivo, em regra bilateral. Ambos, o vinculado e o discricionário são atos normativos, logo podem e devem ser controlados.

Não se trata aqui de invasão na competência administrativa, até porque a conduta do administrador que não realiza valores constitucionais é um ilícito que deve e é sancionado pela ordem jurídica. Acrescente-se a este fato que o poder estatal é uno e sua divisão tem por função melhor realizar os ditames da ordem jurídica. Não pode esta técnica de divisão de atribuição funcionar como empecilho à efetivação dos direitos, máxime os direitos sociais que demandam, em regra uma prestação positiva do Estado, conforme percuciente lição de Fábio Konder COMPARATO, a seguir transcrita:

Em razão de sua supremacia normativa, o princípio da separação de poderes situa-se no ápice do ordenamento jurídico nacional, sobrelevando todas as regras, até mesmo de natureza constitucional, que não tenham o valor de princípios. Na hipótese de uma eventual colisão da separação de poderes com outro princípio fundamental, em determinado caso concreto, o intérprete deve escolher a solução que melhor assegure a proteção dos direitos fundamentais, segundo a técnica de sopesamento, que os alemães denominam Güterabwägung, e os anglo-saxônicos balancing. 81

As críticas dirigidas ao ativismo judicial não têm sustância no Brasil, pois o que se observa nos tribunais superiores é um ativismo negativo, uma auto-restrição do Poder Judiciário. Isto decorre da baixa constitucionalidade que possuem os seguintes fatores: a) curtos períodos de democracia; b) décadas de controle difuso sem extensão das decisões; c) tardia inserção do controle concentrado; d) tardio ingresso do Brasil na era do constitucionalismo do Estado Democrático de Direito; e) crise de paradigma pois o processo foi talhado para resolver conflitos interindividuais e não transindividuais. 82

Deve-se frisar que a concretização da Constituição não depende de vontade sazonal do legislador ou do executivo. O intérprete deve resguardar a sintonia com a materialidade da Constituição. Ela estabelece as condições do agir político, sendo normativa e, no caso, dirigente, como defende Andreas Joachim KRELL 83 e Lênio Luiz STRECK. 84 Ademais, a atuação humana é imprescindível para a realização do direito. Esta é a constatação de Gabriel IVO, que trouxe para o plano pragmático a incidência. 85 O descumprimento de um enunciado prescritivo ou consiste em ilicitude ou em inexistência de norma – ausência de condição lógica-formal ou lógico-semântica para sua efetivação. Na ilicitude há, como visto, uma conduta devida na norma primária e o seu descumprimento como antecedente da norma secundária. No caso da efetivação da sanção ao ilícito implica de certa forma efetividade da norma descumprida.

A indiferença ao enunciado legal denota a sua inexistência do ponto de vista normativo. Esta pode decorrer da ausência de um imperativo lógico formal ou diante de um sem-sentido deôntico. A determinação de existência ou não de norma jurídica será feita no plano pragmático. Aqui, as autoridades do sistema, que pode ser inclusive a pessoa física quando realiza um contrato, irão determinar o direito. É esta efetivação que dá sentido ao texto que veicula norma abstrata e geral. Do ponto de vista normativo, a norma abstrata e geral só vai existir no momento em que o aplicador, intérprete autêntico na visão de Hans KELSEN 86, utilizá-la como fundamento de sua tomada de decisão. Retomando o conceito de norma jurídica, pode-se expressar esta como a significação construída pela autoridade do sistema a partir de enunciados prescritivos sob a forma lógica, dado A, deve-ser C ou nC, deve ser S. Este conceito já se encontra presente na obra de Paulo de Barros CARVALHO. A ênfase que ora se dá é que esta norma em sua dimensão existencial só se manifesta quando aplicada. A separação entre texto e norma é importante, pois graças a ela é possível, dentro do embate pragmático, a determinação do jurídico, máxime diante da utilização das premissas do agir comunicativo que, além de semântico é, também, pragmático.

O controle judicial da atividade estatal será assim plenamente normativo. A ação ou inação do poder público, principalmente quanto aos direitos sociais, pode ser assim plenamente controlada pelo poder judiciário, que é uma das expressões do poder estatal. 87 A inefetividade dos direitos agride a civilidade e a própria função da normatividade, que é estruturar a sociedade a partir de critérios legítimos. Mesmos as ditaduras pautam sua existência no suposto atendimento à legitimidade. É tarefa do profissional do direito buscar a concretização das normas constitucionais, que são basilares para qualquer civilidade. Só assim é possível transformar o purgatório que é a inefetividade, segundo precisa visão de Dante ALIGHIERI, em um lugar tolerável para a convivência humana.

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6. CONSIDERAÇÕES À GUISA DE CONCLUSÃO

1. A centralidade da linguagem se inicia como os sofistas tendo sido interrompida pelo rechaço socrático, mas no final do século XIX e início do século XX reassume o seu papel graças ao trabalho de SAUSSURE, PIERCE, FREGE, HUSSERL e outros. Hans KELSEN é um dos primeiros teóricos a utilizar a teoria da linguagem no campo da ciência do direito.

2. Como a realidade é constituída através da linguagem, o direito não é possível sem ela. O signo lingüístico é a unidade de análise de qualquer sistema de linguagem. A norma jurídica, por sua vez, tem o caráter de signo por funcionar como a unidade mínima de análise do fenômeno jurídico.

3. A estrutura do signo lingüístico normativo, seguindo o modelo de Edmund HUSSERL, é formada pelo suporte físico, a significação e o significado. Manifesta-se o signo de três formas distintas, no caso: ícone, índice e símbolo. Neste último a relação entre o suporte físico e o real é arbitrária, como é a hipótese da palavra. Dessa maneira, sendo as leis veiculadas em palavra o universo jurídico que é constituído a partir dela será simbólico.

4. O texto legal é o suporte físico e se distingue da norma que é produto da interpretação do enunciado prescritivo que se manifesta na forma lógico-formal mínima desta maneira: Deve-ser que ocorrendo "A", então deve-ser "C" ou, não ocorrendo "C", então deve-ser S. Esta estrutura dúplice é a que melhor se coaduna com o fenômeno jurídico, pois retirando a possibilidade da sanção o preceito será religioso, moral etc.

5. A norma jurídica como um todo se manifesta nos três níveis lingüísticos, a saber: o sintático, o semântico e o pragmático.

6. O plano sintático se refere ao aspecto formal da norma sem descer a detalhes referentes ao sentido, ao conteúdo ou ao significado dos termos. Do ponto de vista sintático a norma possui homogeneidade. Sua forma não varia. É sempre a mesma.

7. A distinção entre regra e princípio elaborada por Ronaldo DWORKIN por tomar por lastro a aplicação acaba sendo uma distinção pragmática e não lógico-sintática. Assim, a discussão acerca do aspecto dos princípios não pode ser efetivada no plano lógico-sintático, mas lógico-semântico e lógico-pragmático.

8. Compete ao nível semântico verificar o conteúdo dos textos. É o campo do sentido. Verifica-se, no semântico, a conduta e as formas de modalizá-las. Os modais deônticos são três: o vedado (ou proibido), o permitido e o obrigado (VPO). O facultativo, por se tratar de uma permissão bilateral – permitido fazer e permitido não fazer (Pp.P-p) –, acaba sendo uma forma de manifestação da permissão. No antecedente da norma há a descrição de fato de possível ocorrência e no conseqüente ou preceito da norma uma determinação de como a conduta deve atuar.

9. O deôntico – mundo do dever-ser – só atua no aspecto ôntico do possível. Desta forma é um sem-sentido deôntico estipular-se o impossível ou o necessário. O sem-sentido deôntico (ou contra-sentido deôntico) pode manifestar-se na modalidade natural ou social. Neste caso a previsão jurídica pode ser sem-sentido deôntico por ser impossível naturalmente ou socialmente. Aqui não haverá norma, malgrado possa ser formulada sob a forma lógica de norma.

10. A discricionariedade, por ser uma faculdade (Pp.P-p) ou uma permissão (Pp) encontra-se no conseqüente da norma e não no conseqüente devendo este atuar ser controlado judicialmente.

11. A aplicação do direito sempre terá um conteúdo volitivo. Isto não implica, entretanto em arbitrariedade, pois é exigência do Estado Democrático de Direito a justificação da autoridade ao construir uma norma jurídica.

12. Os conceitos (ou termos) jurídicos indeterminados são densificados no momento da aplicação. O controle também deve ser possível sob pena de legitimar o arbítrio.

13. Os princípios são pedras angulares das normas, compõem-na, mas não são normas. Muitas vezes manifestam-se como valor e outras vezes como limite objetivo. Deve sempre nortear a produção normativa sob pena de fazer ruir o edifício jurídico, máxime quando se tratar de prestação positiva do Estado, nos casos dos direitos sociais.

14. Não existe diferença lógico-formal entre os direitos civis e os direitos sociais. A diferença é apenas semântica. Esta diferença não pode ser óbice a sua efetividade. Acrescente-se. A interpretação/aplicação dos direitos sociais é uma questão lógica, pois ela se verifica no plano pragmático e este pressupõe o semântico e o sintático.

15. O problema de reserva do possível é uma questão semântica que deve ser vista com base nos princípios cardeais na Constituição. Nossa carta não elegeu o pagamento de juros da dívida como objetivo, mas a erradicação da pobreza, a justiça social, o fim das desigualdades, etc. Ademais, a Constituição Federal estabelece em vários dispositivos guias para a atuação do aplicador. Estes guias são vetores obrigatórios, não são conselhos.

16. Vê-se traço do reconhecimento da faceta pragmática em teóricos de vários matizes. É o caso de Hans KELSEN, Lourival VILANOVA, Paulo de Barros CARVALHO, Gabriel IVO, Andreas Joachim KRELL, Marcos Bernardes de MELLO, dentre outros. Só há normatividade plena quando o fenômeno normativo se manifesta nos três planos.

17. Um dos problemas da baixa efetividade da Constituição Federal decorre da baixa compreensão do texto constitucional. Isto gera a idéia de prevalência dos códigos frente à Constituição, a utilização de métodos e conceitos antiquados, a equiparação entre texto legal e norma, vigência e validade etc. A indiferença ao enunciado legal deverá ser visto como ilícito, logo sancionada pelo poder público. Esta interferência não pode ser entendida como ingerência em outro poder já que a existência da divisão de poderes foi posto no sentido de realizar a liberdade humana, não podendo ser invocada para impedir justamente a efetivação dos direitos fundamentais.

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Sobre o autor
Beclaute Oliveira Silva

Doutor em Direito (UFPE). Mestre em Direito (UFAL). Professor da FDA/UFAL. Membro do IBDP e da ABDPC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Beclaute Oliveira. Dimensões da linguagem e a efetividade dos direitos fundamentais.: Uma abordagem lógica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1186, 30 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8990. Acesso em: 16 nov. 2024.

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