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Considerações relativas à exigência de inscrição ou registro dos licitantes em conselhos profissionais

04/10/2006 às 00:00
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A inscrição ou o registro na entidade profissional competente só pode ser exigido quando a profissão ou atividade econômica exercida pelo futuro contratado estiver regulamentada por lei em sentido estrito.

          Grande parte das impugnações, recursos administrativos e mandados de segurança aviados por licitantes tem por finalidade questionar exigências de habilitação e de qualificação dos interessados previstas nos editais, afinal é nessa parte dos instrumentos convocatórios que a Administração Pública fixa as condições mínimas que os concorrentes devem satisfazer para contratar com o Estado. Não atendida alguma das exigências, estará o licitante alijado do certame.

          Ocorre que freqüentemente os órgãos e entidades que integram a Administração Pública cometem ilegalidades ao estabelecer esses requisitos, o que acarreta atrasos na conclusão dos procedimentos licitatórios em virtude de medidas extrajudiciais e judiciais tomadas pelos interessados, que, algumas vezes, culminam inclusive na declaração de nulidade das concorrências pelo Poder Judiciário ou pela própria Administração.

          Acreditamos que na maioria dos casos as discutidas exigências são inseridas com o objetivo de garantir a melhor contratação para o Poder Público, e decorrem da falta de conhecimento das normas legais pertinentes ao tema ou de sua interpretação equivocada.

          Destarte, a matéria deve ser tratada com cuidado pelos agentes responsáveis pelas licitações, especialmente por aqueles aos quais compete a redação dos editais, a fim de não retardar a execução das atividades da Administração Pública e, conseqüentemente, a busca pelo interesse coletivo, que é o fim último do Estado.

          Na presente análise, iremos nos ater às questões que envolvem a previsão contida no inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.666/93, que autoriza o órgão ou entidade licitante a exigir, para fins de qualificação técnica dos interessados, "registro ou inscrição na entidade profissional competente".

          Segundo as normas contidas nos artigos 5º, XIII, e 170, parágrafo único, ambos da Constituição Federal de 1988, o exercício de profissões e de atividades econômicas, via de regra, é livre.

          Todavia, há profissões e atividades econômicas cujo exercício está regulamentado por lei, como ocorre nos casos da advocacia (Lei nº 8.906/94), da administração de empresas (Lei nº 4.769/65) e da engenharia e da arquitetura (Lei nº 5.194/66), dentre outras. Nesses casos, o exercício não é totalmente livre, devendo se amoldar às normas previstas na legislação de regência.

          Quem fiscaliza o cumprimento da regulamentação contida nas referidas normas de regência pelos profissionais e empresas são os chamados conselhos fiscalizadores das profissões, que são entidades dotadas de personalidade jurídica de direito público, criadas sob a forma de autarquias [1]. A título exemplificativo, citamos os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, os Conselhos Regionais de Administração – CRA’s e os Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CREA’s, dentre tantos outros.

          As referidas entidades, no exercício do poder de polícia, além de dar concretude às disposições legais, através da edição de atos normativos, promovem a inscrição dos profissionais e o registro de empresas do ramo em seus quadros, desde que cumpram as exigências legais e regulamentares para tanto.

          Destarte, como leciona o renomado Marçal Justen Filho [2], reputamos relevante destacar que o registro ou inscrição somente pode ser exigido naqueles casos em que a profissão ou atividade exercida pelo licitante se encontrar regulamentada através de lei em sentido estrito.

          Para as empresas e profissionais cuja atividade se encontrar destituída de normatização em lei própria, não havendo, portanto, entidade fiscalizadora, não é legítimo incluir a exigência de registro ou inscrição nos editais de licitação.

          Cabe também consignar que já é cediço no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça que o registro ou a inscrição devem ser efetuados no conselho competente para fiscalização da atividade básica ou preponderante desenvolvida pela empresa ou profissional.

          O entendimento decorre da literalidade do artigo 1º da Lei nº 6.839, de 30.10.1980, que assim prescreve:

          "Art. 1º O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros."

          Nesse sentido, colhem-se inúmeros acórdãos:

          "(...) 2. A empresa que comercializa extintores de incêndio não está obrigada a manter registro no CRQ - Conselho Regional de Química, especialmente quando já o tem perante o CREA - Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura e Agronomia.

          3. A dupla inscrição não é exigida por norma legal. A atividade básica desenvolvida pela empresa é que determina a que Conselho Profissional deve se vincular (Lei 6.839/80, art. 1º)."

[3]

          "ADMINISTRATIVO - CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA - USINA DE AÇÚCAR E ÁLCOOL: INSCRIÇÃO DESNECESSÁRIA.

          1. A jurisprudência, em matéria de inscrição das empresas nos Conselhos Profissionais, tem entendimento sedimentado no sentido da preponderância da atividade.

          2. Usina de açúcar e álcool, mesmo que tenha nos seus quadros engenheiro, não está obrigada a inscrever-se, se não desenvolve atividade típica de engenharia." [4]

          A orientação jurisprudencial visa, inclusive, conter abusos praticados por alguns conselhos profissionais, como registrou a ilustre Ministra Eliana Calmon no julgamento do Recuso Especial nº 496.149/RJ (DJU 15.08.2005):

          "Em matéria de fiscalização das profissões pelos conselhos profissionais, teceu a jurisprudência um longo caminho para impedir abusos e até extorsões por parte das entidades que, sob o pálio da fiscalização, em verdade escondem uma sanha arrecadatória. Assim, considerou que o conselho competente para fiscalizar, quanto às profissões com abrangência de atribuições, seria estabelecido pela atividade preponderante."

          Porém, vale ressaltar que não cabe aos órgãos e entidades que promovem os procedimentos licitatórios definir em qual conselho profissional deverão estar registrados ou inscritos os licitantes. A discussão dessa questão, ao nosso juízo, envolve apenas as entidades de fiscalização e as empresas e profissionais do ramo.

          Nessa toada, ou a Administração, antes de instaurar o procedimento, efetua pesquisa junto aos conselhos profissionais e aos licitantes a fim de identificar em qual entidade fiscalizadora deverão estar inscritos ou registrados os interessados, ou insere no edital exigência genérica, exatamente nos termos da lei: "registro ou inscrição na entidade profissional competente". Entendemos que a segunda opção é a melhor, pois, como já dito, a definição do conselho competente não cabe aos órgãos licitantes. Além disso, evita-se a inserção de exigência incompatível, o que poderia levar a uma licitação deserta.

          Não consideramos legítima a substituição da exigência de inscrição nos conselhos profissionais por filiação a associações locais, regionais ou nacionais de produtores, fornecedores, distribuidores ou prestadores de serviço.

          A uma, diante da total ausência de previsão legal para tanto, sendo salutar destacar que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União é uníssona ao vedar "para efeito de habilitação dos interessados, exigências que excedam os limites fixados nos arts. 27 a 33 da Lei nº 8.666/93" [5].

          A duas, porque a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XX, veda a compulsoriedade de associação.

          A três, porque previsão editalícia nesses termos constituiria estabelecimento de preferência entre os licitantes em razão de circunstância irrelevante, o que é vedado pelo inciso I do §1º do artigo 3º da Lei nº 8.666/93.

          Outro ponto que merece destaque é a impossibilidade de se exigir que o licitante esteja inscrito no conselho profissional do local em que se realizará a licitação ou da localidade em que será executado o contrato. Por exemplo, incluir como requisito para habilitação que a empresa esteja registrada no Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Espírito Santo ou no Conselho Regional de Nutrição de Minas Gerais, quando o serviço objeto do certame for prestado nesse ou naquele estado.

          Ora, empresas com sede em outras unidades da Federação e profissionais domiciliados em outros Estados, por óbvio, estarão registradas e inscritos nos conselhos de seu local de origem, e não na entidade do lugar em que será realizado o certame ou executado o contrato.

          Assim, exigir a inscrição no conselho do local da licitação ou do contrato constituiria restrição ao caráter competitivo da licitação, bem como ofensa à norma contida no inciso I do §1º do artigo 3º da Lei nº 8.666/93, aqui já citada, que também veda aos agentes públicos "admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos convocatórios, cláusulas ou condições que.. estabeleçam preferências ou distinções em razão da sede ou domicílio dos licitantes".

          Nos termos da prescrição legal, que constitui desdobramento do princípio da isonomia, a qualquer empresa ou profissional brasileiro deve ser permitido participar, em regime de igualdade, de procedimentos licitatórios realizados em todo o território nacional.

          Sobre o tema, voltam à baila as lições de Marçal Justen Filho, que nos ensina que "é proibida a distinção fundada exclusivamente na sede, domicílio ou naturalidade dos licitantes", e que a regra apanha também a "discriminação velada ou indireta" [6].

          Ainda que as leis e regulamentos que normatizam o exercício das profissões exijam inscrição das empresas no conselho profissional de sua sede e dos locais em que atuar, consideramos que, para fins de licitação, diante das normas da Lei nº 8.666/93, exigências dessa natureza não possuem qualquer validade.

          Especificamente em relação ao CREA, a Corte Máxima de Contas, ao proferir a Decisão nº 434/93 nos autos da Tomada de Contas nº 005.519/92-0, considerou desnecessário o registro do licitante na entidade do local em que se realizaria a obra.

          Tratava-se de denúncia apresentada pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Acre – CREA/AC relacionada a certame licitatório realizado para construção da sede da Justiça Federal daquele Estado. No caso, a empresa que se sagrou vencedora, sediada em Sete Lagoas/MG, era registrada somente no CREA de Minas Gerais. A entidade denunciante se baseava na Lei nº 5.194/66, que regulamenta as profissões de engenheiro e arquiteto, cujo artigo 69 determina que somente poderão participar de licitações empresas e profissionais que apresentem "prova de quitação de débito ou visto do Conselho Regional da jurisdição onde a obra, o serviço técnico ou projeto deva ser executado".

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          Ao analisar caso, o TCU entendeu que a previsão legal era protecionista e havia sido revogada pelo Decreto-lei nº 2.300/86, vigente à época:

          "...o Decreto-lei nº 2.300/86, sob cujo império se efetivou a licitação, dispôs, em seu art. 25, II, que ‘para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a... capacidade técnica...". Tal Documentação consiste, simplesmente, no ‘registro ou inscrição na entidade profissional competente’, conforme disposição contida no citado dispositivo legal. Frente, pois, este Plenário a uma questão em que a uma Lei Especial se sucede uma Lei Geral regulando a mesma matéria. É sabido que se a uma Lei Geral se sucede uma Especial, normalmente, aquela continua a vigir, visto que pode coexistir com a outra. Já o contrário é muito duvidoso. Neste passo, como concluiu o analista informante, o art. 69 da Lei nº 5.194/69 parece ter sido revogado pelos dispositivos citados do Decreto-lei nº 2.300/86. É de notar, por outro lado, que abrogação tácita não resulta, apenas, de incompatibilidade entre dois dispositivos legais: opera-se, também, quanto uma Lei nova regula toda a matéria disciplinada pela Lei anterior. Deduz-se, portanto, no caso, a vontade do legislador de liquidar o passado, estabelecendo um novo ordenamento completo e autônomo, ou seja, um reordenamento jurídico que não tolera desvios de leis precedentes. O Decreto-lei nº 2.300/86 criou, à época, um ordenamento jurídico completo em matéria de licitação e contrato, como agora, novamente, o faz a Lei nº 8.666/93."

          Outra ilegalidade consiste na exigência de apresentação de comprovante de quitação junto à entidade fiscalizadora.

          Primeiramente, porque não há previsão legal para essa imposição, mas tão somente para o registro ou inscrição no conselho profissional.

          Ainda, a finalidade da exigência legal, ao nosso juízo, é garantir que a Administração contrate somente empresas ou profissionais idôneos e aptos a executar o objeto licitado, e o pagamento das contribuições junto às entidades profissionais, ao nosso sentir, não interfere na aptidão ou idoneidade da futura contratada, sendo irrelevante para a Administração Pública estar ou não a mesma quite com o conselho fiscalizador. Vale lembrar novamente o inciso I do §1º do artigo 3º da Lei nº 8.666/93, que proíbe incluir nos atos de convocação condições impertinentes para a execução do objeto do contrato.

          E mais, a prática vem sendo rechaçada pelo Tribunal de Contas da União, conforme decisões abaixo transcritas:

          "...suprimir exigência de cópia da quitação da última anuidade junto ao Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA), prevista no item 4.1.4, alínea "a". do edital, a qual se encontra em desacordo com o artigo 30, inciso I, da Lei nº 8.666/93..."

[7]

          "...determinar à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) que deixe de incluir, nos atos convocatórios da licitação, cláusulas restritivas ao caráter competitivo dos certames, a exemplo da exigência de quitação perante a entidade profissional competente, atendo-se apenas à documentação indicada nos arts. 28, 29, 30 e 31 da Lei nº 8.666/93" [8]

          Cabe também registrar que reputamos que a cobrança das contribuições cabe aos conselhos fiscalizadores, e não aos órgãos públicos que promovem os certames, não sendo lícito utilizar os procedimentos licitatórios como forma indireta de exigência dos referidos tributos. Para tanto, devem as entidades valer-se dos procedimentos administrativos e judiciais cabíveis.

          Sem pretensão de esgotar o assunto, são esses os pontos que entendemos mais relevantes em relação ao tema aqui tratado e, após a presente análise, podemos chegar às seguintes conclusões:

  1. a inscrição ou o registro na entidade profissional competente só pode ser exigido quando a profissão ou atividade econômica exercida pelo futuro contratado estiver regulamentada por lei em sentido estrito e, conseqüentemente, houver conselho responsável pela fiscalização de seu exercício;
  2. o critério para definição do conselho profissional em que devem estar inscritos ou registrados os concorrentes é a atividade básica por eles exercida;
  3. a definição da entidade profissional competente para registro ou inscrição dos licitantes não cabe aos órgãos que promovem as licitações;
  4. não é legítima a exigência de filiação a associações de fornecedores, produtores, distribuidores ou de qualquer outra natureza para fins de qualificação técnica dos interessados em procedimentos licitatórios;
  5. é ilícito exigir que os licitantes estejam inscritos no conselho profissional do local em que se realizará a licitação ou da localidade em que será executado o contrato;
  6. não há previsão legal para se exigir dos concorrentes comprovante de quitação do pagamento de contribuições ou anuidades devidas à entidade profissional competente.

          Finalmente, esperamos que nossas considerações sejam úteis para o aprimoramento dos procedimentos licitatórios em todas as esferas de governo, e contribuam para a correta interpretação do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.666/93 pelos membros das comissões de licitação e demais agentes responsáveis pela condução dos certames.


NOTAS

  1. Registre-se que a norma contida no §2º do artigo 58 da Lei nº 9.694, de 27.05.1998, que dispunha serem os conselhos profissionais pessoas jurídicas de direito privado, foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.717/DF (DJ 28.03.2003).
  2. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11. ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 323.
  3. STJ, 1ª Turma, REsp. nº 652.032/AL, Rel. Min. José Delgado, DJ 01.02.2005.
  4. STJ, 2ª Turma, REsp. nº 180.660/RN, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 08.03.2000.
  5. TCU, Plenário, Acórdão nº 808/2003, Processo nº TC 002.145/2003-1.
  6. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11. ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 63.
  7. TCU, Plenário, Acórdão nº 1.708/2003, Processo nº 001.002/2003-4.
  8. TCU, Plenário, Decisão nº 1.025/2001Processo nº 003.577/2001-5.
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Sobre o autor
Robespierre Foureaux Alves

procurador do Estado do Espírito Santo, advogado em Vitória (ES), professor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Robespierre Foureaux. Considerações relativas à exigência de inscrição ou registro dos licitantes em conselhos profissionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1190, 4 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9007. Acesso em: 26 abr. 2024.

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