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Aspectos de validade e constitucionalidade da emenda constitucional

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07/10/2006 às 00:00
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4. ASPECTOS DE VALIDADE

Não entraremos aqui na seara da declaração de inconstitucionalidade de uma determinada norma, e nem do controle de constitucionalidade interno ou externo, sob pena de nos desviarmos do tema a que nos propomos abordar. Cabe dizer que uma vez promulgada e publicada, até que os tribunais se pronunciem em contrário, todo ato normativo é valido, executável e obrigatório. Há uma presunção juris tantum de que a norma é apta a produzir todos os seus efeitos jurídicos próprios. [71]

Para Alfredo Buzaid [72] "toda norma adversa à Constituição é absolutamente nula. A eiva de inconstitucionalidade a atinge no berço, fere ab initio. Ele nem chegou a viver. Nasceu morta. Não teve, pois, nenhum único momento de validade". A mesma posição sustentava Ruy Barbosa [73].

O art. 37, caput determina que todos os atos da administração pública devem ser pautados pelo princípio da legalidade, incluindo-se neste conceito, por óbvio, a constitucionalidade. Assim, temos que o legislador ao promulgar texto em desacordo com preceitos constitucionais viola o princípio primordial da administração pública, pois a Constituição ao impor uma séria de restrições ao poder reformador restringe a atuação do legislador, que fica vinculado à observação do dispositivo constitucional.

Destarte, deve-se considerar inconstitucional o ato promulgatório de um procedimento que não respeitou o devido processo legislativo, ou que não respeitou as limitações materiais impostas pelo constituinte originário.

Em relação à segunda situação cabe uma ressalva. Tomemos a hipótese de num mesmo texto reformador encontrarmos partes que respeitem os limites materiais, e partes que não. Nestes casos é razoável analisar se, eliminando-se a parte que viola a Constituição, o texto não fica descaracterizado. Ou seja, em sendo possível ‘salvar’ o texto, deve-se considerar nula somente a parte que afronte as restrições constitucionais, permitindo vida e validade ao restante da norma.

A prudência deve sempre pautar o caminho dos intérpretes ao se analisar possível inconstitucionalidade de um texto. Deve-se procurar sempre manter a norma no ordenamento jurídico tendo como fundamento os princípios da economia, da segurança jurídica e da presunção de constitucionalidade adquirida com a promulgação. Parte-se da idéia de que a inconstitucionalidade da norma dará lugar a um vazio legislativo, que poderá produzir sérios danos no ordenamento jurídico. Portanto, procura-se evitar a decretação de nulidade do texto normativo pelos possíveis inconvenientes que podem surgir, pois a interrupção brusca da vigência da norma poderia gerar um vazio normativo. [74]

4.1 Presunção de validade

Quanto à presunção de validade das normas promulgadas, devemos nos fazer a seguinte pergunta: todo ato normativo goza de presunção de validade? Definamos antes o que é validade. Pode-se dizer que por validade se entende a existência juridicamente qualificada. É válida aquela norma que se encontra dentro do ordenamento jurídico; e tal ingresso ocorre quando a norma respeita aquelas que lhe são superiores.

A princípio, todo ato normativo goza de presunção de validade. A promulgação do juízo sancionatório no processo legislativo ordinário já presume a regularidade formal e material do ato normativo. É importante lembrar que, inobstante no processo de reforma constitucional não existir tal referenda, a promulgação dá esta presunção ao texto reformador.

Porém, não se pode tomar tal presunção como absoluta. Há que se estabelecer parâmetros mínimos para que haja uma presunção. Parece-nos razoável exigir uma constitucionalidade formal para admitir a presunção de validade de determinado ato normativo. E o que seria este aspecto formal? Previsão do processo utilizado e da autoridade produtora. Não se chega a verificar se o processo foi o adequado, ou se a autoridade a competente, pois aí se estaria efetuando um juízo completo e final da validade do ato, não havendo qualquer necessidade de se falar em presunção a esta altura.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fim de tornar este trabalho mais completo seria necessário incluir um capítulo relativo ao controle de constitucionalidade, tanto o jurisdicional como o interno; porém, em razão das limitações inerentes a este tipo de trabalho, achamos por bem deixar isto para uma outra oportunidade.

Quanto à legitimação popular referida no final do capítulo 1, teceremos mais algumas considerações.

A legitimação popular por meio de referendo proposta pelo professor Paulo Bonavides tem um desdobramento importantíssimo. Uma legitimação feita pelo próprio povo, que é o detentor do Poder Constituinte originário, tem o poder de convalidar quaisquer vícios que eventualmente existam, sejam eles formais ou mesmo materiais. O professor Bonavides ainda ressalta que, em razão deste poder, qualquer norma referendada pela população, o soberano, não está sujeita a sofrer apreciação de sua constitucionalidade ou legalidade pelo STF. Uma vez legitimada pelo Poder Maior não há que se falar em inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma aprovada.

É importante frisar que tal método de legitimação popular ainda precisaria ser regulamentado por meio de lei complementar. É certo que se deve dar especial atenção ao quorum popular para que o referendo atinja seu objetivo. Será que se somente uma pequena parcela dos eleitores se manifestasse (o que seria equivalente a uma maioria simples nas casas legislativas) a votação teria poder de legitimar a alteração constitucional? Este e outros fatores devem ser levados em consideração pelo legislador a fim de não se criar uma crise constitucional.

Por fim, cabe informar que não nos alinhamos à tese defendida na obra do professor Manoel Gonçalves de que a atual Constituição Federal teria sido elaborada por um poder constituinte derivado, e não originário. Neste ponto, consideramos mais acertada e coerente a posição defendida por José Afonso [75] de que a Emenda Constitucional 26/85 foi na verdade um ato revolucionário revestido da forma de emenda constitucional, pois nem sua função, nem seu conteúdo, nem as conseqüências de sua aplicação são de emenda constitucional. Inobstante as críticas que se possam tecer quanto ao método de convocação, os mandatários ali reunidos formaram um órgão de natureza constituinte.


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NOTAS

01 José Afonso da Silva, Poder constituinte e poder popular, p. 237.

02 Friedrich Müller, O significado teórico de ‘constitucionalidade/inconstitucionalidade’ e as dimensões temporais da declaração de inconstitucionalidade de leis no direito alemão, palestra promovida pela Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro em 19 de Setembro de 2002.

03 Cf. Michel Temer, Elementos de direito constitucional, p. 34.

04 José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 65.

05 Apenas aparente, pois não há norma constitucional inconstitucional, como defendemos adiante.

06 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 61.

07 Sahid Maluf, Teoria geral do estado, p. 183.

08 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 61-62 e 71.

09 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 72.

10 Cf. Michel Temer, op. cit., p. 34.

11 Todas as referências legislativas são à Constituição Federal de 1988, exceto quando houver indicação em contrário.

12 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 824-825.

13 Art. 3º ADCT. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.

14 A não ser que seja determinada nova revisão por meio de emenda constitucional, ou consulta popular, como defendeu Celso Ribeiro de Bastos (in: A reforma da constituição: em defesa da revisão constitucional). Michel Temer (in: Revisão constitucional? Constituinte?) rejeita a possibilidade de se efetuar uma nova revisão por meio de emenda constitucional, pois se estaria criando um quarto Poder (o constituinte de revisão) não previsto na Constituição, o que seria uma afronta ao princípio petrificado da separação dos Poderes; mas entende que seria legítimo fazê-lo por meio de consulta popular.

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15 José Afonso da Silva apud Michel Temer, op. cit., p. 37.

16 Cf. Michel Temer, Elementos de direito constitucional, p. 37.

17 Geraldo Ataliba e Paulo Bonavides, apud Michel Temer, op. cit., p. 37.

18 Cf. Michel Temer, op. cit., p. 144.

19 Cf. Michel Temer, op. cit., p. 144-145.

20 Cf. Paulo Bonavides, A constituição aberta, p. 278-280.

21 Celso Ribeiro Bastos, op. cit..

22 Emmanuel Joseph Sieyès, A constituinte burguesa, p. 51.

23 Emmanuel Joseph Sieyès, op. cit., p. 51.

24 Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, Comentários à constituição de 10 de novembro, p. 218 apud Celso Ribeiro Bastos, op. cit..

25 Emmanuel Joseph Sieyès, op. cit., p. 48-49.

26 Celso Ribeiro Bastos, op. cit..

27 Emmanuel Joseph Sieyès, op. cit., p. 48.

28 Jean-Jacques Rousseau, O contrato social, p. 24.

29 Celso Ribeiro Bastos, op. cit..

30 Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, O poder constituinte, p.184-190.

31 Tal regra jamais foi utilizada desde que foi criada sua previsão já na Carta de 1891.

32 José Afonso da Silva, op. cit., p. 63-64.

33 Cf. Jean-Jacques Rousseau, op. cit., p. 23-25.

34 Para tanto devem ser observados os requisitos do art. 61, §2º.

35 É necessário, assim como para apresentar o PEC, a assinatura de 1/3 dos membros da Casa para se apresentar uma emenda ao projeto (art. 356, parágrafo único RISF; art. 202, §3º RICD).

36 Este procedimento se aplica tanto às propostas que se originam na própria Casa, como àquelas que vêm ou retornam com emendas da outra Casa.

37 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 993.

38 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p.233.

39 Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, Comentários à constituição de 1967, t. 3. p. 177 apud Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p.249-250.

40 Cf. Michel Temer, op. cit., p. 146; José Afonso da Silva, op. cit., p. 526-527.

41 Konrad Hesse, A força normativa da constituição, p.21.

42 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 232 apud Liliane Roriz, Conflito entre normas constitucionais, p. 41-42.

43 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 232.

44Apud Paulo Bonavides, op. cit., p.217.

45 Herzog & Schick, Verfassungsrecht, p. 236 apud Paulo Bonavides, op. cit., p. 216.

46Apud Paulo Bonavides, op. cit., p.218.

47 Firedrich Müller, Die enheit der verfassung, p. 134 apud Paulo Bonavides, op. cit., p. 219.

48 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 241-242 apud Paulo Bonavides, op. cit., p. 218.

49 Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, t. II, v. I, p. 583-586 apud Paulo Bonavides, op. cit., p. 218-219.

50 Hans Kelsen, Wesen ünd entwicklung der staatsgerichtsbarkeit (auszüge), apud Paulo Bonavides, op. cit., p. 227-228.

51 Paulo Bonavides, op. cit., p. 228.

52 Nèstor Pedro Sagüés, La interpretación de la constitución (poder judicial versus poder constituyente), p. 116-117 apud Paulo Bonavides, op. cit., p. 226.

53 Paulo Bonavides, op. cit., p. 231.

54 O Regimento Interno é produzido por meio de resolução, uma espécie normativa portanto.

55 Canotilho defende posição menos abrangente, incluindo não qualquer vício de formalidade, mas apenas os casos de falta de competência do órgão – abrangendo aí desrespeito a limitação temporal e de quorum –, e em que o texto revisor não indique, taxativa e expressamente as alterações a introduzir no texto constitucional (in: op. cit., p. 1002-1004).

56 Manoel Gonçalves entende não haver qualquer limitação dita implícita; ou existe a limitação e está explícita, ou inexiste (in: op. cit., p. 292).

57 José Afonso da Silva, op. cit., p. 67.

58 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p. 292.

59 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, O poder constituinte, p. 177.

60 Carl Schmitt, Teoría de la constitución, apud Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p.177-178.

61 Nelson de Sousa Sampaio, O poder de reforma constitucional, p. 95 e ss. e ‘Apêndice’, p. 129-130 apud José Afonso da Silva, op. cit., p. 68 e Poder constituinte e poder popular, p. 245-246.

62 Cf. Michel Temer, op. cit., p. 145.

63 Cf. José Afonso da Silva; Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

64 A Assembléia Constituinte de 1987/88 foi convocada pela Emenda Constitucional nº 26.

65 Constituições francesa de 1958 e espanhola de 1977/78.

66 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 989.

67 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 996-998.

68 Cf. Cármen Lúcia Antunes Rocha, República e federação no Brasil, p. 88-89 apud José Afonso da Silva, Poder constituinte e poder popular, p. 246.

69 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 878-887.

70Apud José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 878-887.

71 Cf. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 526.

72Apud José Afonso da Silva, op. cit., p. 52-53.

73 Cf. Ruy Barbosa, A constituição e os atos inconstitucionais, p. 49 apud José Afonso da Silva, op. cit., p. 52-53.

74 Cf. Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e interpretação constitucional, p. 268.

75 José Afonso da Silva, Poder constituinte e poder popular, p. 78-81.

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Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. Aspectos de validade e constitucionalidade da emenda constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1193, 7 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9016. Acesso em: 24 abr. 2024.

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