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Questões fundamentais de defesa do acusado em sindicância ou processo administrativo disciplinar no regime da Lei nº 8.112/90

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4. Indiciação.

            A Lei 8.112/90 estatui o seguinte:

            "Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas."

            Depois de encerrada a produção de provas, a comissão processante apreciará os elementos hauridos nos autos e, se concluir pela culpabilidade do servidor, deverá elaborar peça acusatória intitulada indiciação (art. 161, caput, L. 8.112/90), a qual deve ser fundamentada, estritamente, na objetiva, lógica e imparcial análise do conteúdo probatório do feito, com a descrição dos fatos e meios instrutórios que respaldam as conclusões pelo cometimento de infração disciplinar, seguida do devido enquadramento dentro das hipóteses legalmente descritas. É nesse momento que o quadro fático amparador das teses acusatórias deve ser explicitado, para ciência do servidor. É nula peça indiciatória que não contém a exposição dos fatos, das provas e respectiva tipificação legal, por cerceamento de defesa.

            A ausência de termo de indiciação implica nulidade insanável no processo administrativo disciplinar.

            Endossa José Armando da Costa:

            "O despacho de instrução e indiciação, articulando os fatos e as provas contra o indiciado, estabelece os limites possíveis de sua condenação. De modo que nem a comissão poderá extravasar do contexto das acusações articuladas, nessa peça formal indiciatória, contra o servidor imputado. Se o servidor indiciado deve direcionar o seu esforço de defesa ao derredor das acusações que lhe são feitas no despacho de instrução e indiciação, não será legítimo o julgamento da autoridade que o condene por fato não previsto em tal instrumento de conclusão indiciatória. Podemos, por conseguinte, elucidar que é nulo o processo disciplinar que contenha condenação que se funde em fato não sintetizado nessa peça acusatória". (6)


5. Defesa escrita

            O servidor indiciado terá dez dias para apresentação de razões escritas de defesa, salvo se houver mais de um acusado, hipótese em que o prazo será dobrado (art. 161, §§ 1º e 2º, L. 8.112/90), contando-se do primeiro dia útil seguinte ao do recebimento do mandado expedido pelo presidente da comissão (art. 238, L. 8.112/90), ou da última publicação do edital no Diário Oficial da União ou em jornal de grande circulação local (art. 163, par. único, L. 8.112/90).

            O acusado poderá requerer o sobrestamento do prazo de defesa para a produção de novas provas, em face do teor da peça de indiciação, as quais deverão ser deferidas pelo presidente da comissão, salvo se forem protelatórias, impertinentes ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos

(art. 156, § 1º, L. 8.112/90), sob pena de cerceamento de defesa no caso de indeferimento injustificado.

            Os argumentos de defesa devem ser apreciados devidamente e confrontados com as provas dos autos (art. 38, § 1°, L. 9.784/99), sem margem para conclusões alheias ao estrito conteúdo processual. O servidor que, citado, deixar de apresentar defesa no prazo legal (revelia), deverá ter nomeado defensor dativo para o oferecimento de razões escritas.


6. Relatório.

            No relatório, a comissão processante deve retratar fielmente o teor das provas colhidas, as teses acusatórias e os argumentos de defesa, apontando a existência de circunstâncias atenuantes em favor do acusado, além da natureza e gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público e os antecedentes funcionais (art. 128, L. 8.112/90). O colegiado deve concluir pela responsabilidade ou inocência do servidor processado e os dispositivos legais supostamente violados, remetendo os autos para julgamento.

            Não podem ser articuladas acusações de fatos novos no relatório, não externadas na indiciação, sob pena de cerceamento de defesa

(Tribunal Regional Federal da 4ª Região, REOMS n° 97.04.62230-9/SC, DJ de 2.8.2000), se não houver oportunidade de pronunciamento do acusado ou seu defensor sobre as novas increpações, antes do julgamento.

            Frisa Sebastião José Lessa:

            "Tem o réu o direito de saber qual é a nova acusação, pois pode defender-se dela e lograr absolvição quanto à nova imputação" (...) na ocorrência da mutatio libelli, o acusado deve ser chamado a defender-se sobre a nova imputação." (7)

            De outra banda, se houver o reenquadramento jurídico das acusações, tem despontado tendência jurisprudencial no sentido de que o indiciado tem, outrossim, o direito de se pronunciar previamente ao julgamento acerca da mudança de teses acusatórias, sob pena de agressão à garantia constitucional do contraditório.

            Consagrou o col. Superior Tribunal de Justiça:

            "O art. 168, "caput" e seu parágrafo único, da Lei nº 8.1123/90, possibilita, tão somente, à autoridade pública discordar, de maneira motivada, da pena sugerida pela comissão. 3. Embora a autoridade administrativa não tenha que acatar a capitulação da infração realizada pelos órgãos e agentes auxiliares, no processo disciplinar, encontra-se vinculada aos fatos apurados e indiciados pela mas, nunca, alterar a indiciação do servidor pela comissão processante, durante a fase de julgamento. Precedentes. 4. Por outro lado, resta comprovado o prejuízo dos Recorrentes, com a "mutatio libelli", haja vista que a imputação do fato segundo o qual agiram no exercício de função pública é circunstância essencial para a tipicidade dos ilícitos administrativos e, conseqüentemente, de aplicação da pena de demissão. 5. O processo administrativo disciplinar encontra-se eivado do vício da inobservância do contraditório e da ampla defesa. 6. Recurso provido." (8)

            Confirma o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (destaque não original):

            "A mudança do enquadramento legal da infração de que o servidor é acusado, na fase de julgamento do processo disciplinar, sem que lhe tenha sido dada nova oportunidade de defesa, implica violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Aplicação analógica do artigo 384 do Código de Processo Penal."

(9)

            Igual é a doutrina de Romeu Felipe Bacellar Filho:

            "No entanto, se a acusação for alterada (nova tipificação ou mudança na graduação da pena), dependendo da análise dos fatos nela contida, será necessária a reabertura da fase probatória. Assim, a fase probatória estende-se tanto à fase legal de instrução como a de defesa." (10)

            O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que, na hipótese de mudança da acusação inicial (no caso concreto embasada na prática de abandono de cargo e inassiduidade habitual), a punição por fato diverso (improbidade administrativa) será nula se não reaberta oportunidade para defesa pertinente (11).

            Há certa tendência em se secundar o antigo entendimento de que "o acusado se defende de fatos, não de enquadramentos jurídicos", na medida em que inúmeras afrontas ao direito de defesa real, efetiva, se acobertavam sob esse expediente dissimulado da Administração Pública, quando, na verdade, a tipificação legal é tão relevante que a própria lei exige que, na indiciação, seja expressamente tipificada a infração disciplinar (art. 161, caput, L. 8.112/90), mesmo porque o contraditório implica se conceda à defesa o repensar das teses e conclusões acusatórias, inclusive sob a ótica da tipificação legal da conduta censurada, na medida em que o confronto de idéias defensórias com os argumentos de acusação tende a permitir o alcance de uma solução processual mais justa e juridicamente correta quando do julgamento.

            Nesse sentido, O Tribunal Regional Federal da 2ª Região estatuiu que "a indiciação de servidor, em processo administrativo disciplinar, sem constar da acusação a indicação das normas legais tidas por infringidas, nos fatos atribuídos ao indiciado, é nula, por violência ao devido processo legal" (12), juízo compartilhado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. (13)

            Destaque-se que o reenquadramento errôneo pode representar a diferença entre uma pena de demissão ou uma singela advertência pelos mesmos fatos (por exemplo art. 116, I, versus art. 117, XV, L. 8.112/90), o que significa não pouco para o acusado, de sorte que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana demanda o respeito ao contraditório sob a ótica da tipificação jurídica da conduta, mesmo porque, até que o servidor consiga um provimento judicial para suspender uma eventual penalidade demissória ou logre decisão administrativa pela procedência de um pedido de reconsideração ou recurso hierárquico junto à Administração Pública, os prejuízos decorrentes de uma interpretação jurídica errônea podem ser irreparáveis para o agente público indiciado e sua família, com a perda do seu cargo público ou a cassação de sua aposentadoria.


7. Julgamento.

            A autoridade julgadora ou o órgão competente têm o dever de motivar a decisão punitiva. Todos os argumentos de defesa devem ser apreciados à luz do teor das provas produzidas. Não se pode tolerar que, depois de fatigante empenho da defesa em carrear aos autos provas da inocência ou menor gravidade da conduta do acusado, o julgador profira uma decisão arbitrária, alheia à lógica e objetiva conclusão decorrente do exame do conteúdo fático-probatório presente no processo administrativo disciplinar ou na sindicância punitiva.

            O julgamento deverá respeitar o princípio constitucional da individualização da pena e da proporcionalidade, conforme tendência jurisprudencial, de maneira que, sendo as circunstâncias do art. 128, da Lei 8.112/90, favoráveis ao acusado, o STJ tem assegurado o direito à conversão da pena de demissão em suspensão.

            Pontificou o Superior Tribunal de Justiça:

            "A substituição da pena disciplinar de demissão pela de suspensão é um direito subjetivo do indiciado, desde que presentes os requisitos subjetivos exigidos na dosimetria da aplicação das penalidades. É passível de controle judicial decisão da autoridade administrativa que adota parecer omisso quanto à existência de circunstâncias atenuantes." (14)

            No mesmo sentido, outros julgados do STJ (ROMS 10316/SP, o MS 7260/DF e o ROMS 10269/BA; DJ de 26/04/1999, p. 128, relator o Min. FERNANDO GONÇALVES, 6ª Turma).

            Se houver a oitiva de órgão jurídico e elaboração de parecer prévio ao ato decisório, o acusado terá direito de se pronunciar sobre conclusões desfavoráveis contra ele lançadas na peça, além de constituir cerceamento de defesa a articulação de fatos, teses acusatórias inovadoras ou enquadramentos jurídicos mais gravosos no opinativo, sem a audição do servidor processado antes do julgamento, segundo orientação do colendo Superior Tribunal de Justiça.

            Se o julgamento se embasar em acusações e teses acusatórias não constantes da indiciação, dar-se-á irreparável violência ao princípio do contraditório e da ampla defesa, que implica a anulação do ato decisório, c

onsoante o juízo do excelso Supremo Tribunal Federal (RMS n° 24.699-DF, julgamento em 30.11.2004) e do eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região (AC 94.01.16951-9/DF, relatora a Desembargadora federal ASSUSETE MAGALHÃES, 2ª Turma, DJ de 6-11-1995, p. 75776).

8. Decretação de nulidades processuais e desfazimento de penalidades aplicadas.

            Se tiver sido desrespeitada garantia procedimental do acusado ou se cometidas irregularidades nos atos instrutórios, os atos processuais respectivos serão nulos, especialmente os de coleta de prova, se ficar comprovado o prejuízo para a defesa, o que ocorrerá sempre que o julgamento se embasar ou proferir conclusão censuradora contra o servidor com fulcro na prova ou ato defeituoso, como, por exemplo, quando a autoridade julgadora atribui o cometimento de ilícito disciplinar pelo processado com fulcro no depoimento de testemunha, cuja audiência foi consumada sem a notificação prévia do acusado ou seu advogado para comparecimento.

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            Ou no caso de perícia, em que se arrimaram os fundamentos da penalidade de demissão, para a qual não se intimou o funcionário ou seu defensor para o oferecimento de quesitos, da mesma forma que o processo em que a citação para defesa contra a indiciação foi procedida por edital, quando o acusado tinha endereço certo registrado na repartição e no qual não houve tentativa de citação do servidor imputado. O mesmo ocorrerá em caso de produção de provas ilícitas contra o acusado.


9. Prescrição intercorrente e retroativa no processo administrativo disciplinar ou na sindicância punitiva

            Apesar de a sindicância ou de o processo administrativo disciplinar terem sido instaurados em princípio tempestivamente, antes do decurso do prazo prescricional sob a referência do tempo desde que foi conhecido o fato pela Administração (art. 142, I a III e § 1º, da Lei 8.112/90), com o efeito conseqüente da interrupção e recontagem, a partir do zero, dos marcos cronológicos para punição decorridos até a data de instauração do procedimento sindicante ou do processo disciplinar (art. 142, § 3º, L. 8.112/90), pode ocorrer a extinção do direito de punir estatal pela excessiva demora da tramitação sem julgamento do feito (prescrição intercorrente).

            É que, na esteira da jurisprudência consagrada dos colendos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, a contagem do lapso prescricional, interrompida com a respectiva abertura, torna a correr novamente após findo o limite temporal para conclusão e julgamento da sindicância e do feito disciplinar (art. 142, § 4º, L. 8.112/90), que é, respectivamente, de 80 (art. 145, par. único, e 167, L. 8.112/90) e 140 dias (art. 152, caput, e 167, L. 8.112/90), e não mais pode haver nova interrupção, nem sequer com a redesignação da mesma ou de novas comissões processantes para apurar os mesmos fatos.

            Assim sendo, em se cuidando de faltas disciplinares que não são classificadas como crimes contra a Administração Pública (15), mas infrações exclusivamente funcionais, uma vez decorridos os prazos capitulados no art. 142, I a III, da L. 8.112/90, após o decurso de 80 ou 140 dias da instauração, conforme se trate, respectivamente, de sindicância ou processo administrativo disciplinar, não mais podem ser impostas penas de demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade ou destituição de cargo ou função comissionados (cinco anos), suspensão (2 anos) ou advertência (180 dias).

            Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consagrou a prescrição retroativa à data de abertura do processo disciplinar ou do procedimento sindicante pelos mesmos marcos cronológicos. Assim sendo, por exemplo, se instaurado processo administrativo disciplinar três anos após o conhecimento da prática de irregularidade funcional que se supunha passível de demissão, considerou-se, aparentemente, não ter ocorrido a prescrição inicial da pretensão punitiva da Administração Pública até a data de julgamento. Mas se o ato decisório resolveu pela imposição de pena de suspensão no caso, em vez da penalidade demissória, verifica-se a modalidade prescricional retroativa à data de instauração do feito, visto que o prazo de dois anos para aplicabilidade dessa sanção (art. 142, II, L. 8.112/90) já havia expirado quando da abertura do processo, ocorrida somente depois de três anos da ciência da irregularidade.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Questões fundamentais de defesa do acusado em sindicância ou processo administrativo disciplinar no regime da Lei nº 8.112/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1202, 16 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9037. Acesso em: 19 dez. 2024.

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