Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o percentual de adultos fumantes no Brasil apresentou uma expressiva queda nas últimas décadas em função das inúmeras ações desenvolvidas pela Política Nacional de Controle do Tabaco. De 1989 a 2010, a redução do percentual de fumantes no Brasil foi de 46%. Há clara correlação da queda de prevalência de fumantes homens e mulheres adultos com as campanhas publicitárias visando o controle do tabaco.
Mas o que isso tem a ver com crime?
Primeiro é preciso distinguir criminalidade organizada de criminalidade comum. Enquanto a criminalidade organizada tem o seu fundamento na lógica do negócio e do ganho, a criminalidade comum decorre da tendência a práticas arriscadas, incluindo o crime. Quanto mais a pessoa se percebe em ambiente de perdas, isto é, onde as suas opções de vida não são solução para o atendimento das suas necessidades humanas, maior é a possibilidade de assumir comportamentos de risco.
Diferenciar criminalidade comum da criminalidade organizada é crucial, muito embora, por incrível que pareça, os dados levantados de homicídios no país, por exemplo, não façam a necessária distinção. Parece óbvio que não se pode igualar o homicídio decorrente de briga interpessoal entre conhecidos, entre outras possibilidades de crime comum, com a bandidagem que mata por uma disputa de ponto para a venda de droga.
Em tese, sem forem alvo de campanhas publicitárias conceitualmente semelhantes àquelas já feitas contra o cigarro, muitos daqueles que tendem aos crimes comuns podem deixar praticá-los.
Isso é loucura, dirão muitos. É verdade, se estiverem se referindo à criminalidade organizada. Para ela a proposta não faz sentido. Quem pratica crime visando o lucro da sua atividade não se deixa levar por cenas ou frases de efeito que, ao contrário, pode sensibilizar quem pratica o crime comum ao perceber, ainda que inconscientemente, que a prática criminosa lhe trará mais prejuízos que soluções. De fato, aquele indivíduo que vivencia situações em que a prática criminosa é uma suposta alternativa de solução para as suas necessidades, normalmente não tem a percepção do quão negativa em termos de perdas pode ser a ação criminosa.
O fumante, embora saiba dos males do cigarro, muitas vezes é levado a deixar de fumar quando campanhas bem-feitas de convencimento são postas em prática. A mesma estratégia pode ser aplicada à criminalidade comum.
Quanto ao crime organizado, a solução continua na atuação policial, muito especialmente de inteligência, muito mais que de confronto.
Campanhas exitosas antitabaco têm foco no ato de fumar, e não no fumante. Não se culpabiliza o fumante, mas o ato de fumar. Já no que se refere à criminalidade, é costume o criminoso ser posto no centro da notícia, e não a criminalidade. Em busca de audiência, nossa TV está recheada de programas com esse perfil. Ter o criminoso no foco das atenções não transmite a quem quer que seja a noção dos prejuízos decorrentes do crime. Ao contrário, o sujeito marginalizado muitas vezes vê na sua exposição pública um certo reconhecimento de status e a certeza de que é alguém que importa ao mundo.
E por que não existem trabalhos dessa natureza em outros países? Pode ser porque a hipótese não tem crédito ou a necessária atenção, mas também pode ser porque a criminalidade nos países que nos acostumamos a copiar modelos de segurança pública é significativamente baixa a ponto de não justificar campanhas dessa natureza. Certo é que, por aqui, há espaço para sermos mais ousados e criativos em nome da paz social que há anos perseguimos.
Seja como for, onde a criminalidade comum é extremamente alta, novas soluções precisam ser tentadas, especialmente quando aquelas baseadas prioritariamente em polícia não surtiram o efeito desejado.