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Alterações da legislação falimentar à luz da Lei nº 14.112/20

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17/05/2021 às 13:10
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4. ALTERAÇÕES QUANTO AO INSTITUTO DA FALÊNCIA

Detalhamento dos objetivos e conceito da falência (art. 75, I a III e §§ 1º e 2º): A partir da reforma, a legislação falimentar estabelece, detalhadamente, os objetivos e o conceito do instituto da falência, destacando que, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa; permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na economia; e fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica (art. 75 I a III). Além disso, o processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual, sem prejuízo do contraditório, da ampla defesa e dos demais princípios previstos no Código de Processo Civil (art. 75 § 1º). Destaca-se que o instituto da falência é mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata do devedor e da rápida realocação útil de ativos na economia (art. 75 § 2º).   

Proibição da extensão da falência ou de seus efeitos aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida (art. 82-A e § único): Fica proibida a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida. Contudo, a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância dos elementos previstos no Código Civil (art. 50 §§ 1º e 2º I a III) e no Código de Processo Civil (arts. 133 a 137), não se suspendendo o processo de falência no caso da instauração do incidente da desconsideração da personalidade jurídica (art. 82-A e § único).

Alteração no rol de créditos concursais na falência (arts. 83 I a IX; e 84 I a V):  Embora a ordem de classificação permaneça a mesma, houve eliminação da classe de credores com privilégio geral e especial, assim considerados em outras normas, pois foram integrados à classe de credores quirografários (art. 83 § 6º); assim como foi incluída a classe de juros vencidos após a decretação da falência (art. 83 IX). Em relação aos créditos subordinados, os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício passam a integrar essa classe somente nos casos em que a contratação não tenha observado as condições estritamente comutativas e as práticas de mercado (art. 83, VIII, b). Sendo assim, a classificação dos créditos na falência obedecerá a seguinte ordem: I – créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho; II – créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado; III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias; IV e V, excluídos e integrados na classe VI; VI – créditos quirografários, a saber: a) aqueles não previstos nos demais incisos; b) saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; e  c) saldos dos créditos derivados da legislação trabalhista que excederem o limite de 150 salários-mínimos;  VII –  multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, incluídas as multas tributárias; VIII – créditos subordinados, a saber: a) os previstos em lei ou em contrato; e b) créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício cuja contratação não tenha observado as condições estritamente comutativas e as práticas de mercado; IX - juros vencidos após a decretação da falência (art. 83 I a IX).  

Alteração no rol de créditos extraconcursais na falência (art. 84 I a V): Os créditos extraconcursais são pagos com precedência sobre os créditos concursais. A reforma da legislação falimentar promoveu alterações no rol de créditos considerados extraconcursais, passando-se a considerar como tais, os seguintes: quantias referentes às despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades da empresa, assim como os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários-mínimos por trabalhador, ambos a serem pagas pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa (art. 150 e 151) (art. 84 I-A); valor efetivamente entregue ao devedor em recuperação judicial pelo financiador (art. 84 I-B); créditos em dinheiro objeto de restituição (art. 84 I-C); remunerações devidas ao administrador judicial e aos seus auxiliares, aos reembolsos devidos a membros do Comitê de Credores, e aos créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência (art. 84 I-D); obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial ou após a decretação da falência (art. 84 I-E); quantias fornecidas à massa falida pelos credores (art. 84 II); despesas com arrecadação, administração, realização do ativo, distribuição do seu produto e custas do processo de falência (art. 84 III); custas judiciais relativas às ações e às execuções em que a massa falida tenha sido vencida (art. 84 IV); tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência (art. 84 V). (art. 84 I a V).

Modalidades de alienação de bens ou realização do ativo na falência (arts. 142 a 145): A alienação de bens ocorrerá por uma das seguintes modalidades: leilão eletrônico, presencial ou híbrido, observando-se as disposições da legislação falimentar (art. 142 § 3º e 3º-A e 3º-B); processo competitivo organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou ao plano de recuperação judicial, conforme o caso; qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos da legislação falimentar (art. 142 I, IV, V). A alienação não dependerá da consolidação do quadro-geral de credores; será realizada independentemente de a conjuntura do mercado no momento da venda ser favorável ou desfavorável, dado o caráter forçado da venda;  devendo ocorrer no prazo máximo de cento e oitenta dias, contado da data da lavratura do auto de arrecadação, no caso de falência; não estará sujeita à aplicação do conceito de preço vil e poderá contar com serviços de terceiros como consultores, corretores e leiloeiros (art. 142 § 2º-A, I a V). Ademais, destaca-se que havendo motivos justificados, o juiz poderá autorizar, mediante requerimento fundamentado do administrador judicial ou do Comitê, modalidades de alienação judicial diversas das previstas na legislação falimentar (art. 144), como também, se restar frustrada a tentativa de venda dos bens da massa falida e não havendo proposta concreta dos credores para assumi-los, os bens poderão ser considerados sem valor de mercado e destinados à doação, e, se não houver interessados na doação, esses bens serão devolvidos ao falido (arts. 144-A e § único). Ainda, os credores poderão adjudicar os bens alienados na falência ou adquiri-los por meio de constituição de sociedade, de fundo ou de outro veículo de investimento, com a participação, se necessária, dos atuais sócios do devedor ou de terceiros, ou mediante conversão de dívida em capital (art. 145).

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Condições de encerramento da falência e hipóteses de extinção das obrigações do falido (arts. 156 a 159-A e § único): Apresentado o relatório final, o juiz encerrará a falência por sentença e ordenará a intimação eletrônica às Fazendas Públicas federal e de todos os Estados, Distrito Federal e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento e determinará a baixa da falida no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), expedido pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (art. 156). A extinção das obrigações do falido ocorrerá nas seguintes hipóteses: a) pagamento de todos os créditos; b) pagamento, após realizado todo o ativo, de mais de 25% dos créditos quirografários, facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir a referida porcentagem se para isso não tiver sido suficiente a integral liquidação do ativo; c) decurso do prazo de três anos, contado da decretação da falência, ressalvada a utilização dos bens arrecadados anteriormente, que serão destinados à liquidação para a satisfação dos credores habilitados ou com pedido de reserva realizado;  d) encerramento da falência em decorrência da apresentação do relatório final do processo pelo administrador judicial (art. 156), ou em virtude da inexistência de bens a serem arrecadados, nos termos do art. 114-A. Nessa hipótese, se não forem encontrados bens para serem arrecadados, ou se os arrecadados forem insuficientes para as despesas do processo, o administrador judicial informará imediatamente esse fato ao juiz, que, ouvido o representante do Ministério Público, fixará, por meio de edital, o prazo de dez dias para os interessados se manifestarem.  Nesse caso, um ou mais credores poderão requerer o prosseguimento da falência, desde que paguem a quantia necessária às despesas e aos honorários do administrador judicial; decorrido o prazo previsto sem manifestação dos interessados, o administrador judicial promoverá a venda dos bens arrecadados no prazo máximo de trinta dias, para bens móveis, e de sessenta dias, para bens imóveis, e apresentará o seu relatório final, que em sendo aprovado, será encerrada a falência pelo juiz nos autos (art. 114-A §§ 1º a 3º). Configurada qualquer das hipóteses de extinção das obrigações, o falido poderá requerer ao juízo da falência que suas obrigações sejam declaradas extintas por sentença (art. 159). Nesse caso, a secretaria do juízo fará publicar imediatamente informação sobre a apresentação do referido requerimento, e, no prazo comum de cinco dias, qualquer credor, o administrador judicial e o Ministério Público poderão manifestar-se exclusivamente para apontar inconsistências formais e objetivas.  Findo o prazo, o juiz, em quinze dias, proferirá sentença que declare extintas todas as obrigações do falido, inclusive as de natureza trabalhista, devendo ser comunicada a todas as pessoas e entidades informadas da decretação da falência (art. 159 §§ 1º a 4º). Essa sentença poderá ser rescindida por ação rescisória, no prazo de dois anos, contado da data do trânsito em julgado da sentença, a pedido de qualquer credor, caso se verifique que o falido tenha sonegado bens, direitos ou rendimentos de qualquer espécie anteriores à data do citado requerimento (art. 159-A e § único).

Previsões sobre a insolvência transnacional (arts 167-A a 167-Y): A legislação falimentar reformada trata da insolvência transnacional, visando proporcionar mecanismos efetivos para a cooperação entre juízes e outras autoridades competentes do Brasil e de outros países em casos de insolvência transnacional;  o aumento da segurança jurídica para a atividade econômica e para o investimento; a administração justa e eficiente de processos de insolvência transnacional, de modo a proteger os interesses de todos os credores e dos demais interessados, inclusive do devedor; a proteção e a maximização do valor dos ativos do devedor;  a promoção da recuperação de empresas em crise econômico-financeira, com a proteção de investimentos e a preservação de empregos; e a promoção da liquidação dos ativos da empresa em crise econômico-financeira, com a preservação e a otimização da utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos da empresa, inclusive os intangíveis (art. 167-A I a III). Devem-se considerar o objetivo de cooperação internacional, a necessidade de uniformidade de sua aplicação e a observância da boa-fé (art. 167 § 1º). Ademais, destaca-se que o juiz somente poderá deixar de aplicar as regras da legislação falimentar se, no caso concreto, configurar-se manifesta ofensa à ordem pública; o Ministério Público intervirá nesses processos; a competência de aplicação dessas disposições é do Superior Tribunal de Justiça; e, em caso de conflito, as obrigações assumidas em tratados ou convenções internacionais em vigor no Brasil prevalecerão sobre as disposições da legislação falimentar (art. 167-A §§ 3º a 6º).

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Sobre a autora
Terezinha Damian

Advogada, especialista em responsabilidade civil e direito do consumidor e em comércio exterior, mestre em administração, professora de direito e gestão empresarial e contratos internacionais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAMIAN, Terezinha. Alterações da legislação falimentar à luz da Lei nº 14.112/20. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6529, 17 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90403. Acesso em: 19 abr. 2024.

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