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Revenge porn: consequências extremas

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05/05/2021 às 21:18

Resumo:


  • O trabalho aborda o Revenge Porn como uma forma de violência de gênero que afeta a saúde mental e a integridade das mulheres, onde o agressor geralmente acredita na impunidade por ser um crime cibernético.

  • As consequências do Revenge Porn incluem danos psicológicos severos, como ansiedade, depressão e pensamentos suicidas, além de impactos sociais como mudança de residência e perda de emprego.

  • A falta de políticas públicas eficazes e conscientização sobre o Revenge Porn dificulta o combate a esse crime, que pode ter efeitos duradouros e devastadores para as vítimas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. O efeito danoso – Grandes e perpétuas complicações

Não é incomum que após fotos ou vídeos íntimos serem divulgados, as vítimas tenham suas vidas reviradas não conseguindo fazer o básico, como trabalhar, estudar e frequentar alguns lugares. Após o relacionamento terminar ou haver o sentimento de injustiça por determinado motivo, alguns tentam destruir o indivíduo através da divulgação de imagens, a fim de expô-los e diminuí-los perante a sociedade.

Segundo o documento “Drafting An Efetive ‘Revenge Porn’ Law: A Glide for Legislaturas”, as vítimas de revenge porn ficam com diversas sequelas. Segue dados:

A pesquisa realizada nos Estados Unidos obteve como resultado que 51% das sobreviventes de revenge porn em algum momento tiveram pensamentos suicidas. Ademais, profissionais da saúde que oferecem apoio as vítimas e pesquisadores, concluíram que os traumas na saúde mental da vítima são equivalentes aos de abuso sexual físico. A professora Kristen Zaleski da University of Southern California afirma que são correspondentes, pois em ambos os casos há vergonha, auto responsabilização e diversos danos ao sistema nervoso, como distúrbios de alimentação. No entanto, os danos causados não afetam apenas a vítima, mas também sua família, como revela Rose Leonel:

“’Perdi o emprego, dinheiro, amigos e oportunidades. Perdi tudo, tudo, até a presença do meu filho, que foi morar fora do país. Sofri um processo de exclusão social e fui obrigada a um período de reclusão. Foi muito duro. Só Deus me sustentou. Até hoje tenho pesadelos. Fui assassinada. Os danos são irreparáveis para mim, meus filhos e meus pais.’” (FERNANDES, 2016)

O crime não é fugaz, além de haver uma grande dificuldade em remover o conteúdo, as consequências para a vítima podem ser irreparáveis e estas, devem ser indenizadas.

“Leah Joliet tinha 14 anos quando suas fotos íntimas circularam pela escola onde estudava, sem o seu consentimento. Ela tinha enviado as fotos para um garoto, que compartilhou com alguns colegas. ‘Realmente foi como um torpor emocional. Eu me desliguei completamente’, disse Joliet ao Giz modo. Durante vários anos após a ocorrência do crime, ela sofreu com ataques de pânico, depressão, pesadelos, ansiedade e outros sintomas de estresse pós-traumático. Na universidade, quando o trauma “se tornou insuportável”, ela sofreu com alcoolismo e pensamentos suicidas.” (EHRENKRANZ, 2018)

A psicóloga Tamires Oliveira de Mattos (2018) afirma que dificuldades afetivas, depressão e ansiedade são alguns exemplos dos traumas causados, portanto é necessário que a vítima seja acolhida e faça acompanhamento psicoterapêutico para conseguir superar o trauma. As consequências psicológicas são grandes e variam entre as pessoas.

Em relação aos tratamentos, Kristen Zaleski afirma que o mais adequado seriam profissionais especializados em vítimas de agressões sexuais. Também existem recursos que ajudam a lidar com a vergonha, constrangimento e autocensura, por exemplo: psicoterapia sensório-motora, EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento do movimento dos olhos) e terapia psicodinâmica centrada na pessoa.

Além da criminalização, é necessário que haja a conscientização da sociedade perante o crime. O julgamento dos demais perante as vítimas pode ser o principal gatilho para que reações extremas como suicídio aconteçam. A sociedade ainda mantém pensamentos tradicionais e machistas em razão do forte patriarcalismo, fazendo com que os homens possuam mais direitos que as mulheres. Isto é valido também para as questões sexuais em que as mulheres são repreendidas. Ou seja, embora cada um seja detentor de seu corpo, a visibilidade negativa frequentemente recai sobre a mulher.


4. Leis

A população sabe pouco sobre quais são as punições aplicadas pelo sistema judiciário, ou como retirar a agressão da internet ou a quem pedir ajuda. Segundo a professora Maria Alves de Toledo Burns, da Universidade de São Paulo (USP), uma das causas do revenge porn é a disponibilidade da internet. Por ainda ser um meio considerado ‘novo’, sem leis ou regras socialmente reconhecidas, os indivíduos ainda estão aprendendo a usá-las. No entanto, em 2014, foram estabelecidos alguns direitos e deveres através do Marco Civil da internet.

Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014

Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.

Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.” (BRASIL, 2014)

Calúnia, difamação e injúria estão no Código Penal Brasileiro. Acusar o indivíduo de um crime, julgar de ato desonroso ou difamar (considerando algo prejudicial), não é incomum nas redes sociais, e uma publicação pode atingir centenas de pessoas num curto período de tempo e causar transtornos. De acordo com a Constituição de 1988, todos os indivíduos possuem proteção do Estado no que tange a intimidade.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” (BRASIL, 1988)

Em 2006, o então presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores, sancionou a Lei Maria da Penha (Lei Nº 11.340). O objetivo era prevenir e controlar a violência contra a mulher, além de punir quem a comete.

“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.” (BRASIL, 2006)

É relevante expor que a Lei assegura que as mulheres tenham pleno e legítimo direito à vida, à segurança, à saúde, ao lazer, à liberdade e à dignidade. Também lhe é garantido preservação da saúde física e mental. De acordo com a Lei, medidas de prevenção foram tomadas, implementando atendimento humanizado nas delegacias, promovendo estudos e pesquisas, realizando campanhas educativas, e trazendo a discussão sobre direitos humanos e questões de gênero na escola, por exemplo.

“Art. 9. § 4º Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.” (BRASIL, 2006)

Se tratando diretamente do Revenge Porn, em 2018 foi sancionada a Lei Nº13.718 que alterou o Código Penal ajustando-o à novas tipificações de crimes de importunação sexual. Destaca-se que caso a imagem seja publicada em caráter jornalístico, científico, cultural ou acadêmico que protejam a identidade do indivíduo e possua sua autorização, não é considerado crime.

“Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por a gente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Exclusão de ilicitude (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no capítulo deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica,

cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)” (BRASIL,2018)

Segundo Marilise Gomes (2014), em 2008, um site de vídeos pornôs informou que recebia cerca de 12 pedidos ao mês para que retirassem algum conteúdo da plataforma, pois não haviam consentido a publicação. A Nova Zelândia foi o primeiro país a condenar um jovem à prisão por 10 meses pelo crime de revenge porn.

Há uma percepção de que os cibercrimes permanecem impunes. No entanto, já é possível buscar atendimento em delegacias especializadas ou através da polícia civil que trabalha com investigações específicas. De todo modo, a vítima não é culpada e segundo o código penal, artigo 139, é considerado difamação atentar contra a reputação de uma pessoa e divulgar fotos íntimas de alguém sem autorização.

Em 2018, uma mulher ingressou com uma ação no Tribunal da Justiça do Rio Grande do Sul para ser indenizada depois de ser vítima de revenge porn. Nesse caso, o antigo namorado havia publicado imagens íntimas da vítima em sites pornográficos, além de explicitar seu nome e a cidade onde vivia. Outros três boletins de ocorrência foram realizados, a fim de requerer medidas protetivas, pois havia sido ameaçada virtualmente e pessoalmente.

A vítima solicitava ao Tribunal da Justiça o recebimento de R$30.000,00 (Trinta Mil Reais) de indenização por danos morais pagos pelo réu. No entanto, houve a condenação do pagamento de R$ 10.000,00 (Dez Mil Reais), pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios ao procurador da parte autora, fixados em 15% do valor atualizado da condenação.

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Em relação ao processo Nº 1.735.712 - SP (2018/0042899-4), desta vez o pedido de indenização foi feito para que a rede social Facebook pagasse. Embora a ação seja de 2014, após o recurso foi atribuída para o gabinete em 2018. Há a afirmação de que o revenge porn constituiu grave lesão à vítima que embora não estivesse completamente despida ou com rosto em evidência, se sentiu humilhada e teve seus direitos de personalidade violado. As imagens haviam sido realizadas por um antigo relacionamento.

O Facebook foi condenado a indenizar a moça não identificada por dano imaterial no valor de vinte mil reais, pois havia diversos usuários utilizando e divulgando a imagem repugnada pela autora, que solicitou a retirada da mesma – removidas apenas após o ajuizamento da ação. A rede social, por sua vez, declarou que a plataforma não considerou a imagem como pornográfica, uma vez que a autora estava de biquíni e sem confirmação de identidade.

O processo do sistema judicial pode ser extremamente demorado e prolongar o sofrimento causado, não oferecendo um atendimento satisfatório a vítima, nem uma reeducação ao infrator. Nesses casos, é necessário oferecer acompanhamento psicológico e psiquiátrico a vítima, justiça restaurativa, exclusão de vídeos e imagens com teor sexual sem consentimento, campanhas de conscientização e educação sexual.


Considerações finais

A internet é uma ferramenta importante para o entretenimento, divulgação de informação e socialização, dando a oportunidade de reencontrar amigos distantes e auxiliar no desenvolvimento da ciência. No entanto, não é incomum que crimes virtuais aconteçam, como é o caso da pornografia da vingança.

De acordo com as informações apresentadas no presente trabalho, é notável que a vítima sofre mais que o constrangimento ao ser exposta. Mudança de escola, prejuízo nas relações sociais e pensamentos suicidas são alguns exemplos que o trauma do revenge porn causa. Dada à importância ao assunto, se faz necessário refletir sobre possíveis métodos que auxiliem no declínio da prática, tanto em relação aos agressores, quanto a urgência em amparar as vítimas.

As consequências apontam que, embora a implementação de leis seja extremamente necessária, considerar outras possibilidades é algo significativo. Através de discussões educativas é possível fazer com que o indivíduo reflita sobre suas atitudes nas redes sociais, entendendo que ao compartilhar uma imagem indevida pode causar grandes transtornos. Além disso, investimentos em propaganda nos meios de comunicação, discussão sobre o uso das redes sociais na escola, maior especialização e humanização de servidores para tratar do revenge porn, criação e investimento em centros de referência para acolher mulheres em situação de vulnerabilidade, punições rigorosas, exclusão das mídias de todas as redes sociais e sites, disponibilização de acompanhamento médico (psicológico, psiquiátrico) e acolhimento para vítimas.

Por fim, o tema possui grande relevância, pois afeta a vida não só da vítima, como as de seus familiares. É imprescindível que os governos (municipal, estadual e federal) deem maior visibilidade para o tema, investindo em políticas públicas e conscientizando a sociedade.

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Sobre a autora
Rafaela Viana Stephanelli

Graduada em Ciências Sociais (Universidade Federal de São Paulo) - Cursando Especialização em Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade (Universidade Anhembi Morumbi)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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