4. Considerações à guisa de conclusão
Procurou-se demonstrar criticamente a impropriedade da inovação tentada pela legislação provisória. Em verdade, ciente o ente administrativo que o planejamento tributário se encontrava sendo usado como via de economia fiscal pelos contribuintes mais diligentes, usou-se da norma antielisão especialmente para buscar uma medida de vedação ao planejamento tributário.
Portanto, o ente público buscou quedar a tentativa de economia fiscal na sua gênese, engendrando norma geral que busca impedir essa tentativa do contribuinte.
Igualmente, a MP 66/02, à toda evidência, representava criação de nova e genérica hipótese de incidência de tributos que têm por raiz a força excepcionalmente criadora da ficção jurídica. Em verdade, nessa senda o ente público tentava extrapolar mesmo os seus objetivos iniciais, por si só curiosos: tentou vedar o planejamento tributário, mas acabou criando uma figura que coloca situação delicada a observância ao princípio da legalidade, enfraquece a segurança da relação tributária, afronta os axiomas elementares do Direito Tributário, além de outras impropriedades.
Ademais, na norma instituidora ainda se confundiu as figuras da simulação e da elisão, de modo a se criar quase que uma norma antisimulação quando se queria criar norma antielisão.
É dizer, a norma antielisão consubstancia falsa vedação ao planejamento tributário uma vez que não cumpre o fim para o qual foi proposta. Trata da figura da elisão tributária, mas para combatê-la cria instrumentos que dão excessivo e extremamente subjetivo poder às autoridades tributárias.
No final das contas, transfere a responsabilidade de discernir entre a tentativa de elisão e a simples positivação de negócio jurídico complexo (que poderia redundar em elisão) totalmente à autoridade tributária, fato que certamente redunda em um maior número de impugnações dos sujeitos passivos e ainda, transfere o debate tributário da segurança dos princípios constitucionais e tributários para a subjetividade dos escaninhos do Fisco.
Tem-se assim que o planejamento tributário permanecerá existindo, mesmo com o advento das normas antielisão. Seja por mera pontualidade e diligência do contribuinte, seja pelo desejo de praticar a elisão.
Na outra ponta, deu-se ao fiscal tributário excessivo poder, inclusive de desconsiderar os mais comezinhos princípios constitucionais e tributários, sempre no intuito que nos últimos anos tem sido a linha mestra do Fisco: o aumento de arrecadação.
Claro que o contraditório permite ao sujeito passivo desdobrar a sua defesa inclusive quando questionado sobre o negócio jurídico que operou e gerou elisão. Entretanto, permitir a lei a fixação de critérios para declarar os negócios entre os contribuintes, administrativamente, como ficções que visam a elisão, nos parece demasiado exagero, uma vez também que é consabido que em sede administrativa nem sempre as mais fundamentadas razões encontram eco e são acolhidas, seja por sentimento de emulação da autoridade administrativa ou mesmo pela prática iterativa de se negar o direito aquele que faz jus, em nossa nação.
Portanto, no nosso sentir, para combater o planejamento tributário criou-se um monstro maior que a própria sangria que talvez este instituto estivesse causando ao Fisco. Mostro este que pisoteia a legalidade, fere a liberdade e coloca o cidadão comum em situação curiosa: não mais poderá eleger maneiras de economizar fiscalmente, nem aquelas permitidas por lei, circunstância essa que, diga-se, trespassa o limite do razoável e se mostra teratológica.
BIBLIOGRAFIA
BORGES, Humberto Bonavides. Planejamento tributário. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002.
CANTO, Gilberto Ulhôa. Elisão e evasão fiscal. Caderno de pesquisas tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 13, 1988.
CARVALHO, Cristiano. Breves considerações sobre elisão e evasão fiscais. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães. (org.). Planejamento tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 58.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Limites atuais do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. (org) O Planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002.
EISELE, Andréas. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Dialética, 1998.
FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
GOMES DE SOUZA, Rubens. Compendio de legislação tributaria. 4ª. Ed. São Paulo: Resenha Tributária, 1982.
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo : Atlas, 13ª ed. 2004.
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas nacionais e internacionais. São Paulo: Saraiva, 1997.
MACHADO, Hugo de Brito. A norma antielisão e o principio da legalidade – análise crítica do parágrafo único do art. 116. do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. (org) O Planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002.
MALERBI, Diva. Elisão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.
MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Dialética, 2002.
MALKOWSKI, Almir. Planejamento tributário e a questão da Elisão fiscal. Leme: De Direito, 2000.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Norma antielisão é incompatível com o sistema constitucional brasileiro. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. O planejamento Tributário e a lei complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
___, Direito Processual Tributário: Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal à luz da doutrina e jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
PEIXOTO, Marcelo Magalhães (org.). Planejamento tributário. São Paulo: Quarter Latin, 2004.
ROCHA, Valdir de Oliveira. O planejamento Tributário e a lei complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica em Crise. 4ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
Notas
1 CANTO, Gilberto Ulhôa. Elisão e evasão fiscal. Caderno de pesquisas tributárias, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 13, p. 34, 1988.
2 MALERBI, Diva. Elisão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 13. e 75. apud CANTO, Gilberto Ulhôa. Elisão e evasão fiscal. p. 34
3 GOMES DE SOUZA, Rubens. Compendio de legislação tributaria. 4ª. Ed. São Paulo: Resenha Tributária, 1982. p. 56.
4 Segundo Piero Villani, em Caderno de Pesquisas Tributárias nº 13/573-660 (São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1988).
5 CANTO, Gilberto Ulhôa. Elisão e evasão fiscal. In: Caderno de Pesquisas Tributárias, nº 13. p. 49-50
6 MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Dialética, 2002. p. 31.
7 CARVALHO, Cristiano. Breves considerações sobre elisão e evasão fiscais. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães. (org.). Planejamento tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 58.
8 VAZ, Carlos. Evasão tributaria. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 87.
9 MALKOWSKI, Almir. Planejamento tributário e a questão da Elisão fiscal. Leme: De Direito, 2000. p. 41.
10 MARINS, James. Obra citada. p. 33.
11 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Norma antielisão é incompatível com o sistema constitucional brasileiro. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. O planejamento Tributário e a lei complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002. p. 123/125.
12 MACHADO, Hugo de Brito. A norma antielisão e o principio da legalidade – análise crítica do parágrafo único do art. 116. do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. (org) O Planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002. p. 111.
13 Art. 170. - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função da propriedade;
IV – livre concorrência;
....................
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
14 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo : Atlas, 13ª ed. 2004, p. 36
15 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 635.
16 MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Dialética, 2002. P. 59.
17 MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Dialética, 2002. P. 52.
18 ESTRELLA, André Luiz Carvalho. A norma antielisão Revisitada: Art. 116, parágrafo único, CTN. In:: PEIXOTO, Marcelo Magalhães. (org.). Planejamento tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 125.
19 HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas nacionais e internacionais. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 328.
20 FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 18. e 32.
21 Art. 104. ....................................................................................
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
22 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Limites atuais do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. (org) O Planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002. p. 283.
23 MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Dialética, 2002. P. 69/71.
24 Conforme Geraldo Ataliba, em prefácio da obra Elisão tributária, de Diva Malerbi.
25 PAULSEN, Leandro. Obra citada. p. 638.
26 MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Dialética, 2002. P. 76/77.
27 Conforme parágrafos do art. 2º do Dec. 3.724/01 combinados com o art. 7º do Dec. 70.235/72.
28 MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Dialética, 2002. P. 79/83.
29 MACHADO, Hugo de Brito. Obra citada. p. 109.