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O julgamento do "meritum causæ" pelo juízo "ad quem"

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24/10/2006 às 00:00
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7. APLICAÇÃO DO ART. 515, §3º

Neste capítulo faremos uma análise da aplicação do novo dispositivo nas diversas cortes, sistemas e micro-sistemas processuais existentes no nosso Direito, com especial atenção ao entendimento jurisprudencial.

7.1 Nos tribunais de segundo grau

Também quando o recurso for interposto face decisão de corte de segundo grau (seja como primeira ou segunda instância) se vislumbra a aplicação do dispositivo em análise.

Dinamarco[200] entende que, tratando o art. 515, do CPC, de uma regra geral sobre a devolutividade, aplicável a todos as demais espécies recursais, então também seu §3º seria aplicável aos demais recursos previstos no sistema. E como exemplos nos é dada a hipótese de uma decisão interlocutória onde se determina a realização de uma determinada prova e a parte interpõe agravo de instrumento com o pedido de que essa prova não seja realizada. Sendo aceita pelo tribunal os fundamentos do recurso para que a prova não se realize, e entendendo também que nenhuma outra existe a ser realizada, seria de rigor passar ao julgamento do meritum casæ,[201] acelerando a oferta da tutela jurisdicional, sempre que isso não importe prejuízo à efetividade das garantias constitucionais do processo nem prejuízo ilegítimo às partes.[202]

Também no caso da apelação que reforma a sentença de mérito, pronunciando uma carência de ação, havendo voto vencido que afastava tal preliminar. Em sede de embargos infringentes seria legítimo o julgamento do mérito pela turma julgadora, pois que provavelmente estarão presentes os requisitos postos no §3º do art. 515, uma vez que houve julgamento do mérito em primeiro grau.

Mesmo em Recurso Ordinário em Mandado de Segurança há que se entender que o dispositivo em estudo é aplicável, pois, ao contrário do que pode levar a entender o texto constitucional (CF 102, II, a e 105, II, b), é cabível Recurso Ordinário não só quando denegada a segurança[203] (o que faz supor julgamento do mérito), mas sempre que a decisão for contrária à pretensão do impetrante (Súmula 304, do STF).[204]

7.1.1 O juízo rescisório

Aqui fugimos um pouco do tema central deste trabalho – a apelação – para entrar em tema onde também discutiremos a sistemática que entendemos a mais adequada no julgamento da apelação: o órgão julgador proferir nova decisão em substituição daquela impugnada desde logo, evitando-se idas e vindas dos autos entre os órgãos jurisdicionais.

A legislação[205] (incluindo-se aí os regimentos internos dos tribunais) chega a ser extremamente detalhista quando trata do juízo rescindendo[206] (iudicium rescindendes), pouco falando, quando muito, sobre o juízo rescisório[207] (iudicium rescissorium); limita-se a dizer que, rescindindo o julgado impugnado, se for o caso, deverá o tribunal prosseguir prolatando também o juízo rescisório, sem, no entanto, elaborar o significado de "se for o caso".

Por conta desta suposta omissão legislativa muitos são os que defendem que uma vez operada a rescisão do julgado, está encerrada a atividade do órgão judicante, devendo a nova decisão, se necessária, ser proferida pelo mesmo órgão que proferiu a decisão ora anulada, sob pena de haver supressão de instância.[208]

Primeiramente, analisemos quais são os casos em que o juízo rescindendo basta por si mesmo e aqueles em que é necessária uma nova decisão.

Nas hipóteses da decisão atacada ofender a coisa julgada (CPC 485, IV) e julgada por magistrado absolutamente incompetente (II, in fine), no primeiro caso não há necessidade duma nova decisão, posto que a ação rescisória teve por objeto exatamente desconstituir uma decisão sobre pretensão que já havia sido decidida em outro processo judicial;[209]-[210] no segundo caso há, em geral, impossibilidade do órgão julgador da rescisória ou do prolator da decisão anulada proferirem nova decisão, pois que são órgãos incompetentes para julgar aquela matéria. Nos casos em que, no entanto, o órgão prolator da decisão anulada for absolutamente incompetente, sendo que o órgão competente para julgar aquela demanda é exatamente o que julga a ação rescisória, não há impedimento para que prossiga no julgamento e efetue também o juízo rescisório, proferindo novo julgamento nos termos do art. 494, do CPC[211].

Temos que nas hipóteses dos incisos I (prevaricação, concussão ou corrupção do juiz), II in initio (julgador impedido), III (dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei), V (violar literal disposição de lei), VI (fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória), VII (se depois da sentença o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz de, por si só, assegurar-lhe pronunciamento favorável), VIII (se houver fundamento para invalidar a confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença) e IX (fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa), à sentença decretada nula sempre deve ser aposta uma nova decisão, para que as pretensões postuladas no processo não permaneçam sem decisão (CPC 2º e 126).

Equivocada é a interpretação de que a prolação do juízo rescisório pelo mesmo órgão que efetuou o juízo rescindendo implica em supressão de um grau de jurisdição, em especial se levarmos em consideração que, salvo as sentenças de juízes singulares, será sempre o tribunal que prolatou a decisão quem terá competência para anulá-la, não sendo fundamento suficiente para alegar a tal supressão o fato do novo julgamento ser feito por um órgão colegiado mais amplo que aquele prolator da decisão atacada, sendo perfeitamente possível que no mesmo momento seja proferida nova decisão em substituição àquela impugnada. A redação do art. 494, do CPC, autoriza tal procedimento. No mesmo sentido argumentam Nery Júnior & Rosa Maria Nery ao dizer que "a norma indica claramente que o mérito da rescisória se subdivide em dois pontos e o tribunal é competente para julgar o mérito por inteiro",[212] acrescentando mais adiante que o tribunal "recebe a matéria com devolutividade ampla", tendo "competência originária para rescindir a sentença e também para rejulgar a lide. Não teria sentido o tribunal rescindir a sentença e remeter os autos ao juiz de primeiro grau para rejulgar a causa".[213] O posicionamento contrário adotado por jurisprudência e doutrina se dá razão da falta de clareza existente no sistema processual anterior.

Portanto, a interpretação a se dar ao termo ‘se for o caso’ contido no art. 494, do CPC, e que melhor se adequa aos princípios orientadores do processo (CPC 125, II; etc.), é de que se significa ‘em sendo necessária uma nova decisão’.[214]-[215]

Tal entendimento é o que também se extrai dos regimentos internos dos mais diversos tribunais, sobretudo quando tratam da execução de seus julgados, como por exemplo, no art. 305, §2º, do Regimento Interno do 1ºTACSP.[216]-[217]

Há que se fazer uma ressalva, porém. Se a nulidade que acarretou na rescisão da sentença for anterior a esta, conforme o caso, deve-se reiniciar o processo principal sanando-se a nulidade e prosseguindo-se até que nova decisão seja prolatada.[218] Aqui o problema não estaria na sentença em si, mas em ato anterior.

Neste caso, deve-se avaliar uma série de fatores: se o ato anulado deve ser repetido; se ele efetivamente ou potencialmente influenciou ato posterior; ou se o ato deve simplesmente ser descartado. Neste último caso não há óbice para a prolação do juízo rescisório pelo mesmo órgão que julgou o rescindendo. Nos demais, a melhor solução parece ser a de se reiniciar o processo original a partir do ponto em que se encontrava o ato anulado, seguindo seu curso normal daí em diante.[219]

7.2 Nos tribunais superiores

Infelizmente, como se sabe, os tribunais superiores têm sido extremamente restritivos na interpretação das disposições legais sobre o cabimento de recursos extraordinários, levando ao pé da letra as regras constitucionais sobre o tema (as questões decididas) – mais numa tentativa de reduzir o volume de processos do que efetivamente uma posição jurídica.

Destarte, é com dificuldades que se vê a eventual aplicação do §3º, do art. 515, do CPC; se a questão de mérito não foi efetivamente decidida na decisão recorrida, seja por estar prejudicada ou por simples omissão na decisão judicial, certamente o tribunal destinatário se recusará a analisar a questão.[220]

Neste sentido, Lopes de Oliveira registra que esta regra não se aplica nos recursos extraordinários, em virtude de serem os tribunais de cúpula órgãos de revisão, sendo imprescindível, portanto, a ocorrência do pré-questionamento da questão constitucional ou federal suscitada na peça recursal, para que se analise a violação a preceito constitucional ou de lei federal.[221]

De forma diversa, entende Dinamarco[222], defendendo que este dispositivo seria aplicável virtualmente em todos os recursos, embora admita que no caso presente a aplicabilidade do dispositivo legal seja mais problemática em virtude da sujeição dos recursos extraordinários a pressupostos de admissibilidade muito precisos e conseqüente estreiteza da devolução possível. Mas, inobstante, não se pode descartar a hipótese de processo já devidamente instruído ter sido extinto sem julgamento de mérito em virtude de questão federal ou constitucional; chegando ao tribunal competente estariam os julgadores autorizados a proferir posicionamento em relação à matéria de mérito.

Por outro lado, todas as disposições aplicáveis à apelação também o são em relação ao recurso ordinário, pois equivalentes, sendo certo que este realiza a missão daquele nos casos em que é admissível (CPC 540).[223] Assim, tudo o que já foi dito sobre o recurso de apelação neste trabalho aplica-se, mutatis mutandis, ao recurso ordinário.

Conflitantes têm sido as decisões do Supremo Tribunal Federal. Ao mesmo tempo em que reconhece em seus julgados a inexistência de princípio garantidor ao duplo grau de jurisdição, profere decisões que negam aplicabilidade ao princípio ora consagrado pela inovação legislativa, alegando que tal procedimento infringiria o duplo grau de jurisdição, implicando em supressão de instância.[224] Agora com a permissão legal expressa, aguardaremos a tomada de posição do órgão de cúpula de nosso Judiciário.

7.3 Nos juizados especiais cíveis

Primeiramente, cabe dizer que o que aqui será dito se refere tanto aos juizados estaduais (lei 9099/95) como aos federais (lei 10259/01).

Muito se digladiam os doutrinadores, uns defendendo a aplicabilidade das regras referentes aos recursos no sistema dos juizados especiais, outros defendendo a tese oposta. No entanto, deve-se deixar claro que tal discussão se limita preponderantemente à defesa ou ataque do cabimento dos recursos adesivo e de agravo de instrumento no âmbito dos juizados, pouco sendo debatido além disso.

A princípio, as regras recursais contidas no CPC não são aplicáveis aos juizados especiais. Porém, é sabido que as leis que os regulam são extremamente sucintas – quando muito – neste tópico, não restando outra saída ao intérprete que não se socorrer ao CPC para buscar regras sobre o processamento dos recursos. A lei 10259/01 deixa este tópico completamente à cargo da lei 9099/95 (salvo a previsão de impugnação de certas decisões por agravo de instrumento), que por sua vez limita-se a tratar de prazos, preparo, intimação da data do julgamento, composição da turma julgadora, e dispensa de formalidades na redação do acórdão (art. 41 a 46).

Assim, temos que a legislação específica é silente no que tange a apreciação do meritum causæ pelos julgadores de segundo grau, não havendo qualquer previsão de remessa dos autos ao juízo a quo para apreciar a questão que não havia apreciado (como já não havia no CPC, ressalte-se).

Vimos, então, que, mesmo independentemente da aplicação subsidiária (ou analógica) do CPC no âmbito dos juizados, devem os julgadores prosseguir no julgamento da causa, desde que, é claro, esta já se encontre devidamente instruída.

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Mas ainda assim defendemos que, ante a inexistência de regramento, deve-se sim aplicar de forma subsidiária as disposições do CPC nos juizados especiais. Os juizados especiais não são guetos isolados do resto do sistema jurídico, são parte integrante de uma realidade maior, sujeitos às mesmas regras e princípios, devendo ser repudiada qualquer posição que pregue seu isolacionismo, pois não possui qualquer tipo autonomia. "O Direito não é constituído de departamentos estanque. Sua compreensão exige seja analisado de forma global. (...). Todas as questões se intercalam."[225]

Como já estudamos acima, não há que se falar em ‘desrespeito ao princípio do duplo grau’ no julgamento pela turma recursal de questão não apreciada pelo juízo de origem. Não havendo qualquer disposição legal determinando o contrário, é perfeitamente lícito aos julgadores decidir o que não havia sido decidido.

7.4 Na justiça trabalhista

No direito processual trabalhista se presa sobremaneira a simplificação de procedimentos. Tal simplificação é feita com tal sucesso que, não raro, no processo civil se adotam procedimentos que lá se originaram.[226]

Ao processo laboral se aplicam as normas, institutos e estudos das doutrina do processo civil (aqui entendido em sentido lato), desde que não esteja regulado de outro modo em legislação específica, não ofenda os princípios do processo do trabalho, se adapte aos princípios e às peculiaridades deste e nem haja impossibilidade material de aplicação. A aplicação de institutos não previstos na legislação trabalhista não deve dar ensejo ao prolongamento da demanda, devendo ser adaptados às peculiaridades próprias do processo laboral. Carrion ensina que, perante novos procedimentos do processo comum, o intérprete deve indagar se, não havendo incompatibilidades, permitir-se-ão a celeridade e a simplificação, que sempre são almejadas. Fica, assim, excluída qualquer possibilidade de se incluir deste modo novos recursos ou formalidades inúteis e atravancadoras.[227]

A melhor doutrina conclui que o processo trabalhista não é autônomo em relação ao processo civil (tomado como gênero), retirando de lá seus institutos e princípios, apenas dando maior ênfase a este ou aquele princípio.[228]

Desta análise, parece-nos evidente extrair que qualquer procedimento instituído no processo civil com vistas de agilizar e dar maior efetividade à prestação jurisdicional é de imediato agasalhado pelo sistema normativo trabalhista, podendo ser aplicado desde logo.

Destarte, temos que a inovação no processo civil aqui estudada, tendo em vista seu escopo de dar celeridade ao processo, é perfeitamente compatível com o sistema processual trabalhista, se coadunando de forma impecável aos princípios orientadores do processo que são tomados com maior relevo pelos aplicadores do direito processual trabalhista. E outro não tem sido o entendimento das cortes dessa justiça especializada.[229]

No entanto, extrai-se de decisões recentes que alguns julgadores parecem ainda não terem sido informados da existência da nova norma,[230] mantendo-se presos a conceitos e dogmas que já não são sustentáveis. Esperemos que tal situação se altere o quão logo possível.

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Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. O julgamento do "meritum causæ" pelo juízo "ad quem". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1210, 24 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9078. Acesso em: 26 dez. 2024.

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