Posse de celular pelo preso
Logo após a primeira onda de ataques do PCC o Senado Federal, no dia 17.05.06, aprovou um pacote de medidas para contenção da violência ("pacote antiviolência"), destacando-se, dentre elas, o PLS 474/03, que aumenta os prazos prescricionais, assim como o PLS 136/06, que transforma em falta grave a utilização de telefone celular pelo preso.
Saliente-se, desde logo, que essa última medida parece muito pertinente. A inovação legislativa se faz necessária porque há efetivamente uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro. O STJ, a propósito, chamou atenção para esse fato, decidindo:
"CRIMINAL. RESP. EXECUÇÃO DA PENA. PORTE DE TELEFONE CELULAR. FALTA GRAVE. RESOLUÇÃO DA SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA. PERDA DOS DIAS REMIDOS. ILEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. Hipótese em que o apenado foi punido com a perda dos dias remidos, ao entendimento de que o porte de aparelho de telefone celular configura falta de natureza grave. Resolução da Secretaria da Administração Penitenciária, ao definir como falta grave o porte de aparelho celular e seus componentes e acessórios, ultrapassou os limites do art. 49 da Lei de Execuções Penais, o qual dispõe que a atuação do Estado deve restringir-se à especificação das faltas leves e médias. Se a hipótese dos autos não configura falta grave, é ilegal a decretação da perda dos dias remidos pelo trabalho do recorrido. Precedente da Turma. Recurso desprovido (STJ, Quinta Turma, REsp 825.507-SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. 17.08.06, DJU 11.09.06, p. 344)".
A sanção aprovada para a posse e/ou utilização de celular dentro do presídio, por presidiário, é a do isolamento na cela (que pode durar até trinta dias). Essa é uma sanção contemplada na LEP e que se afigura muito adequada para atos de indisciplina do preso dentro do estabelecimento prisional. De acordo com nosso ponto de vista a proposta legislativa é dotada de razoabilidade. Deve ser aprovada também pela Câmara dos Deputados, convertendo-se em lei vigente, que só vai valer, de qualquer modo, para atos praticados a partir dela.
Aumento dos prazos prescricionais
No que diz respeito, entretanto, ao aumento dos prazos prescricionais (PLS 474/03), que passam de 2 a 20 anos para 4 a 30 anos, a medida nos parece flagrantemente desarrazoada. Pouca influência terá na prevenção da criminalidade, visto que o criminoso não comete crime pensando no tempo prescricional. Nenhuma relevância concreta terá a alteração desse prazo. Certamente nenhum criminoso deixará de cometer qualquer delito porque o prazo prescricional "x" passou a ser de "x" + "y".
A prescrição, como sabemos, é uma sanção à desídia (morosidade) do Estado. Se o Estado se mantém negligente e não exercita o seu direito de punir dentro de um determinado lapso temporal, perde-o. O problema da prescrição, como se vê, não reside na sua quantificação, sim, na morosidade da Justiça criminal.
O legislador em lugar de tomar medidas que atacam a raiz do problema (as causas), prefere maquiar o seu efeito. Os prazos prescricionais atuais do CP (de 2 a 20 anos, que foram fixados em 1940), diante do progresso da civilização, da modernidade da Justiça, dos meios informáticos etc. deveriam, pela lógica, ser reduzidos, não aumentados. A população aumentou, o número de delitos também, mas cabe à Justiça se aparelhar e acompanhar toda essa evolução.
Nossos procedimentos continuam morosos, faltam juízes, os funcionários necessitam ser melhor capacitados e remunerados, o número de recursos é exagerado etc. Essas são algumas das causas do problema. Sobre elas é que o legislador deveria se debruçar (caso tivesse a preocupação de realmente sanar o problema). Quando o paciente está com febre, o correto não é aumentar incontroladamente a dose do remédio, sim, descobrir a causa do estado febril.
A especialidade do legislador brasileiro, entretanto, de um modo geral, não reside em ir buscar a razão do gravame, discutir as suas causas, para descobrir meios adequados de solução. Sua preocupação central sempre imediatista consiste em "dar satisfação" para a sociedade. More and more of the same: repete sempre as mesmas providências, com medidas puramente "simbólicas", que só visam a conter o clamor social do momento. Mas essa atitude não se afigura muito responsável na medida em que desacredita (a médio e longo prazo) o Direito penal.
A razão da impunidade, desse modo, não está na tabela dos prazos prescricionais do art. 109 do CP, sim, nas causas que se encontram em sua origem. Em direção a elas é que vale a pena jogar energia. O processo judicial demora 12 anos, em média, no Brasil (Folha de S. Paulo de 20.08.06, p. C8). Aqui está o cerne da questão. Enfrentá-la, de modo efetivo e razoável, constitui o desafio. Providências puramente "simbólicas" podem até surtir algum efeito imediato "calmante" na população, mas cientificamente apresentam-se como incorretas.