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O regime jurídico das contribuições especiais no Direito brasileiro

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27/10/2006 às 00:00
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6. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À IMPOSIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

Reconhecida a natureza jurídica tributária das contribuições especiais, imperioso é concluir que estas se submetem aos comandos constitucionais, erigidos em princípios, aplicáveis às demais espécies tributárias, salvo as exceções que destacamos abaixo.

Por força do comando expresso do § 6.° do artigo 195 da Constituição Federal, as contribuições sociais de seguridade social podem ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando, portanto, as regras emergentes do princípio da anterioridade tributária insculpidos no artigo 150, III, "b" da CF. As demais espécies de contribuições submetem-se integralmente ao aludido princípio, além de submeterem-se, também, aos comandos do princípio da anterioridade nonagesimal previsto na alínea "c" do mesmo inciso III do artigo 150 da nossa Carta Política.

Não resta qualquer dúvida que todas as espécies de contribuições, em exceção, submetem-se, ainda, ao princípio da legalidade tributária estrita, contemplado no inciso I do artigo 150 da CF, em razão do que só podem ser instituídas ou majoradas através de lei, sujeitando-se, ainda, à todas as regras do artigo 97 do Código Tributário Nacional, que se constituem em desdobramento do aludido primado constitucional.

É indiscutível que se aplicam também às contribuições especiais a regra do inciso II do artigo 150 da CF, que veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situações equivalentes.

Da mesma forma, absolutamente pertinente e aplicável às várias contribuições especiais a regra estampada na alínea "a" do inciso III do artigo 150 da CF, que veda cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Trata-se de regra que consagra a irretroatividade da norma jurídico-tributária e que se constitui em desdobramento do primado da segurança jurídica encontrado nas dobras do texto constitucional, sendo portanto de indiscutível aplicação a todos os tributos.

Indiscutível, ainda, a aplicação às espécies tributárias aqui tratadas da regra constitucional encontrada no inciso IV da Carta Magna, que veda a utilização de tributo com efeito de confisco. Com efeito, no julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do pedido de liminar apresentado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 2.010, relatada pelo Ministro Celso de Mello, decidiu aquela Corte suspender a eficácia do artigo 2.° e parágrafo único da Lei n.º 9.783/99, que introduziu alíquotas progressivas, majorando a contribuição de seguridade social devida pelos servidores civis da União Federal, ativos e inativos e pelos pensionistas. O Tribunal, na decisão em questão, considerou relevante a tese da ofensa ao princípio que veda a utilização de tributo com efeito de confisco.

Por fim, como espécie tributária que é, submete-se a contribuição especial à regra do inciso V do artigo 150 da Constituição Federal, que veda que se estabeleça limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais.


7. CONCLUSÃO

Em face de tudo o que expusemos no presente ensaio, verificamos que, na segunda metade do século XX consolidou-se a convicção de que não poderia mais prosperar a idéia liberal segundo a qual a sociedade civil seria suficiente para realizar todos os objetivos por ela pretendidos, sem a interferência do Estado, apenas com as regras auto-reguladoras do mercado. Ganhava corpo, então, a percepção de que o alcance de determinados objetivos só seria possível com a atuação positiva do Estado pautada na noção de solidariedade. Nasce, então, o denominado Estado Social (Welfare State). É neste contexto que surge a figura da contribuição, como exação cobrada pelo Estado. As contribuições são, portanto, fruto do Estado social e interventor. Novos fins passam a orientar a atuação estatal, dentre os quais se coloca a busca do bem-estar. Para atingir tais fins, o Estado teve de lançar mão também de novos meios. A tributação, nessa perspectiva, como instrumento de obtenção de recursos para financiar as atividades do Poder Público, também sofreu modificações. As contribuições se revelam um instrumento de intervenção do Estado na economia e na ordem social.

Verificamos, ainda, que a doutrina pátria não tem um posicionamento unânime quanto a natureza jurídica das contribuições especiais, embora a maioria dos autores considere tributária a sua natureza, já que, em tudo e por tudo, submetem-se, salvo algumas exceções às regras aplicáveis aos tributos em geral.

Verificamos, ainda, que a maioria da doutrina reconhece na contribuição uma espécie tributária autônoma , diferente das figuras clássicas a que alude o artigo 5.° do CódigoTributário Nacional.

Destacou-se, também, o conteúdo finalístico das contribuições como fator essencial e indissociável da natureza destas, diferenciando-as, por isso mesmo, dos impostos que, por expressa disposição constitucional, têm vedada a vinculação de suas receitas a órgão, fundo ou despesas específicos. São, portanto, as contribuições, tributo que se caracteriza pela respectiva finalidade, representando, por isso, exceção à regra estabelecida no artigo 4.°, II, do CTN.

Foi possível concluir, ainda, que a doutrina não tem posição pacífica acerca da questão se a atividade estatal a cuja execução se destina a receita arrecadada nas contribuições deve ser necessariamente referível ao sujeito passivo dessa exação, embora a maioria dos estudiosos entenda deva existir, necessariamente, essa referibilidade, ainda que indireta ou mediata.

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Verificamos, ainda, que a exemplo das demais áreas, os doutrinadores também não têm entendimento unânime quanto à possibilidade, com lastro na competência constitucional prevista na primeira parte do artigo 149 da CF, da instituição de outras contribuições sociais, além das já previstas no texto constitucional. Não obstante isso, nos posicionamos ao lado do Professor Hugo de Brito Machado, para quem o reconhecimento dessa possibilidade resultará na atrofia dos impostos federais, com repercussão negativa nos demais entes federativos, partícipes dessa arrecadação, com a quebra do próprio princípio federativo.

Vimos também que as contribuições sociais de seguridade social são regidas pelo princípio da solidariedade em matéria de custeio, o que as diferencia das demais espécies de contribuição, tendo essa peculiaridade repercussão direta no que se refere à referibilidade da atuação estatal ao sujeito passivo dessa exação, cujo espectro, por isso mesmo, se revela mais amplo, abrangendo toda a sociedade.

Vimos, por fim, que o legislador federal foi pródigo na instituição de diversas espécies de contribuições, destacando, a final, a aplicação às diversas espécies aqui tratadas dos princípios constitucionais tributários que estabelecem limitações ao poder de tributar.


NOTAS

  1. PAULSEN, Leandro. Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p. 366-367.
  2. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p. 275-277.
  3. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 27.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 419.
  4. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 17.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 43.
  5. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 18.ª ed., São Paulo: RT, p. 513.
  6. GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma Figura "sui generis"). São Paulo: Dialética, 2000, p. 80-81.
  7. MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário, 4.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 80.
  8. MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 92.
  9. STF, RE 146.733-SP, in RTJ 143/684.
  10. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 5.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 402.
  11. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 3.ª ed., São Paulo: RT, 1991, p. 304.
  12. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 11.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 62 e 84.
  13. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos . Op. Cit., p. 277-278.
  14. DENARI, Zelmo. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2002, p. 121-122.
  15. AMARO, Luciano. Op. Cit., p. 77
  16. MACHADO, Hugo de Brito. Apresentação. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p.22.
  17. MACHADO, Hugo de Brito. Apresentação. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p.20-21.
  18. AMARO, Luciano. Op. Cit., p.84.
  19. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Op. Cit., p.405.
  20. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 5.ª ed., Malheiros, 1980, p. 171.
  21. PAULSEN, Leandro. Op. Cit. p. 376.
  22. PAULSEN, Leandro. Op. Cit, p. 382.
  23. MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 356
  24. PAULSEN, Leandro. Op. Cit., p. 369-370.
  25. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos . Op. Cit., p. 301.
  26. MARTINS, Ives Gandra da Silva. As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p. 341.
  27. MACHADO, Hugo de Brito. Apresentação. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p.09-10.
  28. STF: ADI-MC 2.556-DF e ADI-MC 2.568-DF, Relator Min. Moreira Alves, julgadas em 09.10.2002. Informativo STF n.° 285, de 07.10.2002.
  29. PAULSEN, Leandro. Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. Op. Cit., p. 382.
  30. GAMA, Evandro Costa. As Contribuições Sociais de Seguridade Social e a Imunidade do art. 149, § 2.°, I, da Constituição Federal. Disponível na Internet via WWW. URL:http://www.sinprofaz.org.br/CEJ/Trabalhos/EvandroCostaGama.htm
  31. SOUZA, Hamilton Dias de; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e a Federação. In: Ives Gandra da Silva Martins (Coord.), Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 100.
  32. MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 150.
  33. BARRETO, Aires . Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais, 2.ª ed. rev., São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 38.
  34. MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 138.
  35. GAMA, Evandro Costa. Loc. cit.
  36. PACHECO, Angela Maria da Motta. As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários-ICET, p. 82-83.
  37. MACHADO, Hugo de Brito. Apresentação. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2003, p. 15.
  38. MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 270.
  39. CINTRA, Carlos César Sousa; LOPES FILHO Juraci Mourão. As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. In: Hugo de Brito Machado (Coord.), As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, São Paulo: Dialética/Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários-ICET, 2003, p. 140.
  40. GRECO, Marco Aurélio. Op. Cit., p. 237.
  41. CONTI, José Maurício. Sistema Constitucional Tributário Interpretado pelos Tribunais. 1.ª ed., São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997, p. 65.
  42. MELO, José Eduardo Soares de. Op. Cit., p. 270.
  43. SOUZA, Hamilton Dias de; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit., p. 69.
  44. SOUZA, Hamilton Dias de; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit., p. 71.
  45. FERNANDES, André Luiz Fonseca. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. In: Ives Gandra da Silva Martins (Coord.), Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 349.
  46. FERNANDES, André Luiz Fonseca. Op.Cit., p. 351.
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Sobre o autor
Juraci Altino de Souza

professor de Direito Tributário nos cursos de graduação e pós-graduação no Centro de Ensino Superior de Dracena (CESD), bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (FADAP), bacharel em Ciências Contábeis, pós-graduado em Direito Tributário e Direito Processual Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Juraci Altino. O regime jurídico das contribuições especiais no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1213, 27 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9090. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Monografia de conclusão de curso de pós-graduação em Direito Tributário e Processual Tributário na Faculdade de Direito da Alta Paulista, em Tupã (SP).

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