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Limites éticos na contratação de honorários

28/10/2006 às 00:00
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SUMÁRIO: 1. Resumo – 2. Introdução– 3. Concepções contratuais de honorários advocatícios– 4. Aspectos éticos – 5. Formulação de uma proposta.

1. Resumo

O presente texto questiona os limites éticos na contratação de serviços advocatícios, por parte do advogado, formulando, para o debate, uma proposição de contratação.


2. Introdução

Um questionamento que é feito nos meios forenses, não raro, é justamente quanto ao limite ético na contratação dos honorários advocatícios para o ajuizamento de ações cíveis patrimonial-obrigacionais. Indaga-se se a contratação deve ficar entre 10 ou 20% ou se seria tolerável convencionar honorários além de 20% do benefício que o cliente porventura vier auferir na demanda. Afinal, há notícias de contratação de 40 e até 50% do benefício auferido, fora a sucumbência.

Não se trata aqui de discutir o valor arbitrado ou fixado pelo juiz, isto é, a verba de sucumbência, mas sim o valor da contratação.


3. Concepções contratuais de honorários advocatícios

Sabe-se que a atividade advocatícia, no que tange ao ajuizamento de ações ou oferecimento de respostas, como lembra RUI STOCO [1], envolve responsabilidade de meio e não de fim, de modo que o advogado tem o dever de agir com probidade, ética, lealdade e outras atribuições técnicas. Não tem ele, advogado, responsabilidade pelo sucesso na demanda. Para tanto há um Código de Ética, a disciplinar sua conduta no exercício de tão nobre ofício.

Sabe-se também que a finalidade dos códigos morais é reger a conduta dos membros de uma comunidade, de acordo com princípios de conveniência geral, para garantir a integridade do grupo e o bem-estar dos indivíduos que o constituem. Com isso, tem-se que ética é a disciplina crítico-normativa que estuda as normas do comportamento humano, mediante as quais o homem tende a realizar na prática atos identificados com o bem.


4. Aspectos éticos

A ética é um dos requisitos fundamentais do advogado, não só porque da sua observância ou inobservância vai resultar um reflexo positivo ou negativo sobre toda a classe, como ocorre em geral com todas as profissões – esse é um aspecto exterior - , mas pelas conseqüências que sua falta acarretará à própria construção da sociedade, em face da importância do advogado nesse processo. [2]

A observação da conduta moral da humanidade ao longo do tempo revela um processo de progressiva interiorização: existe uma clara evolução, que vai da aprovação ou reprovação de ações externas e suas conseqüências à aprovação ou reprovação das intenções que servem de base para essas ações.

A ética sempre esteve ligada a fundamentos de religião. Coube a Protágoras romper o vínculo entre moralidade e religião. Para Protágoras, os fundamentos de um sistema ético dispensam os deuses e qualquer força metafísica, estranha ao mundo percebido pelos sentidos.

Sócrates, que alguns consideram fundador da ética, defendeu uma moralidade autônoma, independente da religião e exclusivamente fundada na razão, ou no logos. Atribuiu ao estado um papel fundamental na manutenção dos valores morais, a ponto de subordinar a ele até mesmo a autoridade do pai e da mãe. Platão, apoiado na teoria das idéias transcendentes e imutáveis, deu continuidade à ética socrática: a verdadeira virtude provém do verdadeiro saber, mas o verdadeiro saber é só o saber das idéias.

A ética normativa pode ser concebida como pesquisa destinada a estabelecer e defender como válido ou verdadeiro um conjunto completo e simplificado de princípios éticos gerais e também outros princípios menos gerais, importantes para conferir uma base ética às instituições humanas mais relevantes.

Desde a época em que Galileu afirmou que a Terra não é o centro do universo, desafiando os postulados ético-religiosos da cristandade medieval, são comuns os conflitos éticos gerados pelo progresso da ciência, especialmente nas sociedades industrializadas do século XX. Não só o direito, mas a medicina, a engenharia genética e outras ciências se deparam a cada passo com problemas éticos. Em outro campo da atividade humana, a prática política antiética tem sido responsável por comoções e crises sem precedentes em países de todas as latitudes. Particularmente, no campo político-partidário o Brasil se vê mergulhado na pior crise de seus representantes no Congresso Nacional. Com raras exceções, hoje políticos não servem de exemplo para a juventude que irá um dia tomar conta deste país.

Na área advocatícia não é diferente. Os tribunais de ética são chamados constantemente a decidir conflitos administrativos envolvendo principalmente excesso na contratação de honorários. Afinal, seria ético um contrato estabelecendo que o advogado, no caso de êxito na demanda, venha receber 30, 40 ou 50% do que tocar ao seu constituinte, afora a verba de sucumbência, ou seja, afora a condenação da parte contrária em honorários?

O padrão ético-moral da nossa sociedade sempre aceitou a contratação de até 20% do valor auferido pelo cliente. Isso decorre do princípio que inspirou o legislador do Código de Processo Civil de 1973 [3], no seu nascedouro, que trazia no § 3º do art. 20 a assertiva de que os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Esse dispositivo, no entanto, sofreu forte abalo pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que deu nova redação ao § 4º do mesmo artigo 20, dispondo que nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior, ou seja, do parágrafo terceiro. Com isso, a assertiva de que os honorários seriam fixados entre o mínimo de 10 e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, ruiu no início de 1995, tendo ficado ao alvedrio do julgador a fixação dos honorários da sucumbência.

A abordagem maior destas linhas, no entanto, é a contratação e não a fixação de honorários pelo órgão jurisdicional.

Inquestionável que a atividade judicial do advogado não visa – apenas ou primariamente – à satisfação de interesses privados, mas à realização da justiça, finalidade última de todo o processo litigioso. [4]

Há casos de absoluta peculiaridade. Depara-se muitas vezes o profissional com pessoas que têm interesse em exercer pretensão em juízo, para obtenção de direito pessoal ou real, sem, no entanto, dispor de qualquer numerário para custear a demanda. Nesse caso se predispõe o titular do direito postulatório em arcar com todas as despesas da demanda, como, por exemplo, custas processuais, viagens, cumprimento de precatórias, preparo etc. Afinal, inobstante o exaustivo trabalho da Defensoria Pública, ainda há o hipossuficiente que necessita de recursos até para se locomover. Surge então o advogado que se sujeita a esse préstimo.

Em caso tais, se justificável cobrar acima de 20% de honorários sobre o valor auferido na demanda, forçoso convir ou reconhecer verdadeiro excesso, pra não dizer abuso, se tais honorários contratuais forem contratados além de 30%. Afinal, injustificável que o cliente destine ao advogado quase que um terço do valor obtido na demanda, notadamente quando ele, advogado, teria sido beneficiado pela sucumbência.

Revelam-se, portanto, abusivos os honorários advocatícios contratuais estabelecidos além de 30% (trinta por cento) do benefício porventura auferido pelo cliente na demanda, sendo tolerável a estipulação contratual entre 20 e 30%, quando tiver o advogado de arcar com despesas totais para a execução do serviço, até porque, afora os honorários contratuais, traz sempre os contratos a ressalva de que os honorários da sucumbência devam reverter, também, ao advogado contratado, independentemente dos honorários pactuados.

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Essa argumentação, feita com o propósito de suscitar e contribuir para um debate maior, contou com os julgados do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e do nosso Conselho Federal.

Alguns julgados do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP:

"Em contratos com pacto "quota litis"ou ad exitum, com despesas processuais suportadas pelo próprio advogado, 30% (trinta por cento) não representam imoderação, dada a dificuldade dos serviços prestados, a duração da lide em cerca de 3 (três) anos, mais as despesas processuais suportadas pelo próprio profissional". (Processo E-1.577/97, Rel. Geraldo José Guimarães da Silva, unânime, 18.09.97).

"Não comete infração ética o advogado que, em ação previdenciária, contrata honorários de 30% sobre o provento do cliente, suportando as despesas judiciais, com recebimento da contraprestação condicionado ao sucesso do feito. Recomenda-se que a contratação seja feita por escrito, contendo todas as especificações e forma de pagamento, atendendo-se ao prescrito pelo art. 36 do CED". (Processo E-1784/98, Rel. Ricardo Garrido Júnior, unânime, 11.02.92).

Julgados do Conselho Federal, reconhecendo abusividade:

"Constitui violação disciplinar punível com pena de suspensão o advogado que, em Contrato escrito para recebimento de seguro via alvará, fixa seus honorários em 50% do valor do seguro". (Recurso nº 008/2004/SCA-MG, Rel. José de Albuquerque Rocha (CE), Ementa 034/2004/SCA, J: 05/04/2004, unânime, DJ 12/05/2004, p.544, S1).

"Comete infração disciplinar o advogado que cobra de cliente, em reclamação trabalhista, honorários equivalentes a 43% (quarenta e três por cento) do valor da condenação. Não cabe à Ordem dos Advogados do Brasil apreciar, em processo disciplinar, a validade de contratos de honorários, mas apenas a sua adequação aos preceitos éticos que devem pautar a conduta dos advogados. A cobrança abusiva de honorários advocatícios configura violação ao artigo 36 do Código de Ética e Disciplina da OAB. Recurso conhecido e parcialmente provido". (Recurso nº 0022/2003/SCA-SP, Rel. Ulisses César Martins de Sousa (MA), Ementa 047/2004/SCA, J: 08/03/2004, unânime, DJ 16/06/2004, p.295, S1).

Na doutrina de PAULO LUIZ NETTO LÔBO, o direito aos honorários contratados não é ilimitado. Há limites postos pela ética e pela razoabilidade que não podem ser ultrapassados. Em qualquer circunstância, acrescenta o comentarista, o advogado deve estar advertido contra a tentação aética de se transformar em sócio, sucessor ou herdeiro do cliente. [5]


5. Formulação de uma proposta

Concluindo, sugere-se a seguinte ementa, como tolerável na contratação:

ADVOGADO. HONORÁRIOS. CONTRATAÇÃO. LIMITES ÉTICOS. BENEFÍCIO AUFERIDO NA DEMANDA. RESSALVAS. Normal que se estabeleça em contrato o pagamento de honorários advocatícios de até 20% do valor ou benefício que venha o cliente auferir na demanda. Tolera-se, também, o estabelecimento de percentual entre 20 e 30%, quando tiver o advogado de arcar, por conta própria, com despesas processuais e extraprocessuais, como, por exemplo, custas, viagens, cumprimento de precatórias, recursos, preparos etc. Intolerável, porém, contratação superior a 30% do valor auferido, já que impertinente o repasse de quase 1/3 do benefício econômico ao contratado, o que hostiliza o artigo 36 do Código de Ética e Disciplina da OAB.


NOTAS

  1. Tratado de Responsabilidade Civil, 5 ed. São Paulo: RT, 2001, p.360/361
  2. Carlos Sebastião SILVA NINA, A Ordem dos Advogados do Brasil e o estado brasileiro, Brasília: Conselho Federal da OAB, 2001, p. 68/69.
  3. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973
  4. Fábio Konder COMPARATO, in A função do advogado na administração da justiça, RT 694/45, agosto, 1993.
  5. Comentários ao Estatuto da Advocacia, 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, p. 112.

BIBLIOGRAFIA

COMPARATO, Fábio Konder. A função do advogado na administração da justiça. São Paulo: RT, v.694, p.45, ago. 1993.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao estatuto da advocacia. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1996.

SILVA NINA, Carlos Sebastião. A Ordem dos Advogados do Brasil e o estado brasileiro. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2001.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil, 5 ed. São Paulo: RT, 2001

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Sobre o autor
Luiz Tadeu Barbosa Silva

advogado, mestre em Direito pela UGF/RJ, professor da UNIGRAN em Dourados (MS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luiz Tadeu Barbosa. Limites éticos na contratação de honorários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1214, 28 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9095. Acesso em: 22 nov. 2024.

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