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Contratos internos e indexação pela variação cambial.

Evolução legislativa e uma solução viável

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05/11/2006 às 00:00

Resumo:


  • A legislação brasileira veda o pagamento em ouro ou moeda estrangeira em contratos internos, salvo exceções previstas em lei especial.

  • O Decreto-Lei nº 857/69 estabelece o curso forçado da moeda nacional, obrigando a aceitação da moeda corrente no país como forma de pagamento.

  • O artigo 318 do Código Civil de 2002 proíbe a estipulação de pagamentos em moeda estrangeira e a indexação da dívida pela variação cambial, exceto em casos previstos em legislação especial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Com as leis regulamentadoras do Plano Real e com o art. 318 do novo Código Civil, a indexação de dívidas pela variação cambial foi equiparada, de certa forma, à estipulação de pagamento em moeda estrangeira.

1 – INTRODUÇÃO

Pouco se tem discutido, talvez pela falsa conclusão de que se trata de matéria superada pela doutrina e jurisprudência pátrias, sobre a possibilidade de se estabelecer, em contratos internos, cláusula de indexação da dívida pela variação cambial de moeda estrangeira. A sensação de esgotamento do tema pode se justificar, talvez, pelas interpretações surgidas, principalmente em âmbito jurisprudencial, acerca da possibilidade de se estipular pagamentos em moeda que não seja a nacional, desde que sejam liquidados pelo equivalente em moeda corrente.

É certo que a estipulação de pagamento em moeda estrangeira enfrenta tradicionalmente forte resistência na legislação brasileira, mormente por ser a moeda uma das formas de expressão da soberania nacional. Portanto, é uma das razões pelas quais o legislador estabeleceu o chamado curso forçado da moeda nacional, ressalvadas algumas hipóteses excepcionais, expressamente determinadas pela legislação especial.

Ocorre que a previsão de pagamento em moeda estrangeira e a indexação da dívida em obediência a sua variação cambial são noções distintas que, além de acarretar conseqüências práticas evidentemente diversas, são tratadas de modo específico pela legislação nacional. Enquanto na primeira poder-se-ia falar em restrição ao fluxo da moeda nacional, no segundo caso não se pode afirmar o mesmo, já que a simples indexação pela variação cambial não limita ou obstrui o uso da moeda em curso no país.

Em outros termos, o devedor realizará o pagamento em moeda nacional, observado o valor da variação cambial de certa moeda estrangeira. Sua cotação será utilizada pelos contratantes como indexador, de forma que as prestações contratuais sejam atualizadas, a fim de que correspondam aos valores históricos estipulados pelas partes.

Pode-se afirmar, com certa segurança, que até o advento do Decreto nº 23.501/33 e, posteriormente, da Lei 10.192/01, a legislação brasileira consagrava a liberdade de se pactuar o pagamento em moeda corrente, observada a variação cambial de alguma moeda estrangeira, salvo algumas exceções. Era o que previam os §§ 1º e 2º do então vigente Código Civil de 1916, revogados pela Lei supra citada.

Todavia, com a edição das leis regulamentadoras do Plano Real, dentre elas a Lei 10.192/01 e, ainda, com a redação do novel art. 318 do Código Civil, a indexação de dívidas pela variação cambial foi equiparada, de certa forma, à estipulação de pagamento em moeda estrangeira que, como será abordado, tem sido autorizada pelo legislador somente em casos específicos.

Diante desse cenário, urge saber sobre o tratamento dado pela legislação nacional para os casos em que se pactua, em contratos internos que envolvam obrigações pecuniárias, a indexação dos valores pela variação cambial de moeda estrangeira, mormente diante da incontestável vedação de estipulação de pagamento em dinheiro que não seja aquele em curso no país. Finalmente, em face das conclusões encontradas, pretende-se abordar alternativas para os contratantes que necessitam atrelar seus contratos à taxa de câmbio.

É, pois, o que se pretende examinar no presente estudo.


2 – CLÁUSULA-OURO, CURSO LEGAL E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL

Os contratantes têm buscado, no transcorrer dos séculos, uma fórmula pela qual fosse possível amenizar os efeitos maléficos decorrentes da desvalorização da moeda. Com tal finalidade, uma das saídas encontradas foi a estipulação de cláusulas que fixassem o pagamento em certa quantidade de ouro, metais preciosos, ou mesmo em determinada espécie de moeda estrangeira que, naturalmente, fosse mais forte que a nacional.

Por óbvio, a necessidade de se buscar tais mecanismos de proteção sempre surgiu em países de economia inflacionária, em que o poder de compra da moeda se modifica rapidamente, de forma que o credor não receba, na época do vencimento da obrigação, valor menor que o pactuado, embora o montante nominal acertado seja o mesmo.

Surgem, então, as primeiras cláusulas monetárias que, em direção contrária ao principio do nominalismo monetário, buscavam conservar no tempo o valor real da dívida, mediante alteração de sua expressão nominal.

Entretanto, em função do crescente intervencionismo estatal na economia, constatado principalmente a partir da década de 30, o desenvolvimento das chamadas cláusulas monetárias passou a ser historicamente ligado ao surgimento, em diversos paises, do curso forçado da moeda. A estipulação de pagamento em ouro ou moeda estrangeira, embora prática corriqueira, passou a ser vista não só como forte ameaça à estabilidade da moeda interna mas, também, grave afronta à soberania nacional.

Vigorava até então no Brasil o art. 431 do Código Comercial de 1850 que, em sua redação original, dispunha ser cabível às partes estipular qualquer pagamento mediante certa espécie de moeda, nacional ou estrangeira. Era licita, portanto, a chamada cláusula-ouro, ou pagamento em moeda estrangeira.

Por seu turno, o art. 947 do Código Civil de 1916, assim estabelecia:

"Art. 947. O pagamento em dinheiro, sem determinação da espécie, far-se-á em moeda corrente no lugar do cumprimento da obrigação.

§1º É, porém, licito às partes estipular que se efetue em certa e determinada espécie de moeda, nacional ou estrangeira.

§2º O devedor, no caso do parágrafo antecedente, pode, entretanto, optar entre o pagamento na espécie designada no titulo e o seu equivalente em moeda corrente no lugar da prestação, ao câmbio do dia do vencimento. Não havendo cotação nesse dia, prevalecerá a imediatamente anterior.

§3º quando o devedor incorrer em mora e o ágio tiver variado entre a data do vencimento e a do pagamento, o credor pode optar por um deles, não se havendo estipulado câmbio fixo.

§4º Se a cotação variou no mesmo dia, tomar-se-á por base a média do mercado nessa data.

Percebe-se, dessa forma, que a legislação brasileira consagrava o princípio individualista da autonomia da vontade, respeitando, conseqüentemente, a liberdade de se estipular o pagamento em moeda estrangeira, reservando ao devedor, porém, a faculdade de efetuar o pagamento em moeda nacional, observada a variação cambial.

Entretanto, conforme narra ARMANDO ALVARES GARCIA JÚNIOR [01], em sua obra Contratos Dolarizados no Direito Brasileiro:

"A liberalidade do regime preconizado pelos Códigos Civil e Comercial sofreu, todavia, em decorrência da instituição do curso forçado da moeda nacional, um violento golpe. A instituição do curso forçado da moeda nacional é um fenômeno verificado em diversos países, de sorte que se poderá considerá-lo reflexo da própria evolução geral dos sistemas monetários.

O primeiro golpe desfechado contra o sistema liberal até então vigente adveio com o Decreto n. 21.316, de 25 de abril de 1932, que proibiu as contas correntes em moeda estrangeira nos estabelecimentos bancários nacionais.

O segundo golpe, letal, adveio pouco tempo depois, com o Decreto n. 23.501, de 27 de novembro de 1933, (...)"

De fato, o Decreto nº 23.501/33, composto tão-somente de três artigos, se ocupou unicamente de vetar, sob pena de nulidade, qualquer disposição contratual que estipulasse pagamentos em ouro ou moeda diversa daquela em curso no país. O texto legal foi editado nos seguintes termos:

"Art. 1º É nula qualquer estipulação de pagamento em ouro, ou em determinada espécie de moeda, ou por qualquer meio tendente a recusar ou restringir, nos seus efeitos, o curso forçado do mil réis papel.

Art. 2º A partir da publicação dêste decreto, é vedada, sob pena de nulidade, nos contratos exeqüíveis no Brasil, a estipulação de pagamento em moeda que não seja a corrente, pelo seu valor legal.

Art. 3º O presente decreto entrará em vigor na data de sua publicação, devendo seu texto ser transmitido aos interventores para publicação imediata, revogadas as disposições em contrário, incluídas as de caráter constitucional."

Em um dos onze "considerandos" previstos no Decreto, o próprio legislador reconhecia seu caráter transitório, na medida em que afastava a coexistência do curso forçado e o §1º do artigo 947 do Código Civil de 1916, considerado pelo próprio texto como "disposição geral destinada à perpetuidade". Todavia, apesar da previsão expressa no próprio diploma legal, é óbvio que a norma de 1933 revogou a disposição prevista no codex Civil, que somente por nova regulamentação poderia ser repristinada.

Estava instituído no Brasil, portanto, o chamado curso forçado da moeda nacional, sendo vedada, sob pena de nulidade, qualquer estipulação contratual em contrário. Apesar de se dizer regra de natureza transitória, o Decreto nº 23.501/33 permaneceu em pleno vigor até o final da década de 60, época em que foram editados alguns normativos destinados a atenuar a rigidez do sistema criado pela norma de 1933.

Surgiu então, em 11 de setembro de 1969, o Decreto-Lei nº 857 que, além de revogar expressamente o Decreto 23.501/33, estabeleceu uma reformulação no regramento sobre moeda de pagamento, que de certa forma estava diluído em várias normas legais. Dispunha em seu art. 1º que seriam "nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro".

Pela redação do artigo 2º, percebe-se que o DL estabelece uma compilação das regras restritivas anteriormente previstas em diversos diplomas normativos, o que por certo facilitou a interpretação por parte dos aplicadores do direito. Assim disciplina o art. 2º do Decreto-Lei 857/69:

"Art. 2º. Não se aplicam as disposições do artigo anterior:

I – aos contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias;

II – aos contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens de produção nacional, vendidos a crédito para o exterior;

III – aos contratos de compra e venda de cambio;

IV – aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional;

V – aos contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no País."

As regras dispostas no Decreto-Lei de 1969, tal como as exceções previstas no dispositivo supra transcrito, ainda permanecem em vigor. Aliás, foram ainda reforçadas com o advento da Lei 10.192/01 [02], nascida da conversão da MP 1.950-63/00, que disciplinava medidas complementares ao Plano Real. A legislação em destaque, além de avigorar o curso forçado da moeda nacional (Real), ressalvadas as exceções previstas no Decreto-Lei 857/69, proibiu o ajuste de "correção monetária expressas em, ou vinculadas a unidade monetária de conta de qualquer natureza" (art. 1º, parágrafo único, inciso II).

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O Código Civil de 2002 trata das obrigações pecuniárias em seus artigos 313 e seguintes. Como regra geral, o art. 315 estabelece que as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal. Reforçou, portanto, o princípio do nominalismo monetário, pelo qual o que prevalece é o valor estampado na moeda.

Todavia, como não poderia deixar de ser, os dispositivos seguintes trazem algumas exceções. É o caso, por exemplo, do art. 316, que prevê a possibilidade de se convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas. São as chamadas cláusulas de escala móvel, cuja finalidade é justamente tentar adequar a relação obrigacional à passagem do tempo.

Por fim, como conseqüência natural do que determina o art. 315, reflexo da evolução legislativa do curso forçado no Brasil, a norma do art. 318 do Código Civil contemporâneo veda, sob pena de nulidade, qualquer convenção de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira. É a letra do dispositivo supra citado:

"Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e a moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial".

Como visto, o Diploma Civil de 1916, de índole liberal, permitia o pagamento em moeda estrangeira (art. 947 e §§). Todavia, diante da adoção do curso forçado da moeda nacional, que surgiu com o revogado Decreto nº 23.501/33, passando pelo Decreto Lei nº 857/69, somente os pagamentos em moeda nacional têm efeito liberatório perante os contratantes.

É certo que não estaríamos diante de uma grande inovação normativa se a análise da norma em questão fosse restrita à primeira parte do dispositivo, já que retrata de forma simplória o curso legal da moeda nacional. Todavia, o artigo traz também a proibição das chamadas cláusulas de indexação em moeda estrangeira, convencionadas pelas partes para corrigir os contratos com base na variação cambial.

Portanto, a partir de janeiro de 2002, o Código Civil Brasileiro passa a conter norma expressa no sentido de proibir a estipulação de pagamentos em moeda que não seja aquela em curso no Brasil, bem como sua indexação pelo câmbio, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas em lei especial [03].


3 – MOEDA ESTRANGEIRA E CLÁUSULA INDEXATÓRIA

Pelo exposto, mormente diante das normas que hoje vigoram no país, as obrigações pecuniárias traduzem um quantum, sendo que a moeda será sempre o objeto da dívida, expressa em seu valor nominal. É o que estabelece o art. 315 do Novo Código Civil, ressalvadas as exceções expressamente previstas nos dispositivos subseqüentes.

Conforme bem esclarecem CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD, em Direito das Obrigações [04]:

"O art. 315 do CC/2002 abrange dois princípios que parecem opostos: primeiro, o do nominalismo monetário, significando que até o vencimento da prestação o risco da desvalorização da moeda recairá sobre o credor, pois o devedor pagará o valor ajustado no título, diante da obrigatoriedade do pactuado; segundo, o princípio do valorismo monetário ou da dívida de valor, pelo qual a atualização da prestação pecuniária é uma exigência de eqüidade e visa evitar o enriquecimento sem causa, preservando o valor real da moeda (art. 884 do CC). A teoria da dívida de valor não é expressa de forma clara no citado art. 315, mas evitando o desequilíbrio causado pelo nominalismo, a ela o dispositivo faz referencia na ressalva da parte final, `salvo o disposto nos artigos subseqüentes`, efetuando o reenvio da matéria ao art. 317 do Código Civil."

Diante da inflação que assolou nosso país por décadas, trazendo conseqüências devastadoras ao universo jurídico dos contratantes, surgiram teorias sobre as espécies de dívidas, mormente a distinção entre dívidas de dinheiro e dívidas de valor. Enquanto nas primeiras a obrigação se refere tão-somente ao seu valor nominal, ou seja, aquele impresso nas moedas e cédulas, as chamadas dívidas de valor representam o pagamento de certa soma correspondente a determinado montante. Nestas, portanto, a moeda não representa exatamente o conteúdo da dívida, mas uma simples medida de valor.

Sobre o princípio do nominalismo monetário no Brasil, afirma SÍLVIO DE SALVO VENOSA [05]:

"... o valor nominal de uma dívida, hoje, em nosso país, podemos assegurar, é meramente enunciativo. As várias formas de reavaliação das obrigações, quando estas linhas são escritas, numa inflação maior ou menor, joga por terra o conceito nominal da moeda e da obrigação em dinheiro. Existe uma flutuação do valor do dinheiro para a extinção da obrigação, sempre para mais, é claro, com base em diversos índices, oficiais, oficiosos e todos os mais que a inventividade própria das dificuldades pode imaginar."

Tida como regra de exceção ao princípio do nominalismo (art. 315 do NCC), o art. 316 diz ser lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas, a fim de que seja possível determinar as obrigações de acordo com índices do custo de vida, além da variação de preços e dos desgastes no poder de compra da moeda. A norma, como visto, permite que as prestações sejam revistas com base em índices previamente escolhidos pelos contratantes, observados, por óbvio, a função social dos contratos e, também, a boa-fé objetiva.

Todavia, tal permissivo não é recente, como também não são as diversas restrições estabelecidas pela legislação quanto à estipulação das chamadas cláusulas de escala móvel.

Após ter-se pacificado sobre a validade das cláusulas de correção monetária de obrigações pecuniárias, a primeira restrição legislativa surgiu em 1975, quando a Lei nº 6.025 proibiu a utilização do salário mínimo como indexador, vedação elevada a preceito constitucional em 1988 (art. 7º, IV).

Em 1977 editou-se importante norma relacionada à correção monetária no país. Num contexto em que imperava ainda o disposto no Decreto-Lei nº 857/69 que, como visto, consagrava o princípio do nominalismo monetário, é promulgada a Lei nº 6.423, que expressamente determinou como único índice de correção monetária a variação nominal da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional – ORTN.

Trata-se, como visto, de norma que veio excepcionar o nominalismo monetário no Brasil, mesmo que tenha previsto restrições à utilização das cláusulas de correção monetária, que deveriam utilizar, como único indexador, a oscilação da ORTN.

Inúmeras foram as legislações posteriores que estabeleceram regras sobre a utilização de índices de correção monetária no país, principalmente após a instituição de novos planos de estabilização econômica. Dentre as diversas normas, entre leis e decretos que trataram da matéria, a grande maioria, salvo raras e pontuais exceções, proibiram a utilização da variação cambial de moeda estrangeira como indexador.

Tais regramentos foram de certa forma sintetizados pela Lei 10.192/01 [06], também criada com o fito de regulamentar um novo Plano Econômico lançado pelo governo federal. Como de se esperar, estabeleceu o curso legal da nova moeda (o Real) e, pela primeira vez de forma incisiva, proibiu a correção monetária vinculada a unidade monetária de conta, excepcionados os contratos de exportação, importação, câmbio e leasing.

Por fim, com a regra disposta no art. 318 do Novo Código Civil, transcrito acima, o legislador nacional mais uma vez tratou de coibir a relação entre correção monetária e variação cambial, deixando a cargo de lei especial os casos excepcionais.


4 – INDEXAÇÃO PELA VARIAÇÃO CAMBIAL

Nota-se, portanto, que a vinculação de cláusulas de reajuste à taxa cambial nunca foi bem vista pela legislação brasileira, talvez pela falsa sensação de que poderia ser utilizada como forma de burlar o sistema de curso forçado em vigor no país. Desde o Código Comercial de 1850 e, mais recentemente, o art. 947 do Código Civil de 1916, nunca houve em nosso ordenamento uma lei que autorizasse sem ressalvas a correção das dívidas pecuniárias pela variação cambial de determinada moeda estrangeira.

É bom ressaltar, todavia, que a previsão de pagamento em moeda estrangeira não pode ser confundida, de forma alguma, com a indexação da dívida pela variação cambial de certa moeda estrangeira. Isto porque, conforme bem diferencia ARMANDO GARCIA JÚNIOR [07], "no primeiro caso, poder-se-ia falar em recusa ou restrição do curso legal de nossa moeda, não se podendo, todavia, afirmar-se o mesmo no segundo caso, pois é patente que tal tipo de pactuação não tem o condão de obstruir, recusando ou restringindo, a moeda nacional, que continua em seu curso."

Como bem lembra o autor, tal vedação não encontra fundamento no princípio do nominalismo monetário, tampouco no curso forçado da moeda nacional, já que não haverá recusa ou restrição quanto ao seu curso legal, posto ser justamente nessa moeda que o pagamento será realizado, observada a oscilação da moeda estrangeira.

É certo que o que sempre orientou o legislador nacional, desde o Decreto 23.501/33, foi a proteção ao curso forçado da moeda nacional, ou seja, somente o pagamento feito em moeda corrente poderia liberar o devedor da dívida, vedada a utilização de qualquer outra espécie monetária estrangeira. Não é outra a conclusão tirada de um dos considerandos que antecedem o texto do Decreto de 1933 [08]:

Portanto, as legislações nacionais sobre o tema sempre tiveram como fundamento o princípio de que a moeda corrente no país deve ser obrigatoriamente aceita pelo credor, não se podendo convencionar pagamento que impeça o seu uso ou que cerceie o seu poder liberatório.

Tendo tal constatação como base, não ofende quaisquer dos princípios supra mencionados a pactuação de pagamento em moeda nacional, observado, como forma de correção do seu valor nominal, a variação cambial de certa moeda estrangeira. Ou seja, o devedor pagará na moeda corrente, tendo-se como parâmetro a taxa cambial do dia do pagamento.

Não é outro o entendimento hoje pacífico no Superior Tribunal de Justiça, que admite a indexação de contratos nacionais em moeda estrangeira, desde que os pagamentos sejam realizados na moeda em curso no país. Vejamos os fundamentos do voto proferido pelo ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, no julgamento do REsp n. 119.773-RS (DJ 15/3/1999):

"O Decreto-Lei nº 857/69 consolidou, por seu artigo 1º, o curso forçado da moeda nacional, o que significa, em metáfrase ao mestre Caio Mário da Silva Pereira, que o real deve ser obrigatoriamente aceito pelo credor, não se podendo convencionar pagamento que impeça o seu uso ou que cerceie o seu poder liberatório.

Na hipótese em exame, o dólar americano foi tomado como parâmetro de mera atualização monetária, não havendo imposição contratual de que a liquidação da obrigação devesse ocorrer em dólar. A consignação, por parte da autora, deu-se em moeda nacional, na correspondência que entendeu devida com a moeda estrangeira."

Na esteira do mesmo entendimento, vieram os seguintes julgados:

"CIVIL. OBRIGAÇÕES. INDEXAÇÃO EM MOEDA ESTRANGEIRA.

A moeda estrangeira não pode ser adotada como meio de pagamento, mas serve como indexador. Recurso especial não conhecido." REsp n. 239.238-RS(DJ 1/8/2000), relator o Ministro Ari Pargendler.

"EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. VALOR EXPRESSO EM MOEDA ESTRANGEIRA. COBRANÇA EM REAL. LEGALIDADE. - Legítimo é o pacto celebrado em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional. Precedentes. Recurso especial não conhecido" REsp n. 209.295-PB (DJ 26/8/2002), relator Ministro Barros Monteiro.

"Em muitas decisões, esta Corte tem admitido a contratação em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja efetuado mediante a devida conversão em moeda nacional". REsp n. 397.398-SP (DJ 24/2/2003), da relatoria do Ministro Menezes Direito.

Mais recentemente, também da relatoria do eminente Sálvio de Figueiredo, o AgRg no REsp 466.801/RJ (DJ 29/9/2003), assim ementado:

"CIVIL. CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITO DE IMAGEM. CLUBE DE FUTEBOL.ATLETA PROFISSIONAL. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE ATRELA A CORREÇÃO MONETÁRIA À VARIAÇÃO CAMBIAL DE MOEDA ESTRANGEIRA. PAGAMENTO EFETUADO EM MOEDA NACIONAL, COM BASE NA COTAÇÃO DE CÂMBIO. LEGALIDADE. DECRETO-LEI N. 857/69, ART. 1º. EXEGESE. PRECEDENTES.AGRAVO DESPROVIDO.

- Na linha dos precedentes deste Tribunal, é válida a contratação em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja efetuado mediante a devida conversão em moeda nacional."

É bom ressaltar, todavia, que nenhum dos julgamentos citados tem como fundamento a regra contida no art. 318 do Código Civil de 2002 [09], e sequer fazem menção ao seu conteúdo. Portanto, a despeito de se fundarem em preceitos corretos, não levam em conta o novel dispositivo do codex Civil que, sem sombra de dúvida, veda não somente a estipulação de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira como, também, qualquer vinculação de cláusula de reajuste à variação cambial.

Portanto, ressalvadas as hipóteses previstas na legislação especial, a exemplo do que ocorre com os contratos ligados ao comércio exterior, são nulas as convenções privadas que estipulem, em contratos internos, pagamento que não seja em moeda nacional e, também, correção monetária em observância à taxa cambial de certa moeda estrangeira.

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Sobre o autor
Guilherme Silva Freitas

advogado em Belo Horizonte (MG), especialista em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Guilherme Silva. Contratos internos e indexação pela variação cambial.: Evolução legislativa e uma solução viável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1222, 5 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9130. Acesso em: 23 dez. 2024.

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