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O prazo decadencial e a decisão judicial impeditiva de lançamento

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Inexistem dúvidas de que o surgimento do direito está atrelado à necessidade do homem e a mantença social. O que antes era barbárie, resolvendo-se os conflitos pela autotutela1, isto é, a defesa pelas próprias mãos, normalmente com a vitória dos mais poderosos, pela força, evoluiu, passando ao Estado-juiz o atributo resolutório das pendengas, na busca pelo equilíbrio, da eqüidade.

Pois bem, como a natureza humana normalmente é inconformada quando seu interesse é atingido, necessária a imposição, a aplicação de sanções por quem de direito, para que esse desiderato, as decisões judiciais que visam a pacificação, seja alcançado. Aliás, bem disse o Ministro Mário Guimarães que a "função de julgar é tão antiga como a própria sociedade. Em todo aglomerado humano, por primitivo que seja, o choque de paixões e de interesses provoca desavenças que hão de ser dirimidas por alguém."2

Por isso mesmo que o Judiciário também é Poder3, que significa independência para dizer e realizar o direito, sem interferências estranhas, de modo a afirmar, substituindo-se à vontade das partes, e de modo cogente, qual a solução para eventuais conflitos de interesse. É dizer, "cada poder tem a sua própria área de atuação da qual decorre a regra segundo a qual a ele, e só a ele, compete dispor."4

Por sua vez, a reclamação por direitos, advindos da lei (lato sensu), não pode, sob pena de insegurança no seio social, perpetuar-se no tempo. Isto é, a mesma fonte normativa que estabelece regras, também haverá de ordenar o exercício dessas num período razoável. "Ultrapassados os chamados prazos extintivos do direito de ação, não se poderá, com razoabilidade, com justiça, mudar o quadro que o tempo já fez gerar uma situação jurídica definitiva. Desconstituir ato depois de ultrapassado tanto tempo seria uma suma injúria"5. Assim, "o direito, que, por determinação da lei ou da vontade do homem, já nasce subordinado à condição de exercício em limitado lapso de tempo"6 é objeto da decadência.

Considerações propedêuticas lançadas, passemos ao tema de fundo, qual seja, o início da contagem decadencial decorrente do impedimento do lançamento em virtude de comando emanado do Poder Judiciário.

Como já dissemos acima, a decadência está atrelada ao exercício de um direito garantido por lei, num determinado lapso temporal por ela fixado. Não é diferente no âmbito tributário.

Em artigo publicado na Revista Fórum de Direito Tributário, intitulado "Reflexões Contemporâneas sobre a Prescrição e Decadência em Matéria Tributária. Doutrina. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" o Min. José Delgado7 assevera:

O assunto em destaque, embora examinado, de modo aprofundado, pela doutrina brasileira e pelas decisões dos Tribunais, continua a despertar o interesse dos estudiosos pelo patamar divergente que tem alcançado nas conclusões firmadas a seu respeito. Urge, portanto, superar os conflitos detectados entre a aplicação da lei e os fatos que a ela são submetidos, adotando-se técnicas de interpretação vinculada a um determinado modelo de ponderação aliado a um sistema de proporcionalidade e justiça. (grifamos)

Antes de tudo, porém, recorremos aos ensinamentos de Eurico Marcos Diniz de Santi, citado pelo Min. Delgado8, para conceituar a decadência:

Decadência, ensina Caio Mário da Silva Pereira, `é o perecimento do direito, em razão do seu não-exercício em um prazo predeterminado.´A decadência é prescrita em norma jurídica. Toda norma apresenta estrutura hipotético-condicional. Decadência é a norma jurídica que tem como suposto o não-exercício de direito em um determinado lapso temporal (hipótese), e como conseqüência a extinção desse respectivo direito (tese). Dado o fato jurídico do não-exercício de dado direito no prazo de 5 anos, então, deve ser a extinção deste direito. No tocante à matéria sob enfoque, três são as formas em que a decadência pode operar: (i) sobre o direito subjetivo material do Fisco que diz respeito à `relação jurídica tributária efectual´a qual surge da ocorrência do fato jurídico tributário; (ii) sobre o direito subjetivo do Fisco (art. 142) realizar o `ato-norma administrativo de formalização do crédito tributário; (iii) sobre o direito subjetivo do Fisco constituir novo ato-norma de lançamento a partir do fato jurídico delineado pela decisão anulatória do lançamento anteriormente efetuado (art. 176, II).

Parece unânime que a decadência fulmina o direito, que na clássica lição de Agnelo Amorim Filho9 seriam "aqueles poderes que a lei confere a determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras, sem o concurso da vontade destas."

A Constituição de 1988 remeteu à lei complementar o trato da matéria, conforme se depreende do art. 146, III, "a". Bem é de ver que o CTN, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, publicada no DOU de 27 de outubro de 1966, foi recepcionada pela Constituição vigente como lei complementar, sendo, então, a norma disciplinadora da questão em debate. Francisco Alves dos Santos Junior10, em tese de mestrado, afirma que são três os dispositivos do CTN que tratam da decadência, relativamente aos atos da fazenda para a constituição do crédito tributário: art. 149, p. unc., 150, §4º e 173 e ss:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

...

Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

...

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento."

É comum o uso da expressão "O prazo de decadência não se interrompe e não se suspende"11. A colocação, contudo, não pode ser descrita com essa amplitude. Basta observar, por exemplo, a colocação de Francisco Alves dos Santos Junior, ao apontar que:

Advirta-se, inicialmente, que nas operações em que a Lei autoriza o diferimento ou a suspensão do tributo, onde ocorre o fato gerador, mas o lançamento e exigência do tributo é adiada para operação futura, em face desse obstáculo legal impede-se o início da fluência do prazo de decadência.12

Mas esse não é o caso. A questão é: quando há determinação judicial impedindo o FISCO de efetuar o lançamento, e essa ordem, a posteriori, vem a ser desfeita, quer seja por sucumbência recursal, quer seja por reconsideração do juízo, quer seja via ação rescisória, teria aquele mandamento o condão de interromper ou suspender o prazo decadencial?

A questão é complexa. Mister apontar que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que "Com a lavratura do auto de infração, consuma-se o lançamento do crédito tributário (art. 14213 do C.T.N.)"14. Como atesta Roque Antônio Carraza, "...a Fazenda Pública, constatando o inadimplemento do contribuinte, pode lavrar o auto de infração, no qual ratificará direitos tributários que já deveriam ter sido satisfeitos pelo devedor, a eles acrescentando as penalidades cabíveis, por não ter havido o pagamento a tempo e a hora."15

Ora, se há ordem advinda do Poder Judiciário proibindo a lavratura de auto de infração (que evitaria o instituto da decadência), mesmo sendo certo que essa ordem é contra legem, poderá o FISCO descumpri-la? Parece que não, até por que o agente que assim o fizer sujeitar-se-á ao crime descrito no art.330 do Código Penal:

Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa

Recorremos mais uma vez a de Francisco Alves dos Santos Junior:

Atualmente, não há divergência na doutrina, tampouco na jurisprudência: a decadência também não sofre suspensão no Direito Tributário.

Também não há, no campo do Direito Tributário do Brasil, regra no direito positivo instituidora da suspensão da fluência do prazo decadencial.

Erra o Juiz que concede liminar suspendendo a tramitação de processo administrativo tendente a concretizar o lançamento, porque o CTN, no seu art. 151, inciso III, permite apenas a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, pressupondo pois que o tributo já tenha sido lançado, isto é, seja exigível, quando então não mais flui prazo de decadência, mas sim de prescrição.

Portanto, o Juiz pode apenas suspender a exigibilidade do crédito tributário (já lançado), nunca a realização do respectivo lançamento.

No XII Congresso Brasileiro de Direito Tributário, promovido pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET, ocorrido na cidade de São Paulo, no período de 18 a 20 de novembro de 1998, este assunto foi levantado por um dos participantes, que não se identificou e dirigiu ao Prof. ESTEVÃO HORVATH, membro da Mesa, a seguinte pergunta:

‘Muitas empresas impetraram mandado de segurança e obtiveram liminares para não pagar impostos. Ao final, das demandas que estavam vencidas, a Fazenda Nacional buscou obter os pagamentos respectivos. As empresas vêm alegando decadência do direito e a Fazenda já não mais poderia fazer o lançamento tributário.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por sua Desembargadora Dra. Lúcia Figueiredo, vem considerando imoral tal alegação, ao contrário do Dr. Andrade Martins, que entende que liminar em mandado de segurança não impede o lançamento, mas tão somente a cobrança de imposto. Qual o entendimento deverá prevalecer.’

Mencionado Professor respondeu que o Advogado que assim age pratica uma ‘desfaçatez’, mas que, como a Fazenda Pública estaria impedida de realizar o lançamento, não fluiria o prazo decadencial. No entanto, por cautela, continuou, seria conveniente que fizesse o lançamento, mesmo antes do término do processo judicial.

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(...)

Todavia, se o Administrador Tributário, talvez por desconhecer esse detalhe do direito tributário positivo, não concretizar o lançamento enquanto tramita o Mandado de Segurança, não me parece moralmente correto, como alegou a Desembargadora LÚCIA FIGUEIREDO, que o Contribuinte, vencido no mandado de segurança, quando cobrado também judicialmente pela Fazenda Pública, venha invocar a decadência do direito potestativo de lançar o crédito tributário, e menos moralmente aceitável ainda é o magistrado acolher pleito dessa natureza.16

Para os defensores da impossibilidade de que a decadência possa vir a ser afetada em seu curso (em tese) natural, parece claro a inspiração impositiva, de que isso é assim e pronto. Mas e o porquê? Donde vem a determinação da existência de direitos absolutos? Não vem porque não há.17

O homem evolui e o direito precisa acompanhar essa evolução, sob pena de engendrar-se em conceitos arcaicos, vetustos, que pararam no tempo. Necessário, pois, que se busque a otimização para os fins do ideal da justiça. "O alcance de um patamar de tal nível, no círculo da aplicação do Direito, envolve a valorização que há de ser dada aos princípios em confronto com as regras jurídicas"18. Aliás, "O movimento circular da relação intérprete-texto não objetiva reconstruir a intenção histórica do legislador, mas renovar a efetividade histórica do texto em relação à nova situação diante da qual se desenvolve a interpretação. O intérprete não busca confirmar a pré-compreensão antes formulada, mas tão-somente efetuar um contraste crítico entre esta e o conjunto de possibilidades contidas no texto."19

Sacha Calmon Navarro Coêlho20 assevera que "... se o Poder Judiciário proíbe a prática do ato administrativo do lançamento, não há falar em preclusão, eis que o ato não é livre nem reside na disposição do agente, imobilizando reflexamente o fluir do lapso decadencial".

E a manifestação da doutrina não para por aí. Teori Albino Zavascki21, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, esgotou o tema em comento, apontando que o prazo decadencial, havendo decisão judicial impeditiva de lançamento, sequer começa a correr:

Suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais na vigência da liminar

É possível que entre a data da concessão da liminar e a da sua revogação tenha decorrido o prazo prescricional ou decadencial para o exercício de ação ou de direito fundado em norma cuja vigência fora suspensa e posteriormente restabelecida. Por exemplo, é possível que, entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto e a revogação da liminar na ação de controle concentrado, tenha transcorrido período de tempo superior ao previsto para o ajuizamento da ação rescisória. Terá o interessado, que se submeteu ao comando liminar, perdido o direito de promover a ação? Esta questão há que ser examinada e resolvida à luz do princípio, acima anotado, do não-prejuízo a quem obedeceu a liminar, por força do qual devem ser asseguradas ao jurisdicionado, integralmente, todas as faculdades e pretensões que poderia ter exercido não fosse o comando impeditivo da medida judicial. À luz de tal princípio, deve-se entender que o prazo para o ajuizamento da ação rescisória terá como termo inicial a data do trânsito em julgado, não da sentença do caso concreto, mas do acórdão ou da decisão que, na ação de controle concentrado, revogou a liminar.

Dir-se-á que se trata de prazo decadencial, não sujeito a suspensão ou interrupção. A objeção não procede. Não se pode ter por absoluta, como demonstrado em doutrina [MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, 4ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1974, tomo VI, p.141; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 14ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993, vol. I, p. 479, nota 23], a regra de que o prazo de decadência não comporta incidências que alterem o seu curso. A pendência de demanda judicial, por exemplo, é causa de interrupção não apenas dos prazos prescricionais (CPC, art. 219), mas igualmente dos prazos extintivos do direito (CPC, art. 220), nos quais se incluem, conforme a jurisprudência [STJ, REsp 1.450, 3ª Turma, Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 18.12.89, p. 18.475; REsp 50.363, 4ª Turma, Min. Torreão Braz, DJ de 21.11.94, p. 31.773; REsp 63.732, 1ª Turma, Min. César Asfor Rocha, DJ de 14.08.95, p. 23.993; REsp 63.751, 1ª Turma, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 02.10.95, p. 32.333; REsp 72.660, 1ª Turma, Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 05.02.96, p. 1.365; REsp 90.164, 6ª Turma, Min. Luiz Vicente Cernichiaro, DJ de 16.12.96, p. 50.970; REsp 11.106, 2ª Turma, Min. Adhemar Maciel, DJ de 10.11.97, p. 57.731; REsp 89.522, 2ª Turma, Min. Peçanha Martins, DJ de 25.02.98, p. 37], também os de natureza decadencial. Ora, regime jurídico semelhante não se poderia negar à situação aqui enfocada. Na verdade, a medida antecipatória deferida nas ações de controle concentrado importa a suspensão da eficácia do preceito normativo questionado, ou a imposição dela (o que significa, também, inibição da eficácia de eventual norma em sentido diferente). Ou seja, a liminar atua inclusive no plano da incidência da norma, inibindo, assim, não apenas o exercício dos direitos eventualmente sujeitos a prazos decadenciais, mas o próprio surgimento deles.

Suspensa a incidência, não tem sequer início o prazo (decadencial) para o exercício do direito. Por outro lado, quando a liminar for deferida após a incidência da norma objeto da ação, inibe-se o exercício de eventual direito daí decorrente, e, portanto, fica suspenso o curso do respectivo prazo decadencial. Assim, qualquer que seja a hipótese, não há como computar-se no prazo decadencial o período de vigência da liminar deferida na ação de controle concentrado. Daí afirmar-se que, nas situações acima enfocadas, o termo inicial do prazo para ajuizamento da ação rescisória é o do trânsito em julgado do acórdão que revogou a liminar.

A mesma solução é aplicável a todas as demais situações em que, no interregno de vigência da liminar revogada, tenha transcorrido período de tempo superior ao do prazo de prescrição ou de decadência. O princípio do não-prejuízo impõe que, com a revogação da liminar, haja reposição integral da situação jurídica de quem ficou submetido ao seu comando, inclusive no que se refere aos prazos para exercício dos direitos, das ações e das pretensões. Conseqüentemente, não se pode incluir no cômputo dos prazos de decadência ou de prescrição [STJ, REsp 158.004, 5ª Turma, Ministro José Dantas, DJ de 18.05.1998, com a seguinte ementa: "Administrativo. Ação. Prescrição. Em conta o princípio da actio nata e da modernidade do Direito, há de compreender-se ao lado do vetusto rol numerus clausus do art. 169 do Código Civil a causa suspensiva da prescrição da ação fundada na lei suspensa nos seus efeitos por liminar do Supremo Tribunal Federal, concedida em ação direta de inconstitucionalidade], inclusive os que tem o Fisco para efetuar o lançamento e a cobrança dos tributos, o período de vigência da liminar. Tais prazos somente terão início ou retomarão seu curso na data do trânsito em julgado do acórdão ou da decisão que, na ação de controle concentrado de constitucionalidade, tiver revogado a medida liminar. (grifamos)

Há que se ter em mente, ainda, a revolução hermenêutica21 por que passa a ordem jurídica brasileira, com a firmação do pós-positivismo, ou, o fortalecimento dos princípios na seara normativa. Pois bem, não mais se discute acerca da inclusão da razoabilidade no sistema Pátrio. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, em reiteradas oportunidades, vem fundamentando suas decisões com lastro nesse princípio22.

E a razoabilidade, deixando de lado o debate doutrinário envolvendo a temática com o princípio da proporcionalidade, nada mais significa do que método de interpretação de normas, ou, na afirmação de Helenilson Cunha Pontes, de que "constitui importante princípio de interpretação a nortear a atividade do intérprete do Direito, a fim de que sejam evitadas medidas arbitrárias, iníquas, insensatas ou socialmente inaceitáveis".23

Ora, foge ao razoável querer suscitar a decadência do direito de a Fazenda Pública efetuar lançamento de fato previsto em lei, quando impedida de tal desiderato.

Além dessas situações, mister atentar para as decisões do Judiciário que anulam o lançamento (auto de infração) por entenderem que estão desrespeitando julgado existente. Citamos como exemplo o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da Paraíba:

REMESSA OFICIAL - AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL - DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO QUE AUTORIZAVA O NÃO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO - EXISTÊNCIA - AUTO DE INFRAÇÃO - LAVRATURA - ILEGALIDADE ANULAÇÃO - MANUTENÇÃO - DESPROVIMENTO. A existência de decisão judicial, que autorizava a empresa a não recolher o ICMS, na modalidade da substituição tributária, torna nulo de pleno direito aos autos de infração lavrados pelo Fisco Estadual sob este fundamento, posto que o desprezo de desiderato judicial é ato de inaceitável extrapolação de competência, que fere o Princípio da Legalidade. (REMESSA "EX-OFFICIO Nº 888.2000.0061, Relator: DES. MARCOS ANTONIO SOUTO MAIOR, Data Julgamento: 26/4/2001, Data de Publicação: 9/5/2001, Órgão Julgador: 1ª CAMARA CIVEL) (destaque nosso)

Bem é de ver que o Judiciário Paraibano expungiu do cenário jurídico o lançamento de ofício efetuado, afirmando que o ato administrativo fiscal transbordou a legalidade e desprezou "o desiderato judicial". Ora, se o próprio Judiciário anulou o auto de infração, que teria o poder de evitar a decadência, como ficará a situação no caso de ser esse acórdão desconstituído? Parece claro que também aqui valerá a regra traçada pelo Min. Teori, ou seja, de que "inibe-se o exercício de eventual direito daí decorrente, e, portanto, fica suspenso o curso do respectivo prazo decadencial". Noutros termos, se a pretensão formulada na ação for atendida pela Corte, atribuindo direito ao promovente, e esta transitar em julgado, em havendo ação rescisória, que venha a desconstituir julgado anterior, proferindo novo julgamento em desfavor do beneficiado na ação, ter-se-á como suspenso o prazo decadencial, recomeçando a contagem a partir da nova decisão.

Isto posto, diante das sólidas considerações acima expendidas, não temos receio de afirmar que o início do prazo para a contagem do prazo decadencial, na hipótese de existência de ordem judicial impeditiva de tal fim, se dará no exato momento de outra ordem judicial posterior (desde que tenha eficácia imediata), que desqualifique a primeira.

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Sobre o autor
Carlos Eugênio Barreto Alves Rocha

Auditor da Receita do Estado da Paraíba, Bacharel em Direito pelo IESP/PB, Bacharel em Ciências Contábeis pela UFS, Especialista em Auditoria fiscal-contábil pela UFPB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Carlos Eugênio Barreto Alves. O prazo decadencial e a decisão judicial impeditiva de lançamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1225, 8 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9146. Acesso em: 5 nov. 2024.

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