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Não incidência da COFINS sobre as sociedades civis (sociedades simples):

breve digressão sobre o recente posicionamento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça e da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal

09/11/2006 às 00:00
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A edição da Lei nº 9.430/96 alterou substancialmente o artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91, que isentava as então sociedades civis do recolhimento da COFINS, desde que presentes certos requisitos.

Tendo em vista a grande discussão em torno da matéria acerca da impossibilidade de lei ordinária vir a alterar lei complementar, consubstanciado no princípio da hierarquia das leis, diversas demandas judiciais foram impetradas desde então.

Tantos foram os reiterados julgamentos proferidos pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça que houve por fim a consolidação do entendimento jurisprudencial acerca do assunto.

Nestes termos, a 1ª Seção dessa Corte em 14 de maio de 2003, acabou por editar a Súmula nº 276, que tem a seguinte dicção: "as sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da COFINS, irrelevante o regime tributário adotado".

Esse posicionamento teve como precedentes os seguintes julgados: AgRG no RESP nº 226386/PR, AgRg no RESP nº 297461/PR, AgRG no RESP nº 422342/RS, AgRG no RESP nº 422741/MG, RESP nº 221710/RJ, RESP nº 227939/SC, RESP nº 260960/RS.

Neste viés, a partir deste momento as Turmas de Direito Público passaram a adotar a retro mencionada Súmula às situações que plenamente nela se enquadravam.

Apesar da matéria apresentar-se controvertida no âmbitos dos e. Tribunais regionais, era quase certo que o julgamento proferido pelo C. STJ seria favorável às sociedades civis (sociedades simples) que se coadunavam com o texto inserto na dita Súmula.

Frise-se que apenas a minoria dos recursos que lá chegavam não eram conhecidos sob o prisma de fundamentação constitucional no v. acórdão recorrido. À guisa de exemplo, tem-se o RESP nº 734437/RJ.

No entanto, o posicionamento da 2ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça mudou há aproximadamente sete meses. Agora, passou-se a entender que a questão tem contornos eminentemente constitucionais e, portanto, os recursos que lá são analisados sequer merecem ser conhecidos.

Isto é facilmente constatável a partir da análise das seguintes r. decisões: RESP nº 769172/PR, RESP nº 804337/PR, RESP nº 380457/RS, RESP nº 794607/PR, RESP nº 736388/SP, RESP nº 778814/RS, RESP nº 761506/PR, RESP nº 738996/SP e AgRg no RESP nº 740954/MG.

Assim, a situação inverteu-se e raríssimos são os casos conhecidos em que efetivamente há aplicação da Súmula aqui em comento.

Com efeito, vê-se que essa situação colide frontalmente com o princípio da segurança jurídica. Ora, sabe-se que a atual Carta Magna não o contempla expressamente, ao contrário das Constituições portuguesa e espanhola. No entanto, é cediço que a moderna doutrina e jurisprudências pátrias já o consagraram até como um sobreprincípio que deve nortear todos os meandros das relações jurídicas.

Cabe aqui ainda trazer à colação a posição externada pelo Ministro Humberto Gomes de Barros no voto-vista proferido no AgRg no RESP nº 382736/SJ e trazido à tona pela debatedora Heloísa Guarita de Souza no dia 28 de abril do corrente ano, no II Congresso Internacional de Direito Tributário do Paraná em mesa de debate que contava com a presença da eminente Ministra Denise Arruda e Ministros José Delgado e Ministro João Otávio de Noronha, todos integrantes das Turmas de Direito Público do C. STJ: "O fundamento da pretensão revocatória da Súmula é o de que o Supremo Tribunal Federal teria declarado que a Lei Complementar nº 70/91, embora formalmente complementar, substancialmente, seria lei ordinária, suscetível de revogação sem o quorum especial, necessário à criação de nova lei complementar. O tema é a âncora - como está na moda dizer – daqueles que entendem que a nossa Súmula foi infeliz. Colaborei na formação da Súmula. Continuo, data vênia, convicto de que agimos acertadamente, ao sumular o tema. Meditei sobre o tema, e consolidei minha certeza de que o tema é de nossa alçada. O próprio Supremo Tribunal Federal proclamou que o conflito entre lei ordinária e lei complementar trava-se no plano da infraconstitucionalidade. Trago comigo o Agravo no Recurso Extraordinário nº 274.362, no qual, o Supremo Tribunal Federal, não conheceu recurso extraordinário envolvendo conflito entre normas de lei complementar e de lei ordinária. Então, a competência é nossa. Meu entendimento assenta-se na ementa felicíssima do Recurso Especial nº 221.710/RJ, em que o STJ indicou o rumo do Poder Judiciário brasileiro (...). A orientação partiu da Segunda Turma. O acórdão foi lavrado pelo Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins. Dele participaram o Ministro-Relator, a Ministra Eliana Calmon e os Ministros Franciulli Netto, Laurita Vaz e Paulo Medina. Para mim, essa é a orientação definitiva a ser seguida pelos tribunais e pelos contribuintes. Outra razão, que adoto como fundamento de voto, finca-se na natureza do Superior Tribunal de Justiça. Quando digo que não podemos tomar lição, não podemos confessar que a tomamos. Quando chegamos ao Tribunal e assinamos o termo de posse, assumimos, sem nenhuma vaidade, o compromisso de que somos notáveis conhecedores do Direito, que temos notável saber jurídico. Saber jurídico não é conhecer livros escritos por outros. Saber jurídico a que se refere a CF é a sabedoria que a vida nos dá. A sabedoria gerada no estudo e na experiência nos tornou condutores da jurisprudência nacional. Somos condutores e não podemos vacilar. Assim faz o STF. Nos últimos tempos, entretanto, temos demonstrado profunda e constante insegurança. Vejam a situação em que nos encontramos: se perguntarem a algum dos integrantes desta Seção, especializada em Direito Tributário, qual é o termo inicial para a prescrição da ação de repetição de indébito nos casos de empréstimo compulsório sobre aquisição de veículo ou combustível, cada um haverá de dizer que não sabe, apesar de já existirem dezenas, até centenas, de precedentes. Há dez anos que o Tribunal vem afirmando que o prazo é decenal (cinco mais cinco anos). Hoje, ninguém sabe mais. Dizíamos, até pouco tempo, que cabia mandado de segurança para determinar que o TDA fosse corrigido. De repente, começamos a dizer o contrário. Dizíamos que éramos competentes para julgar a questão da anistia. Repentinamente, dizemos que já não somos competentes e que sentimos muito. O Superior Tribunal de Justiça existe e foi criado para dizer o que é a lei infraconstitucional. Ele foi concebido como condutor dos tribunais e dos cidadãos. Em matéria tributária, como condutor daqueles que pagam, dos contribuintes. Bem por isso, a Corte Especial proclamou que: "PROCESSUAL - STJ - JURISPRUDÊNCIA – NECESSIDADE DE QUE SEJA OBSERVADA. O Superior Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la." (AEREsp 228432). Dissemos sempre que sociedade de prestação de serviço não paga acontribuição. Essas sociedades, confiando na Súmula nº 276 do Superior Tribunal de Justiça, programaram-se para não pagar esse tributo. Crentes na súmula elas fizeram gastos maiores, e planejaram suas vidas de determinada forma. Fizeram seu projeto de viabilidade econômica com base nessa decisão. De repente, vem o STJ e diz o contrário: esqueçam o que eu disse; agora vão pagar com multa, correção monetária etc., porque nós, o Superior Tribunal de Justiça, tomamos a lição de um mestre e esse mestre nos disse que estávamos errados. Por isso, voltamos atrás. Nós somos os condutores, e eu - Ministro de um Tribunal cujas decisões os próprios Ministros não respeitam - sinto-me, triste. Como contribuinte, que também sou, mergulho em insegurança, como um passageiro daquele vôo trágico em que o piloto que se perdeu no meio da noite em cima da Selva Amazônica: ele virava para a esquerda, dobrava para a direita e os passageiros sem nada saber, até que eles de repente descobriram que estavam perdidos: O avião com o Superior Tribunal de Justiça está extremamente perdido. Agora estamos a rever uma Súmula que fixamos há menos de um trimestre. Agora dizemos que está errada, porque alguém nos deu uma lição dizendo que essa Súmula não devia ter sido feita assim. Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme bóia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da bóia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só termina, quando todos os passageiros da bóia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados. Peço venia para acompanhar o Ministro Peçanha Martins. Com essas considerações e louvando-me nesse precedente da lavra do Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins, peço vênia ao eminente Ministro-Relator para aderir à divergência".

Assim, é certo que o Superior Tribunal de Justiça pode sim rever suas posições, o que se mostra extremamente salutar, mas desde que isso não contrarie os princípios basilares do direito.

De outra banda, torna-se imprescindível analisar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 419629, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ocorrido no último dia 23 de maio.

Neste preciso caso, a Corte Regional havia entendido que seria legítima a revogação pela Lei nº 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissionais pela Lei Complementar nº 70/91. Assim, embora a lei fosse formalmente complementar, seria materialmente ordinária no que diz respeito à criação e disciplina da contribuição social prevista no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal.

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao Recurso Especial interposto concomitantemente ao Recurso Extraordinário pela parte adversa à União (cujo julgamento foi realizado em 13 de dezembro de 2002 pela 1ª Turma do STJ – REsp nº 437842, rel: Min. Humberto Gomes de Barros) por entender que pelo princípio da hierarquia das leis, norma ordinária não tem condão de revogar dispositivo de lei complementar.

Mais adiante, a União interpôs Recurso Extraordinário em face desse v. acórdão por manifesta ofensa à dispositivos constitucionais (artigos 102, inciso III e 105, inciso III), tendo em vista que o conflito entre leis ordinária e complementar tem fundamento constitucional, razão pela qual a matéria não poderia ter sido examinada pelo Superior Tribunal de Justiça.

É importante salientar ainda que a parte adversa formulou pedido de desistência do Recurso Extraordinário interposto junto à Corte Regional, por entender que com a superveniência da decisão do Superior Tribunal de Justiça, teria ocorrido a perda do seu objeto.

Assim, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, deu provimento ao Recurso Extraordinário impetrado pela União, em face do acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça, considerando que a análise da matéria por aquela Corte usurpou a competência do Supremo Tribunal Federal. Determinou-se que o Superior Tribunal de Justiça prosseguisse apenas no exame em relação à questão infraconstitucional. Os ministros dessa colenda Turma negaram ainda provimento ao Recurso Extraordinário da parte adversa contra acórdão da Corte Regional, com fundamento na Ação Direta de Constitucionalidade nº 01, de relatoria do Ministro Moreira Alves.

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O relator do processo, Ministro Sepúlveda Pertence considerou ainda que "não haveria se falar em violação ao princípio da reserva constitucional de lei complementar, cuja obediência exige seja observado o âmbito material reservado às espécies normativas previstas na Constituição". Os precedentes citados foram ADC 1/DF (RTJ 156/721) e RE 140752/RJ (DJU de 23.9.94).

Calha ainda transcrever trecho do voto do eminente Ministro: No julgamento da ADC 1, 01.12.93, o em. Relator, Ministro Moreira Alves ressaltou no voto condutor do acórdão – RTJ 156/721, 745: "Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre o faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do artigo 195 da Carta Magna, não se podendo pretender, portanto, que a Lei Complementar nº 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social. Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por Lei ordinária. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar – a Lei Complementar nº 70/91 – não lhe dá, evidentemente, a natureza de contribuição social nova, a que se aplicaria o disposto no § 4o do artigo 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes á contribuição social por ela instituída – que são o objeto desta ação -, é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº 1/69 – e a Constituição atual não alterou esse sistema -, se firmou no sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se porventura a matéria, disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido o da lei complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna exige essa modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de lei ordinária." Este, o caso vertente, relativo a norma que – embora inserida formalmente em lei complementar – concedia isenção de tributo federal e, portanto, submetia-se a regime de leis federais ordinárias, que outra lei ordinária da União, validamente, poderia ter revogado, como efetivamente revogou. Nesse sentido – na trilha do precedente invocado da ADC 1 – a jurisprudência do Tribunal permanece sedimentada (v.g., ADInMC 2111, 16.03.00, Sydney, DJ 15.12.03; AR 1264, 10.04.02, Néri, DJ 31.05.02)".

Diante do vento inconstante gerado pelas Cortes Superiores em matérias com posições outrora sedimentadas, atesta-se que o único sentimento que permeia os jurisdicionados é o da flagrante insegurança jurídica, fato esse que gera ainda imensa descrença com o Poder Judiciário.

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Sobre a autora
Maria Izabel de Macedo Vialle

advogada tributarista, associada ao escritório Amaral & Advogados Associados em Curitiba (PR), especialista em Direito Tributário Contemporâneo pelas Faculdades Integradas Curitiba, pós-graduanda em Contabilidade e Auditoria pela UniFAE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIALLE, Maria Izabel Macedo. Não incidência da COFINS sobre as sociedades civis (sociedades simples):: breve digressão sobre o recente posicionamento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça e da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1226, 9 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9152. Acesso em: 24 nov. 2024.

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