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Acessibilidade para pessoas portadoras de deficiências:

requisito da legalidade, legitimidade e economicidade das edificações públicas

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16/11/2006 às 00:00
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4.O tema da acessibilidade na experiência recente e na jurisprudência dos Tribunais de Contas

Ao desenvolver a pesquisa para a elaboração deste artigo, surpreendeu-nos a ausência quase completa do tema acessibilidade na experiência recente e na jurisprudência dos Tribunais de Contas do Brasil. Tal constatação evidencia-se pelos seguintes exemplos:

- O termo acessibilidade não consta do Manual FISCOBRAS [08] 2006 do Tribunal de Contas da União, que é o principal documento orientador de centenas de ações de fiscalização de obras públicas realizadas anualmente;

- O termo acessibilidade não consta da Cartilha ‘Obras Públicas: recomendações básicas para a contratação e fiscalização de obras públicas’, editada pelo TCU em 2002;

- O termo acessibilidade não consta no Manual de Auditoria de Obras do TCM-RJ;

- O termo acessibilidade não consta na Cartilha de Obras do TCE-PE;

- Na pesquisa de jurisprudência em acórdãos e decisões efetuada nos portais na Internet dos Tribunais de Contas dos Estados da Bahia, Paraná, Pernambuco e Rio Grande do Sul o termo acessibilidade aparece apenas relacionado à questão de concursos públicos para admissão no serviço público.

- Na pesquisa efetuada no portal do TCE-SP, o termo acessibilidade consta do objeto de diversos contratos examinados, em geral, obras de reformas nos acessos a estações ferroviárias e prédios escolares, de modo a garantir a acessibilidade de PPD. O exame realizado pela Corte de Contas, contudo, limitou-se aos aspectos formais da legislação de licitação e contratos.

Exemplos positivos

O TCU realizou auditoria operacional no Programa Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência (Acórdão n.º 137/2004 – Plenário). Entre as recomendações propostas, três mencionaram a questão da acessibilidade:

9.5 recomendar à Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República que: ...

9.5.7 normatize em legislação federal a adequação necessária às PPD em transportes coletivos, orientando as Secretarias Estaduais e Municipais para o efetivo cumprimento desse preceito, assim como faça gestões junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, com vistas ao cumprimento da adequação do transporte público às PPD, bem como à divulgação da ouvidoria dessa agência para reclamações sobre práticas indevidas por parte das empresas de transportes públicos no tocante ao transporte de pessoas portadoras de deficiência;

9.5.8 busque junto ao Ministério da Educação, o cumprimento dos parâmetros estabelecidos na Portaria MEC 1679/99, de 02/12/1999, que dispõe sobre os requisitos de acessibilidade às pessoas portadoras de deficiências, no sentido de adequar a grade curricular dos cursos de engenharia, arquitetura e afins às necessidades das PPDs.

9.5.9 divulgue a Deliberação Normativa nº 411/99 da EMBRATUR que determina às instituições financeiras oficiais e aos Municípios reconhecidos, nos termos da Deliberação Normativa nº 408/99, como Turísticos ou Municípios com Potencial Turístico, que ao aprovar projetos destinados à construção, ampliação e reforma de empreendimentos turísticos, dêem prioridade àqueles que contemplem padrões de adequadas e seguras condições de recepção e acessibilidade às pessoas portadoras de deficiências e que na contratação por órgãos federais de prestadores de serviços turísticos, seja dada prioridade àqueles que comprovem a adoção de medidas voltadas para atender às necessidades de acessibilidade dos portadores de deficiência.

Embora bastante modestas, tais recomendações não foram implementadas, à exceção da 9.5.7, considerada atendida pela edição do Decreto n.º 5.296/2004, conforme constatado no Relatório de Monitoramento (Acórdão n.º 1.370/2005 – Plenário).

Outra intervenção da Corte de Contas ocorreu nos autos da Tomada de Contas Especial relativa a convênio firmado pelo Município de Porto Seguro para a execução do projeto "Cidade para Todos", orientado para a construção de rampas de passeio e de acesso, adaptação de banheiros, instalação de paralelas e corrimão e realização de sinalização horizontal e vertical para facilitar a movimentação de PPDs (Acórdão n.º 2.549/2005 - 2ª Câmara). As contas foram rejeitadas, tendo em vista que as intervenções foram executadas em número inferior ao previsto e em desacordo com as normas da ABNT. Em nossa pesquisa, esse foi o único exemplo concreto de verificação do cumprimento das normas de acessibilidade e de sanção aplicada ao infrator.

Outro caso identificado foi o debate travado em 2003 no TCM-SP acerca de solicitação do Ministério Público do Estado de São Paulo, por intermédio do Grupo de Atuação Especial de Proteção às Pessoas Portadoras de Deficiência, a propósito do novo sistema de transporte coletivo municipal, cuja implantação era proposta na Capital paulista, indagando acerca da competência do TCM-SP em verificar que na licitação estivesse garantido o acesso adequado das pessoas portadoras de deficiência ao referido sistema (TC 72.000.957.03-36). Apesar do parecer contrário da Assessoria Jurídica e da Secretaria de Fiscalização e Controle, o Plenário concluiu pela competência da Corte de Contas paulistana para o exame da matéria sob a ótica da acessibilidade.

Foi também o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios quem, em 2005, abordou o tema da acessibilidade ao Estádio Mane Garrincha, em Brasília, de torcedores com mobilidade reduzida, sem, contudo, lograr algum posicionamento do Tribunal de Contas do Distrito Federal, nos autos do processo 16183/05.

Nos anais das edições anteriores do SINAOP, registra-se a pioneira contribuição de Vila Nova (2004), apontando a necessidade dos Tribunais de Contas despertarem para o tema.

Finalmente, consigne-se que, recentemente o TCE-SC concluiu obras de adaptação de banheiros assegurando a acessibilidade de PPDs.

Tendo em vista que a pesquisa não alcançou a totalidade das Cortes de Contas brasileiras; bem como a circunstância de que muitas delas não disponibilizam na Internet pesquisas na sua jurisprudência a partir de palavras-chave, é possível que existam outros casos de atuação exemplar do controle externo no que respeita à acessibilidade das PPDs. Contudo, o que indica a extensão do levantamento efetuado é que é razoável inferir que, neste tema, ainda é incipiente a intervenção do controle externo. Fortalecê-la e estimulá-la corresponde, em nosso entendimento, a aprimorar o controle da legalidade, legitimidade e economicidade das obras públicas no Brasil, em particular considerando o volume de obras públicas fiscalizado anualmente pelos Tribunais de Contas, bem como o universo de milhões de brasileiros que enfrentam problemas de acessibilidade


5.Conclusão e propostas

O propósito deste trabalho é destacar a relevância do tema da acessibilidade no contexto do planejamento, licitação e execução de obras públicas em geral, especialmente nas construções, ampliações e reformas de edificações destinadas ao uso público. Busca-se sensibilizar a direção das Cortes de Contas e as equipes de fiscalização de obras para a inclusão da acessibilidade em sua agenda permanente, considerando seus reflexos no exame da legalidade, legitimidade e economicidade dos empreendimentos.

A seguir, apresentam-se algumas sugestões de itens de verificação de conformidade para inclusão em matrizes de planejamento e de procedimentos de auditorias de obras públicas, bem como de outras fiscalizações a cargo dos Tribunais de Contas, tais como as relativas a concessões e convênios, assim como outras propostas consideradas pertinentes.

Propostas

para as equipes de fiscalização dos Tribunais de Contas, a inclusão em matrizes de planejamento e de procedimentos de auditorias de obras públicas, bem como de outras fiscalizações de:

1) verificação, conforme as especificidades do empreendimento, da adequação dos projetos básicos e executivos de engenharia a uma ou várias das seguintes normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT:

a) NBR 9050 – Acessibilidade a Edificações Mobiliário, Espaços e Equipamentos Urbanos;
b) NBR 13994 – Elevadores de Passageiros – Elevadores para Transportes de Pessoa Portadora de Deficiência;

c) NBR 14020 – Acessibilidade a Pessoa Portadora de Deficiência – Trem de Longo Percurso;
d) NBR 14021 - Transporte - Acessibilidade no sistema de trem urbano ou metropolitano;
e) NBR 14022 – Acessibilidade a Pessoa Portadora de Deficiência em Ônibus e Trólebus para Atendimento Urbano e Intermunicipal;

f) NBR 14273 – Acessibilidade a Pessoa Portadora de Deficiência no Transporte Aéreo Comercial; e

g)

NBR 15250 - Acessibilidade em caixa de auto-atendimento bancário

2) verificação, nos editais e instrumentos convocatórios de licitações, do atendimento às exigências da Lei n.º 10.098/2000 e do Decreto n. o 5.296/2004;

3) especificamente com respeito a obras de reformas e aperfeiçoamento de edificações e instalações já existentes, a determinação de prazos para a eliminação de barreiras arquitetônicas e a realização das adaptações necessárias à acessibilidade das PPDs;

para os gestores públicos:

4) inclusão, nos termos formalizadores de convênios ou instrumentos análogos envolvendo transferências voluntárias de recursos a outros entes federados, a organizações sociais, organizações não governamentais, organizações da sociedade civil de interesse público e consórcios públicos, entre outros, de cláusulas explicitando a exigência da observância das normas da Lei n.º 10.098/2000 e do Decreto n. o 5.296/2004;

5) orientação para os representantes da administração designados para acompanhar e fiscalizar a execução de contratos de obras, nos termos do art. 67 da Lei n.º 8.666/1993, que atentem para a precisa adequação da execução das obras às citadas normas da ABNT;

para o Poder Legislativo:

6) alteração na redação do inciso VI do art. 12 da Lei n.º 8.666/1993, com a seguinte redação:

Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os seguintes requisitos: ...

VI - adoção das normas técnicas, de acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, de saúde e de segurança do trabalho adequadas;

(a parte em negrito foi acrescentada à redação vigente)


Referências bibliográficas

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______ Decreto n.º 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.

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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 22ª edição, atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.

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Notas

01 Optou-se pela denominação pessoa portadora de deficiência por ser esta a expressão consagrada na legislação. Há, contudo, um esclarecedor estudo de Sassaki (2005) a propósito da evolução político-social da forma com que são chamadas tais pessoas; desde inválidos, no século XIX, até portadores de direitos especiais no alvorecer do século XXI. Na sua obra, Araújo (1997) também opta pela expressão PPD.

02 Entre outros, no endereço http://www.mj.gov.br/sedh/ct/corde/dpdh/corde/normas_abnt.asp

03 apud http://acessibilidade.sigaessaideia.org.br/?catid=25&blogid=1&itemid=32#more (acesso em 28/jul/2006)

04 Identificou-se na LOA 11.306/2006 o Programa 1078 Nacional de Acessibilidade com uma dotação de R$ 1.862.001, associado às ações 6263 Capacitação e Especialização de Técnicos e Agentes Sociais em Acessibilidade; 2A38 Estudos e Pesquisas em Acessibilidade; e a ação 598 Apoio a projetos de acessibilidade para pessoas com restrição.Até 31/07/2006, haviam sido liquidados apenas R$ 212.123.

Na execução orçamentária de 2005 o Programa 1078 Nacional de Acessibilidade foi contemplado com apenas R$ 296.943,00.

05 Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed., Malheiros, 1997.

06 Controle do Patrimônio Ambiental Brasileiro, Editora da UERJ, 2001

07 O controle da gestão pública, Editora Revista dos Tribunais, 2003.

08 De modo a atender a solicitação do Congresso Nacional, no sentido de coibir repasses financeiros para obras irregulares, o TCU organizou um grande programa anual de fiscalização de obras, denominado FISCOBRAS. Realizado em sua maior parte durante o primeiro semestre, o FISCOBRAS compreende auditorias, de diversas modalidades em mais de 400 empreendimentos ou Programas de Trabalho, destacando-se as obras de infra-estrutura de transportes (rodoviárias, portuárias, ferroviárias e aeroportuárias); de saneamento e irrigação; no setor energético (geração e transmissão de energia elétrica, produção, transporte e refino de petróleo e gás) etc. As equipes que executam o FISCOBRAS utilizam aplicativos próprios que permitem a elaboração de relatórios on-line via internet, manual e treinamento específicos, entre outros recursos. Pelo menos desde 2001, os Manuais do FISCOBRAS orientam as equipes de fiscalização a proceder a verificações de natureza ambiental nas auditorias de obras. Sua ênfase encontra-se nos aspectos relativos ao licenciamento ambiental.

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Sobre o autor
Luiz Henrique Lima

analista de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, Economista, Especialista em Finanças Corporativas, M. Sc. em Planejamento Energético, Doutorando em Planejamento Energético

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Luiz Henrique. Acessibilidade para pessoas portadoras de deficiências:: requisito da legalidade, legitimidade e economicidade das edificações públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1233, 16 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9167. Acesso em: 29 mar. 2024.

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