No último dia 17 de junho, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo publicou o Comunicado SDG 31/2021, com o seguinte teor:
COMUNICADO SDG Nº 31/2021
O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO em sua missão de fiscalizar e orientar para a correta formalização de contratações públicas, e no intuito de esclarecer as regras concernentes à aplicação das Leis Federais n° 8.666/1993, n° 10.520/2002 e n° 12.462/2011 e da recente Lei Federal n° 14.133/2021, em especial no período de dois anos de que trata o artigo 193, inciso II, desta última:
RECOMENDA que independente da possibilidade conferida de utilização simultânea das Leis n° 8.666 de 1993 e n° 14.133, de 2021, vedadas a combinação de preceitos de uma e de outra, os Poderes e órgãos das esferas do Estado e dos Municípios avaliem a conveniência e oportunidade sobre a imediata adoção das regras da Lei 14.133 de 2021.
Tal avaliação torna-se imperiosa ante o grande número de dispositivos dependentes de regulamentação que poderão definir interpretações de variada ordem.
SDG, em 16 de junho de 2021.
SÉRGIO CIQUERA ROSSI
SECRETÁRIO-DIRETOR GERAL
Do referido Comunicado SDG, extraem-se algumas questões importantes e que merecem destaque.
A Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, que instituiu normas de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entrou em vigor na data da sua publicação.
Este novo diploma visa substituir o regime de contratações públicas previsto nas Leis nº 8.666/93, 10.520/2002 e 12.462/2011, conforme artigo 193 da Lei nº 14.133/2021.
Contudo, nos três meses de vigência do novo regramento, muito se tem discutido acerca da aplicabilidade imediata de seus dispositivos.
Tal celeuma se baseia, primordialmente, em dois pontos principais:
a) as inúmeras passagens da Lei que estabelecem a necessidade da edição de regulamentos para que se instrumentalize a sua aplicação plena, tais como o §3º do art. 8º (atuação do agente de contratação e da equipe de apoio), inciso VII do art. 12 (plano de contratação anual), art. 19 (catálogo eletrônico de padronização e modelos de minutas de editais), §1º do art. 20 (enquadramento dos bens de consumo nas categorias comum e luxo), art. 23 (pesquisa de preços), art. 31 (leilão), §2º do art. 61 (a condução da negociação por parte do agente de contratação ou comissão de contratação), §2º do art. 65 (a habilitação por processo eletrônico), art. 67 (comprovação da qualificação técnica, qualificação técnico-profissional e técnico-operacional), §1º do art. 78 (procedimentos auxiliares), art. 91 (o contrato na forma eletrônica), art. 92 (o modelo de gestão dos contratos), §2º do art. 122 (as condições de subcontratação), §1º do art. 137 (procedimentos e critérios para verificação da ocorrência dos motivos para extinção dos contratos), §3º do art. 140 (os prazos e os métodos para a realização dos recebimentos provisório e definitivo), art. 161 (a aplicação das sanções), §1º art. 169 (implementação das práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo), art. 174 (das informações a serem divulgadas no PNCP), art. 175 (a forma de contratação de sistema eletrônico fornecido por pessoa jurídica de direito privado para realização de contratações).
b) as disposições dos artigos 54 e 94, ambos da Lei 14.133/2021, que prescrevem que a divulgação dos Editais e dos contratos devem ocorrer, obrigatoriamente, no Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, sendo inclusive condição indispensável para eficácia dos ajustes, portal esse que ainda não foi implementado.
Pela leitura do Comunicado SGD, verifica-se que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo reconhece a possibilidade da utilização imediata dos dispositivos da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, alertando, contudo, que os órgãos jurisdicionados avaliem a oportunidade e conveniência da utilização dessa novel legislação, haja vista a grande quantidade de dispositivos que ainda pendem de regulamentação.
Ou seja, ao que tudo indica, para o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo a aplicabilidade plena da Lei não está condicionada à efetiva implementação do Portal Nacional de Compras Públicas, como defendem alguns operadores do direito, mas sim na cogente necessidade de regulamentação de alguns de seus dispositivos.
E nós, assim como diversos professores e doutrinadores, comungamos de tal posicionamento.
Isso porque, o legislador em momento algum vinculou a vigência e aplicabilidade da Nova Lei de Licitações à efetiva existência do Portal Nacional de Contratações Públicas.
Vale lembrar aqui que o art. 1º do Decreto-Lei nº 4657/42 estabelece que “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.
No caso da Lei º 14.133, o art. 194 é expresso no sentido de que a Lei entraria em vigor na data de sua publicação, que ocorreu na edição extra do Diário Oficial da União de 1º de abril de 2021, restando, portanto, evidenciado que a eficácia de uma norma somente pode ser limitada ou contida mediante disposição expressa, o que efetivamente não ocorreu no presente caso.
Ademais, considerando a finalidade do Portal Nacional de Contratações Públicas (banco de dados que conterá informações sobre licitações e contratações públicas), temos que tal função pode ser suprida, sem qualquer prejuízo à transparência, pelo sistema de publicidade oficial dos atos administrativos (publicação em Diário Oficial e, também, através dos sítios eletrônicos oficiais dos órgãos públicos).
Aliás, é desta forma que a Nova Lei de Licitações autorizou os municípios com menos de 20 mil habitantes a realizar as publicações das informações exigidas na Lei, considerando que os mesmos têm um prazo estendido até 1º de abril de 2027 para adotarem o Portal Nacional de Contratações Públicas, conforme preleciona o art. 176 da Lei 14.133/2021.
Ora, resta claro que a questão da implementação do Portal Nacional de Contratações Públicas, por si só, não pode ser um impeditivo à plena eficácia da norma, haja vista que se assim o fosse, hoje, apenas os municípios com menos de 20 mil habitantes poderiam adotar a novel legislação para embasar suas contratações públicas, causando, a nosso ver, distorções na interpretação da lei e na vontade do legislador.
No que tange à necessidade de regulamentação, vemos que efetivamente tal questão é o calcanhar de Aquiles para a efetiva aplicabilidade da Lei.
Temos que o novel diploma legal prevê que a regulamentação deverá ser realizada por cada um dos órgãos. É o que se extrai da leitura do art. 19 da Lei, que assim dispõe:
Art. 19. Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão:
I - instituir instrumentos que permitam, preferencialmente, a centralização dos procedimentos de aquisição e contratação de bens e serviços;
II - criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
III - instituir sistema informatizado de acompanhamento de obras, inclusive com recursos de imagem e vídeo;
IV - instituir, com auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos, admitida a adoção das minutas do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
V - promover a adoção gradativa de tecnologias e processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia.
Nesse sentido, devemos destacar que a intenção do legislador, ao prever a necessidade de regulamentar diversos dispositivos, foi de tornar a Lei mais adequada à realidade de cada um dos órgãos que a aplicará, facilitando, assim, sua execução na prática.
Nesse diapasão, ainda que a Lei preveja de forma expressa em seu artigo 187 que Estados, Distrito Federal e Municípios possam aplicar os regulamentos editados pela União para execução da Lei, entendemos ser imperioso que os municípios se esmerem na elaboração de regulamentos próprios, uma vez que é sabido que por vezes esses órgãos terão dificuldade em aplicar os regulamentos editados pelo Governo Federal de forma integral, o que poderá ensejar apontamentos pelos órgãos de controle.