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O instituto jurídico do credenciamento e nova lei de licitações

20/07/2021 às 14:55

Resumo:


  • A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) foi publicada no Brasil em substituição às legislações anteriores sobre o tema.

  • A nova norma introduziu o instituto do "Credenciamento" como forma de contratação direta por inexigibilidade de licitação.

  • O "Credenciamento" é um procedimento auxiliar da licitação, previsto na lei, que permite a contratação de interessados que atendam aos requisitos estabelecidos pela Administração Pública.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O credenciamento é instituto já utilizado com base em construção doutrinária e jurisprudencial. Agora positivado na Lei 14.133/2021, deve ser bastante explorado pela administração pública.

I – INTRODUÇÃO

Foi publicada no Brasil a Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021, mais conhecida como nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Com a nova lei acima, a administração pública tem um novo marco legal, em substituição às Leis nº 8.666/1993 (Lei de Licitações), 10.520/2002 (Lei do Pregão) e 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações - RDC), além de abordar temas relacionados.

Dentre as novidades legislativas positivadas na nova norma, temos o instituto jurídico do “Credenciamento”, forma de contratação direta por inexigibilidade de licitação, que será objeto de algumas considerações de nossa parte.


II – DESENVOLVIMENTO

Primeiramente, é de bom alvitre destacar que as contratações diretas na administração pública têm sido objeto de estudos relevantes, discussões calorosas e decisões jurídicas norteadoras sobre tão importante temática.

A exegese constitucional (art. 37, XXI da CF) indica que havendo possibilidade de concorrência, sem prejuízo ao interesse Público, deverá haver licitação e somente, excepcionalmente, a dispensa ou a inexigibilidade prevista na legislação ordinária deverão ser aplicadas.

Vejamos o que nos diz o art. 37, XXI da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

Nesse diapasão, o legislador constituinte, ao fazer essa ressalva admitiu a possibilidade de existirem casos em que a licitação poderá deixar de ser realizada, autorizando, assim, a administração pública a celebrar contratações diretas.

O renomado administrativista Ronny Charles, na sua recém lançada e conceituada obra sobre a nova lei de licitações, leciona que:

“Quando a Lei prevê hipóteses de contratação direta (dispensa e inexigibilidade) é porque admite que nem sempre a realização do certame levará à melhor contratação pela Administração ou que, pelo menos, a sujeição do negócio ao procedimento formal e burocrático previsto pelo estatuto não serve ao eficaz atendimento do interesse público naquela hipótese específica.” (Lei de Licitações Públicas Comentadas, Ed. JusPodivm – 12ª ed., 2021).

O art. 72 da Lei nº 14.133/2021 que trata da “contratação direta” diz textualmente que esses são os que compreendem os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, contudo, o art. 74, IV é que fala diretamente do “credenciamento”, colocando este como inexigibilidade, vejamos:

“Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:

(...)

IV - objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento; (grifamos)

Ressalta-se que o art. 6º, XLIII, da nova lei, nos traz a definição de credenciamento, vejamos:

“Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

(...)

XLIII - credenciamento: processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados;”

Nesse sentido, o Credenciamento é uma forma de contratação direta adotada pela Administração Pública, que prevê a possibilidade de contratação sem licitação prévia, nos casos em que exista inviabilidade de competição.

Destarte, nessa linha de interpretação a “inviabilidade de competição” deve ser ampla, onde, sua efetivação pode se dar por contratação de todos, ou seja, nesta hipótese, a inviabilidade não estará presente porque existe apenas um fornecedor, mas sim, porque existem vários prestadores do serviço e todos que tiverem interesse e cumprirem os requisitos serão contratados.

O renomado jurista Jorge Ulisses Jacoby em sua conceituada obra “Coleção de Direito Público, 2008, pg. 538”, já dizia que:

“Se a administração convoca todos os profissionais de determinado setor, dispondo-se a contratar os que tiverem interesse e que satisfaçam os requisitos estabelecidos, ela própria fixando o valor que se dispõe a pagar, os possíveis licitantes não competirão, no estrito sentido da palavra, inviabilizando a competição, uma vez que a todos foi assegurada à contratação.”

Podemos dizer que o credenciamento é um método, um sistema pelo qual irá se efetivar uma contratação direta, onde o Poder Público não seleciona apenas um participante, mas sim, pré-qualifica todos os interessados que preencham os requisitos previamente determinados no ato convocatório.

O credenciamento envolve uma espécie de cadastro de prestadores de serviços ou fornecedores. E mais, é ato pelo qual o sujeito obtém a inscrição de seu nome no referido cadastro.

A lei nº 8.666/93 não trazia diretamente tal hipótese, porém, tal instituto já era aceito e utilizado por construção jurisprudencial e doutrinária.

O Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão 3567/2014 Plenário, decidiu que:

O credenciamento é hipótese de inviabilidade de competição não expressamente mencionada no art.25 da Lei 8.666/93 (cujos incisos são meramente exemplificativos). Adota-se o credenciamento quando a Administração tem por objetivo dispor da maior rede possível de prestadores de serviços. Nessa situação, a inviabilidade de competição não decorre da ausência de possibilidade de competição, mas sim da ausência de interesse da Administração em restringir o número de contratados.” (GRIFO NOSSO)

Também, no Acórdão 1150/2013-Plenário, a Egrégia Corte de Contas assim decidiu:

“O credenciamento, entendido como espécie de inexigibilidade de licitação, é ato administrativo de chamamento público de prestadores de serviços que satisfaçam determinados requisitos, constituindo etapa prévia à contratação, devendo-se oferecer a todos igual oportunidade de se credenciar. A pré-qualificação de profissionais aptos a prestarem determinado serviço pode ser realizada se a competição se tornar inviável, adotando-se sistemática objetiva e imparcial de distribuição dos serviços entre os pré-qualificados.”

Como vemos o credenciamento já era um instituto jurídico amplamente utilizado pela administração pública e que agora foi positivado na nova lei.

Nesse sentido, ao positivar tal instituto, a lei o colocou no patamar de procedimento auxiliar da licitação, como demonstra o art. 78 da lei nº 14.133/2021, vejamos:

“Art. 78. São procedimentos auxiliares das licitações e das contratações regidas por esta Lei:

I - credenciamento;

II - pré-qualificação;

III - procedimento de manifestação de interesse;

IV - sistema de registro de preços;

V - registro cadastral.

§ 1º Os procedimentos auxiliares de que trata o caput deste artigo obedecerão a critérios claros e objetivos definidos em regulamento.

§ 2º O julgamento que decorrer dos procedimentos auxiliares das licitações previstos nos incisos II e III do caput deste artigo seguirá o mesmo procedimento das licitações.” (GRIFO NOSSO)

Na prática, tal procedimento auxiliar se dar no âmbito do órgão que faz um Chamamento Público, com parâmetros a serem seguidos e observados por todos os que queiram participar, ficando abertos para todos os interessados e a todo tempo, inviabilizando assim, a abertura de licitação.

O art. 79 da nova lei no diz que:

“Art. 79. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação:

I - paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas;

II - com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação;

III - em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação.

Parágrafo único. Os procedimentos de credenciamento serão definidos em regulamento, observadas as seguintes regras:

I - a Administração deverá divulgar e manter à disposição do público, em sítio eletrônico oficial, edital de chamamento de interessados, de modo a permitir o cadastramento permanente de novos interessados;

II - na hipótese do inciso I do caput deste artigo, quando o objeto não permitir a contratação imediata e simultânea de todos os credenciados, deverão ser adotados critérios objetivos de distribuição da demanda;

III - o edital de chamamento de interessados deverá prever as condições padronizadas de contratação e, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, deverá definir o valor da contratação;

IV - na hipótese do inciso III do caput deste artigo, a Administração deverá registrar as cotações de mercado vigentes no momento da contratação;

V - não será permitido o cometimento a terceiros do objeto contratado sem autorização expressa da Administração;

VI - será admitida a denúncia por qualquer das partes nos prazos fixados no edital.” (GRIFO NOSSO)

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Destarte, o art. 79 da lei nº 14.133/2021 traz as hipóteses de contratação e o procedimento a ser utilizado pela administração pública.

De acordo com o parágrafo único do art. 79 da lei nº 14.133/2021 acima, o credenciamento será definido por regulamento, assim, poderá o órgão definir todo seu parâmetro num edital e publicar como forma de dar eficácia e transparência ao procedimento.

Após o procedimento auxiliar de credenciamento feito no órgão, as empresas credenciadas, ou seja, aquelas que comprovaram os requisitos ali esposados, estarão aptas a serem contratadas.

Não obstante, entendo que não seria ainda o momento da assinatura do contrato, e sim, a abertura de um processo administrativo de inexigibilidade de licitação, onde cada empresa outrora credenciada, deverá cumprir os demais requisitos legais da inexigibilidade, bem como, o órgão contratante, como por exemplo, a justificativa da contratação, justificativa do preço, regularidade fiscal e trabalhista.

Nessa linha entendeu o prof. Ronny Charles, no livro “Lei de Licitações e Contratos comentadas”, vejamos:

“Importante destacar que o credenciamento nãos e confunde com a hipótese de inexigibilidade. Ele é um instrumento (procedimento auxiliar), apto para essas hipóteses de contratação direta, em que a administração quer todos os fornecedores aptos disponíveis.” (Ed. JusPodivm, 2021)

As hipóteses de contratação trazida do bojo do art. 79 da nova lei, foram: I - paralela e não excludente; II - com seleção a critério de terceiros; III - em mercados fluidos.

Segundo Ronny Charles, ao tratar sobre a “contratação paralela e não excludente”, nos diz que:

“Nessa hipótese, o fundamento da adoção do credenciamento e posterior contratação direta é a inexistência da chamada relação de exclusão, tendo em vista que todos os interessados em contratar com a Administração Pública que demonstrem atender as suas exigências serão potencialmente contratados.” (Lei de Licitações e Contratos comentadas - Ed. JusPodivm, 2021)

Exemplo: contratação de pátios que sirvam para depósito de carros apreendidos, onde a administração poderá optar por credenciamento de todos os interessados.

Acerca da segunda hipótese, “seleção a critério de terceiros” Fernandes e Penna, nos brindam com a seguinte ponderação:

“Na presente hipótese, a Administração Pública apenas seleciona os interessados em prestarem determinado serviço, de acordo com critérios e requisitos previamente definidos, deixando para que o usuário do serviço escolha o credenciado para lhe prestar o serviço, realizando o pagamento diretamente a este” (Nova Lei de Licitações e Contratos para a Advocacia Pública - Ed. JusPodivm, 2021)

Exemplo: contratação de centro de formação de condutores (autoescolas).

Destarte, a terceira hipótese, “mercados fluidos”, o prof. Ronny Charles traz uma bela explanação sobre o tema, vejamos:

“A hipótese do inciso III do caput admite a utilização do credenciamento para atendimento de pretensões contratuais relacionadas a “mercados fluidos”, nos quais a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabilizaria a seleção de agente por meio de processo de licitação ” (Lei de Licitações e Contratos comentadas - Ed. JusPodivm, 2021).

Exemplo: compra de commodities, onde os preços oscilam de acordo o mercado.

Nesse sentido, o “credenciamento” foi inserido na nova lei de licitações (lei nº 14.133/2021) por ser um instituto já amplamente aceito, utilizado e experimentado pela administração pública.

Assim, com o “credenciamento”, o interesse público será atingido quando a administração puder contratar um maior número de interessados e para que tal instituto seja de fato observado, deverá ser mantido aberto o processo para qualquer entidade que preencha os requisitos, de forma permanente em local visível e de fácil acesso como o sítio da internet do órgão ou página principal do ente governamental.


III – CONCLUSÃO

Diante do exposto, o instituto jurídico do “credenciamento” encontra amparo na nova lei nº 14.133/2021, como uma hipótese de inexigibilidade de licitação, sendo o mesmo já amplamente aceito, utilizado e experimentado pela administração pública.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990;

BRASIL. Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021, publicada no DOU de 01.04.2021 (Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm);

DE TORRES, Ronny Charles, “LEI DE LICITAÇÕES PÚBLICAS COMENTADAS”. 12. ed. São Paulo: JusPodivm, 2021);

FERNANDES, Felipe e PENNA, Rodolfo, “NOVA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS PARA A ADVOCACIA PÚBLICA. ed. São Paulo: JusPodivm, 2021);

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Sobre o autor
Júlio Cesar Lopes Serpa

Advogado e Perito Contador; Doutor em Ciências Jurídicas; Especialista em Direito Tributário, Auditoria e Perícia Contábil; Sócio do Di Lorenzo Serpa Advogados Associados; Coordenador Jurídico da Controladoria Geral do Estado da Paraíba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERPA, Júlio Cesar Lopes. O instituto jurídico do credenciamento e nova lei de licitações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6593, 20 jul. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91841. Acesso em: 25 dez. 2024.

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