1. INTRODUÇÃO
Até o fechamento do presente, ainda na primeira quinzena de junho de 2021, a consumação de uma ampla reforma permitindo simplificar e modernizar o sistema tributário brasileiro estava longe de tornar-se realidade. Não por falta de propostas, diga-se. Contava-se em pelo menos três as iniciativas recentes em estudo pelo Congresso Nacional. Objeto de calorosos debates há quase três décadas, o tema ganhou força novamente a partir de 2019, com o início da gestão do atual presidente brasileiro, Jair Messias Bolsonaro. Passados mais de dois anos, contudo, parecem tímidos os avanços na área. Sobram discussões enquanto falta consenso político.
Projeto caro ao futuro da nação, a Reforma Tributária tem, como se sabe, potencial para impactar o setor produtivo e o ambiente de negócios, bem como melhorar (ou até mesmo piorar) a vida do cidadão comum. Tome-se como exemplo o Imposto de Renda (IR), objeto desta pesquisa. Aumento da faixa de isenção, redução para empresas e tributação de dividendos são medidas que, caso concretizadas, terão efeitos notórios sobre investimentos e mesmo no consumo das famílias.
Assentada sobre tal premissa, revela-se cogente a tarefa de escrutinar potenciais mudanças e estabelecer possível solução para a problemática, com especial atenção ao referido tributo. Neste sentido sobejam questões pertinentes, com perguntas tão elementares como o que está sendo proposto e o que, de fato, seria necessário.
Para respondê-las tenciona-se demonstrar as ideias com maior impacto, bem como as que realmente devem ser efetivadas. Pretende-se descortinar experiências sobre o tema, revelar o que defendem tributaristas e, por fim, ajudar a desenhar os caminhos possíveis e necessários para equacionar da melhor forma temática tão cara a uma economia combalida pela pandemia e, por consequência, pelo recrudescimento da crise econômica.
Trata-se, portanto, de discussão essencial em um momento de provável votação da matéria. Sua contribuição, almeja-se, tem potencial para tornar palatável o assunto, ao mesmo tempo em que se espera fomentar a manifestação acadêmica e, de algum modo, incentivar o debate público.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Dada à natureza da tarefa, a metodologia adotada contemplou certos passos considerados indispensáveis para perfazer o objetivo da pesquisa. Neste sentido, além do necessário levantamento bibliográfico, leitura e anotações preliminares, buscou-se consubstanciá-la com análise de dados qualitativos divulgados por organismos oficiais, bem como com a mais recente doutrina sobre o tema. A respeito do método qualitativo, trata-se este, como ensinam as professoras Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos (2021, p. 44) de metodologia destinada a trabalhar com o universo dos valores e das atitudes, dentre outros, sendo, portanto, de aplicação oportuna às Ciências Sociais.
3. TARDIA E FATIADA, MAS NECESSÁRIA
Uma crítica ao atual sistema tributário é que este é em boa medida injusto, punindo, sobretudo, os mais pobres (MEDEIROS, 2021). Defende-se que ao tributar menos serviços do que mercadorias, por exemplo, o modelo brasileiro cobra mais de quem tem menor poder aquisitivo, já que os serviços, como argumenta-se, seriam consumidos, sobretudo, por pessoas de maior renda.
Controvérsias à parte, no entanto, fato é que contam-se décadas desde que o país vivenciou sua última reforma tributária de caráter estrutural. Esta, como bem lembra o professor Luís Eduardo Schoueri (2021, p. 149) ocorreu em 1965, por meio da Emenda Constitucional nº 18. O citado dispositivo, como rememora o mestre, “trouxe as bases do sistema tributário de hoje”.
Preleciona o autor, igualmente, que, contemporânea ao vigente Código Tributário Nacional, a EC n. 18/65 tornou “possível a divisão dos impostos, conforme sua natureza, nas categorias: sobre o comércio exterior, sobre o patrimônio e a renda, sobre a produção e circulação e especiais” (SCHOUERI, 2021, p. 150).
Neste sentido também se posiciona o tributarista Luciano Amaro (2021, p. 18) ao rememorar que, “em 1966, recém-editada a Reforma Tributária traduzida na Emenda n. 18/65, o Código Tributário Nacional adotou uma linha didática na disciplina do sistema tributário, insistindo, ao longo do seu texto, na fixação de certos conceitos básicos”. Como defende o doutrinador, “definir e classificar os institutos do direito é tarefa da doutrina”, mas, “embora hoje já não persistam razões para isso, a Constituição de 1988 atribui à lei complementar, entre outras tarefas, a de definir tributos (art. 146, III, a)”.
Superada esta breve e necessária recapitulação histórica, cumpre destacar que existe no contexto atual um conjunto de propostas traduzidas no relatório final dos trabalhos da Comissão Mista da Reforma Tributária, colegiado instituído em fevereiro de 2020 para analisar as alternativas de mudança na legislação.
Parâmetro para um novo modelo de tributação sobre o consumo, o texto substitutivo em apreciação, como informa o endereço eletrônico do Senado Federal, agrega sugestões de três iniciativas sobre o tema: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2019, originária da Câmara dos Deputados; a PEC nº 110/2019, apresentada no próprio Senado; e o projeto de lei nº 3.887/2020, de autoria do Executivo Federal. “Enquanto as PECs convergem para a extinção de tributos incidentes sobre bens e serviços, o projeto de lei [...] trata da instituição da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS)” (Agência Senado, 2021).
Na prática, contudo, tenciona-se, como principal alteração, a transição de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, transmutando-os em um novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Este último, por sua vez, exigiria complementação por meio da criação de um segundo tributo, o Imposto Seletivo.
Para o desembargador Leandro Paulsen (2021, p. 22) o grande trunfo da reforma, caso ocorra como concebida, “é a unificação dos tributos sobre consumo no IBS e a adoção da não cumulatividade plena para esse imposto, o que simplificará o sistema e lhe outorgará maior neutralidade”. Como explica o magistrado e professor, “o IPI, o ICMS e o ISS, por exemplo, não são compensáveis uns com os outros; mas, substituídos todos pelo IBS e substituída a ideia de crédito físico pela apropriação de créditos sempre que adquiridos bens e serviços onerados por esse imposto, teremos uma compensação plena”.
Cabe ressaltar sobre a proposta, entretanto, que, antes mesmo de ser votada, a pretensa “legislação única e nacional” que ambiciona “solucionar a competência de cada ente federativo para tributar e legislar sobre sua fração” encontrou resistências políticas. Tanto que, até o fechamento do presente, pretendia-se efetivar apenas uma reforma tributária fatiada, em prejuízo de uma iniciativa mais ampla.
Explica-se. Pela suposta relutância política em votar uma mudança profunda, com consequentes implicações para estados e municípios, definiu-se como estratégia que o parecer final, apresentado pelo relator da reforma na mencionada Comissão Mista, seria dividido em projetos de lei cuja tramitação no legislativo é mais simples. Ao todo se especulava o fatiamento em pelo menos seis propostas (URIBE; ARBEX, 2021).
Destas, como registrado pela CNN Brasil, um dos projetos destinar-se-ia a unificar PIS e Cofins, criando a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Outro trataria da mudança no sistema de cobrança no Imposto de Renda (IR). Haveria ainda votação sobre a criação de um IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) seletivo, aumentando a cobrança sobre produtos como tabaco e álcool; bem como a renegociação de dívidas por meio de um passaporte tributário; e, por fim, a criação de um imposto sobre transações digitais.
A sexta proposta, considerada mais controversa, prevê a reformulação do ICMS (tributo estadual) e do ISS (municipal) “para tentar reduzir a guerra fiscal entre entes da federação” (CNN Brasil, 2021). Trata-se, contudo, de tema espinhoso que carece de uma PEC, considerado o fato de que os referidos tributos encontram-se previstos no texto da Carta Política brasileira de 1988.
Para Paulsen (2021, p. 22), como se vê, “o Poder Executivo [...] em vez de apresentar de uma só vez uma proposta própria e completa de reforma tributária, optou pelo seu fracionamento”. Como rememora, “a reação do setor de serviços [...] foi bastante contundente, porquanto vislumbra enorme majoração da sua carga tributária”.
Destarte, superada a abordagem inicial às principais discussões sobre a reforma do sistema tributário brasileiro passa-se a apreciação mais detalhada do que se tenciona, de fato, para o Imposto de Renda.
4. MUTAÇÕES NO I.R.
Preleciona o mestre Eduardo Sabbag (2021, p. 331) que “o Imposto sobre a Renda se constitui na principal fonte de receita da União, no campo dos impostos federais, e possui, marcadamente, caráter fiscal”. Como bem ensina, trata-se de tributo da competência da União, conforme dispõe o art. 153, III, da Constituição Federal de 1988, sendo disciplinado, complementarmente, pela previsão normativa emanada dos arts. 43 a 45 do CTN.
Válido explicar, de modo subsidiário, que o IR tem caráter social e justifica-se pela pretensão de que a parcela da sociedade brasileira com maior rendimento contribua, consequentemente, com um percentual maior, assegurando, em um sentido amplo da proposta, melhor qualidade de vida a toda população.
Tome-se como exemplo o imposto de renda das pessoas físicas (IRPF). Como aduz o advogado Alexandre Mazza (2021, p. 129) trata-se de “um tributo direto (incide sobre a renda da pessoa), progressivo e neutro (pois tributa as pessoas direto na fonte de renda e não no consumo, não afetando preços relativos)”.
Dito isto, apesar de não haver até o fechamento deste ensaio acadêmico uma proposta formal (FERNANDES, 2021), o Executivo Federal sinalizou, por meio de sua equipe econômica, com a possibilidade de tributar dividendos, bem como instituir novas regras que afetem pessoas físicas e jurídicas. Sobre os primeiros, diga-se, julga-se esta uma das mudanças com maior tendência para aprovação, considerando o fato de que, como apontado em momento anterior, para efetivá-la exige-se apenas o trâmite legislativo reservado a projetos de lei – leia-se quórum menor para aprovação do texto, o que, em outras palavras, pode ser traduzido como maioria simples estando presente a maioria absoluta dos deputados.
No que se refere ao IRPF, por outro lado, tenciona-se a atualização da tabela, preservando-se, no entanto, as faixas de tributação. Hoje, como se sabe, a maior encontra-se em percentual de 27,5%. Almeja-se elevação do limite de isenção. Restava, porém, definir em quanto. A promessa de campanha do atual chefe do Executivo Federal era desoneração para até cinco salários mínimos. Acredita-se, contudo, que, havendo de fato, não supere R$ 3 mil, valor pelo menos um pouco maior que o atual, que contempla apenas pessoas com rendimentos até R$ 1.903,98 por mês (FERNANDES, TURTELLI, 2021).
Já no que concerne ao imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ) há que se considerar a supracitada pretensão de tributação dos lucros e dividendos. Discutem-se alíquotas de, no mínimo, 15%; o quê pensa-se deve refletir na tributação das empresas, forçando eventual redução da alíquota cobrada destas. A mudança, especula-se, seria da ordem de 5%, mas de forma escalonada. Em um primeiro momento, no ano inicial de vigência, passar-se-ia dos atuais 15% para 12,5% e, em uma segunda etapa, seria alcançada uma redução para 10% (KOPPE, 2021).
Existem ainda outras mudanças que merecem uma última nota, como acertadamente rememora o palestrante e auditor-fiscal aposentado, Valter Koppe (2021). Segundo observa o estudioso da matéria, “existe a proposta de se eliminar a tributação regressiva em relação ao prazo das operações de renda fixa, que hoje começa com 22,5% nas operações de curto prazo e chega a 15% para as operações com prazo superior a 720 dias”.
Caso efetivada, imagina-se que seja restrita a uma “tributação de 15%, independentemente do prazo”. Por fim, aponta o pesquisador, tenciona-se “eliminar as isenções hoje existentes para os investimentos em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e em Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRA) e fundos exclusivos”.
5. CONCLUSÃO
Em sede de comentários finais ao presente, há que se fazer um breve e necessário registro à atualidade da nota introdutória de uma das mais recentes obras do professor Roberto Caparroz (2021, p. 14). Defende este em seu livro que a discussão em torno de uma Reforma Tributária séria, com a pretensão de efetivamente adotar um sistema mais justo, deveria se direcionar em premissas essenciais como justiça, capacidade contributiva e eficiência. Ao contrário, no entanto, esta, não raro, norteia-se no debate sobre simplificação, adstringindo-se a quais tributos serão extintos ou substituídos.
Trata-se de perspectiva correta. Como sinaliza o mestre, parece razoável ponderar que uma mudança focada em simples aglutinação de tributos com novo epíteto está longe de confrontar o que realmente importa, ou seja, a abissal irracionalidade tributária forjada em uma legislação complexa e na abundância de litígios.
Urge fomentar ambiente propício ao desenvolvimento nacional, partindo-se da ponderação de princípios garantidores, bem como estimular uma relação mais saudável entre o fisco e o contribuinte pátrios. Não é tarefa fácil, reconheça-se. Mas, de nada valerá uma pretensão que caminhe em sentido diferente.
6. REFERÊNCIAS
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